Seminário analisa impactos sociais, políticos e econômicos da regulação da maconha
Por Ricardo Valverde, da Agência Fiocruz de Notícias.
Na tarde da quinta-feira (2/7), o seminário Maconha: usos, políticas e interfaces com a saúde e direitos debateu os impactos sociais, políticos e econômicos da legislação sobre a maconha. O presidente do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis do Uruguai, Augusto Vitale, iniciou sua participação sublinhando que a chamada “guerra às drogas”, surgida no governo do presidente americano Richard Nixon, fracassou rotundamente. Segundo ele, o número de homicídios relacionados ao tráfico de drogas aumentou assustadoramente desde então, causando uma fragmentação social, sobretudo nos países mais pobres. De acordo com Vitale, a regulação desse mercado garante clareza, critérios e uma legislação firme, que entende a questão como sendo um problema de saúde pública e incorpora os direitos humanos na equação. Também participaram da mesa o geógrafo Jorge Barbosa, diretor do Observatório de Favelas, e o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Paulo Cesar Pontes Fraga.
Psicólogo formado pela Universidade da República (Uruguai), com especialização em psicologia social e institucional, Vitale participa da gestão de políticas públicas de promoção da saúde, educação, prevenção às drogas e à violência em programas de redução de riscos e danos, em conjunto com diversos atores, instituições e redes comunitárias. Segundo ele, foi necessário, para avançar na legislação e levar a sociedade uruguaia a debater a questão, entender e apresentar as limitações do paradigma proibicionista.
“Promovemos mais de 30 diálogos com a sociedade, reunindo todos os segmentos, contrários e favoráveis à regulação. O então presidente José Mujica pediu que a discussão fosse feita com a população, sem limitar a discussão ao Congresso, mesmo tendo maioria parlamentar governista”. De acordo com Vitale, cerca de 60% dos uruguaios, quando o governo levantou a questão, se posicionavam de maneira contrária à regulação da maconha. “Atualmente, 51% são a favor”, afirmou.
Vitale disse que o objetivo da ação foi, sempre, o de proteger e promover a saúde pública. “O problema das drogas não é somente das agências que lutam contra elas. É um fenômeno complexo e nós que somos atores sociais, públicos e privados, temos que avançar sobre uma melhor resposta ao fenômeno”, observou o psicólogo. Ele alertou, no entanto, que “não nos interessa promover ou ampliar o consumo das drogas”. Assim, a lei uruguaia que regulou a maconha, promulgada em 2013, exerce um forte controle sobre a produção e circulação da substância. Aliado a isso, há campanhas de conscientização que mostram claramente os danos, sobretudo para adolescentes e jovens. “As pessoas precisam ser fortes e estar bem informadas, para resistir à oferta”.
Antes, segundo Vitale, não havia qualquer regulamentação sobre a droga em seu país. Hoje todas as atividades ligadas à maconha – produção para consumo próprio ou por meio de clubes e futuramente também o uso medicinal – estão controladas. “Por exemplo, plantações não autorizadas são destruídas e os responsáveis sofrem punições”.
Para fazer uso da maconha no Uruguai é necessário ter mais de 18 anos e ser uruguaio ou residente no país. Para os que cultivam a erva em casa, pode-se plantar até seis pés de maconha por morador. E é possível também participar de clubes de plantio, com até 45 sócios e limite de 99 pés da planta. Os consumidores precisam se inscrever em um registro nacional, com o número da sua carteira de identidade e assim passam a ter o direito de adquirir uma quantidade limitada de maconha a cada mês. Vitale disse que esse banco de dados dos usuários não podem ser acessados, para evitar que a privacidade das pessoas seja invadida. “Essas informações só podem ser liberadas por meio de um pedido judicial, caso o indivíduo esteja sob investigação policial”.
“Queremos promover a saúde e ao mesmo tempo aplicar a lei. Esta é uma tarefa de muitos e não apenas dos especialistas. Esta é uma tentativa de controlar o problema, dentro de toda sua complexidade. E estamos igualmente empenhados em ofertar tratamento, reabilitação e reinserção nos casos problemáticos de uso da maconha. A política de drogas tem que ser pensada como uma política de desenvolvimento social. A regulação é um dispositivo social”, analisou Vitale.
Na mesma mesa do uruguaio estava o diretor do Observatório de Favelas, o geógrafo Jorge Barbosa. Ele começou sua explanação afirmando que no Brasil “é fundamental substituir o paradigma da proibição pelo da regulação. A experiência uruguaia e a de outros países deve ser debatida e avaliada sob todos os vieses, com a sociedade civil chamando para si essa discussão. Para Barbosa, a questão inevitavelmente trará conflitos, mas ele lembrou que “conflitos e opiniões divergentes fazem parte da democracia”. O geógrafo acrescentou ainda que, pela complexidade do tema, “nem todas as pessoas que são contrárias à regulação podem ser classificadas como conservadoras”.
Para o diretor do Observatório de Favelas, o debate também necessita ser encarado do ponto de vista do território e das pessoas que moram em comunidades dominadas pelo narcotráfico. “Se fizermos uma pesquisa no Complexo da Maré vamos observar que a maioria daquela população é contrária à regulação. O que elas vivem no dia a dia, o que sentem, é a violência relacionada ao tráfico e os confrontos com a polícia. Há uma nítida distinção territorial nesse tema. Se um jovem for pego pela polícia fumando maconha em uma praça da Zona Sul, a abordagem será bem diferente caso a mesma situação ocorra em uma comunidade. Quem conhece esse locais sabe o que significa ‘esculacho’, ‘dura’, ‘desenrolo” e ‘arrego’”. Para Barbosa, a perda da soberania territorial pelo Estado amplificou a política proibicionista, reforçou a associação entre os tráficos de drogas e armas e estigmatizou ainda mais as periferias. “As desigualdades foram aprofundadas pelo proibicionismo”.
Publicado no Portal EcoDebate, 06/07/2015
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