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O Ministério Público e as questões ambientais, artigo de José de Castro Silva

 

opinião

 

[EcoDebate] O Ministério Público é uma das instituições mais respeitadas num Estado Democrático de Direito e tem assegurada total autonomia funcional, administrativa e financeira, sem estar vinculado e sem qualquer subordinação aos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

O Ministério Público é uma instituição responsável pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. A finalidade de sua existência se concentra em três pilares: na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Direito Ambiental pátrio firma-se em três pilares legislativos: a Constituição Federal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e o Código Florestal. Esta fundação sólida permitiu que nosso instrumental jurídico ambiental fosse considerado um dos mais avançados do mundo.

O Direito tem seus limites e possibilidades, mas não é o único e nem sequer o melhor instrumento de ação social; no entanto, atua, de maneira eficaz, tanto para prevenir como para remediar ações ou omissões que reflitam um atentado à ordem jurídica, estabelecida pela própria sociedade.

O Direito não se constrói para si mesmo ou para uma ordem social e política abstrata. Ele deve interessar-se pelo homem concreto, pelas diferentes realidades humanas, permanentes e dinâmicas, que servem de insumo para se construir a história da humanidade. Por isso, as leis devem estar sintonizadas com as necessidades sociais e o Direito deve apresentar-se como solução, diante de um conflito concreto, definindo o seu titular, determinando a restauração da situação anterior ou aplicando penalidades para os diferentes tipos, quando necessário.

A vida do Direito jamais poderia ser reduzida a uma simples inferência de lógica formal, como a um silogismo, cuja conclusão resulta da simples posição de duas premissas. Nada mais ilusório do que reduzir o Direito a uma geometria de axiomas, teoremas e postulados normativos, perdendo-se de vista os valores que determinam os preceitos jurídicos e os fatos que os condicionam.

Este aspecto de temporalidade e historicidade dos valores de uma sociedade é que fazem do valor e, consequentemente, do Direito, aspectos relativos e não absolutos da história, mudando e evoluindo no tempo, de acordo com a própria evolução da sociedade.

O meio ambiente se apresenta como uma realidade dinâmica e mutante, holística e sistêmica: ele é alvo das ciências aplicadas, apresentando-se como uma realidade interdisciplinar e, mesmo, transdisciplinar, que desafia, abertamente, qualquer competência exclusiva sobre ele, seja científica, seja normativa. Ademais, a natureza não se rege por regras fixas, corretamente determinadas, estanques e previsíveis.

A doutrina reitera que o Direito Ambiental deverá socorrer-se, frequentemente, dos conceitos originários da biologia, ecologia, engenharia florestal, engenharia ambiental, agronomia, física, química, geologia e tantas quantas sejam as ciências voltadas para o estudo dos ambientes naturais, onde estão os homens, as florestas e todos outros seres, que compõem os meios biótico e abiótico. São elementos indissociáveis, cujas relações de sobrevivência estão interligadas.

Na sua formação acadêmica, o operador do Direito (Juízes e Promotores), em tese, não tem os conhecimentos técnicos sobre os componentes da natureza e os intrincados laços que compõem a teia da vida. Na mesma esteira de discussão está o legislador, ao elaborar e tecer as normas, que não detém informações para entender a realidade fática dos fenômenos naturais, em seus pormenores, e a sua relação causal para identificar a gravidade ou intensidade dos danos resultantes das intervenções humanas.

A legislação, por si só, não será suficiente e eficaz, caso se ignore a sua aplicação fática, num país de dimensão continental, como o Brasil, onde o meio ambiente urbano e rural apresenta uma grande complexidade de situações, difícil de ser modelada e apreendida, implicando na existência de distintas condições de solo, relevo, clima, vegetação etc.

Não bastassem tantas situações diversas, a legislação não pode ignorar as diferenças fundiárias, ambientais, culturais e socioeconômicas, que tornam cada propriedade e cada região do país um caso, em particular, a ser analisado. A realidade fática do cotidiano urbano e rural, ao contrário, apresenta situações múltiplas e variadas, com vieses complexos e multifacetados, impossíveis de serem totalmente abrangidos no plano teórico e abstrato da proteção ambiental pretendida.

O Estado de Minas Gerais está quase paralisado por estas questões. Adotou-se um ambientalismo suicida, gerando uma insegurança jurídica que afugenta os homens do campo, os investimentos e qualquer iniciativa que dependa de licenciamento ambiental. Existem cerca de 14 mil processos de licenciamento parados e aproximadamente 120 mil autos de infração, correndo risco de prescrição. O SISEMA (leia-se Governo do Estado de Minas Gerais) tomou a decisão de anistiar as multas, para evitar a prescrição.

Como se não bastasse, no dia 24 de junho passado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade incidental do artigo 67 do Novo Código Florestal, que, segundo a Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos, prevê a consolidação dos desmatamentos ilícitos. A norma, de acordo com o órgão do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), permite o registro de reserva legal em percentual inferior a 20% da área do imóvel nas propriedades rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, até quatro módulos fiscais.

No julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n.° 1.0144.11.003.964-7/002, relatada pelo desembargador Walter Luiz, a corte do TJMG reconheceu que o artigo, ao isentar o proprietário rural de recompor a área desmatada, afronta dispositivos da Constituição Federal (CF): artigo 225, caput, que consagra o dever geral de proteção ambiental; artigo 225, § 3°, que prevê a obrigação de reparação do dano ao meio ambiente; artigo 225, § 1°, I, que estabelece o dever de restaurar os processos ecológicos essenciais; artigo 225, § 1°, IIII, que veda a utilização de espaço especialmente protegido de modo a comprometer os atributos que justificam sua proteção; artigo 186, II, que estabelece a exigência de que a propriedade atenda sua função social.

Muitos pequenos proprietários rurais serão condenados a instituir a reserva legal em sua propriedade, mesmo que tenham uma área inferior a quatro módulos fiscais. Pelo Código Florestal (art. 67), estavam dispensados de instituir a reserva legal.

Realmente, não vivemos num País sério. Essa visão bucólica da vida do homem do campo é própria de homens de gabinete, acostumada a processos, livros, ar condicionado, cafezinhos. Não conhecem nada do homem do campo. Aliás, nem imaginam….

Prof. Dr. José de Castro Silva – Professor e Advogado

 

Publicado no Portal EcoDebate, 02/07/2015


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3 thoughts on “O Ministério Público e as questões ambientais, artigo de José de Castro Silva

  • “Realmente, não vivemos num País sério. Essa visão bucólica da vida do homem do campo é própria de homens de gabinete, acostumada a processos, livros, ar condicionado, cafezinhos. Não conhecem nada do homem do campo. Aliás, nem imaginam”.

    Prof. Dr. José de Castro Silva, eu, respeitosamente, me manifesto, aproveitando o último parágrafo do seu texto, esse, cotejado acima.

    A visão bucólica dos homens de gabinete com relação aos homens do campo, nos conduz a pensar sobre a efetiva preservação, por exemplo, das matas ciliares. Essa, ao meu ver desempenha missão precípua na garantia de vida dos cursos de água, e por extensão, da biota local.

    O homem do campo, a maioria, por sua vez entende ser imprescindível utilizar também daquele espaço. A utilização envolve agricultura, pecuária, extração de argila e outras.

    A cultura herdade ou uso do cachimbo impedem a conscientização, ou seja, o conhecimento alcança o homem do campo, mas esse não consegue se conscientizar, ao ponto de preservar.

    Ato contínuo temos: extinção do trecho das matas ciliares, carreamento de solo e assoreamento dos cursos de água, redução do volume de água, redução da fauna ictiológica e a expansão da irrigação, essa mantida por mananciais de superfície ou subterrâneos.

    Por último, no meu sentir, independentemente de o homem ser do campo ou de gabinete, ambos dependem da preservação dos recursos naturais.

    Forte Abraço.

    Jorge Gerônimo Hipólito.

    Sargento PM (aposentado) PMESP

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Meu Caro Professor: Por conhecer sua capacidade, não me surpeendi com a qualidade do artigo. Espero ver outros, para enriquecer o debate.
    Quanto ao Estado de Minas Gerais, há muito ele acredita que as soluções para as questões ambientais se resumem na aplicação de leis e na punição. É triste ver uma instituição com o Instituto Estadual de Florestas (MG), cheio de engenheiros florestais, não aproveitar os conhecimentos técnicos de seus profissionais para fazer uma política ambiental mais racional e respeitando as especificidades dos diversos ecossistemas. E o TJMG parece que também foi contaminado pela presunção do conhecimento.

  • José Carlos da Silva

    Já Aristóteles, na antiga Gre´cia, falava na justiça distributiva, ou seja, “tratar os desiguais de forma desigual”.
    Ninguém deve e pode estar acima da lei, nem mesmo os legisladores e os operadores do Direito. Todos são iguais perante a lei, diz a Constituição.
    Por que somente o homem do campo tem a obrigação de zelar e pagar um preço caro pela manutenção dos mananciais, das nascentes, da produção de alimentos, do ar puro, com sacrifício de suas áreas para reserva legal. Além disso, estão sujeitos às incertezas do tempo, às manobras do mercado, às omissões das políticas públicas, aos incentivos etc.
    Os urbanoides todos exigimos água limpa, alimentos saudáveis, ar puro. Em troca, devolvemos à natureza o esgoto, a poluição e lixo. Pagamos alguma coisa por isto?

    Queremos que a Justiça trate o produtor rural com a dignidade e a importãncia que merece. Ele não precisa de privilégios e exceções. Quer apenas Justiça. O mínimo…

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