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Artigo

Um crime sem precedentes, artigo de Nara França

 

opinião

 

[EcoDebate] Crianças e adolescentes do nosso Brasil varonil estão para sofrer um crime sem precedentes. Senhores e senhoras do Congresso Nacional estão querendo rasgar a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para, justificam eles, atender à sociedade conservadora e imediatista, que não quer a solução dos problemas, mas, sim, o fim deles, através do atalho mais curto, sem se importar com as consequências.

Não é à toa que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) tem o número 171, no Congresso Nacional – se aprovada, a 171 jamais será esquecida mesmo. Nada por acaso – o número 171 remete a outras representações, que, talvez, não sejam outras, mas somente sinônimos.

Por diversas vezes, já postei, neste blog, a minha preocupação com os nossos adolescentes e as nossas crianças. Adulta que sou, começo a me preocupar mais com o que os adultos estão fazendo – esses que dizem representar “a vontade da maioria”. Mas isso realmente não importa – é pouco. A realidade é que tem muita gente levando a cabo o conservadorismo que fazemos questão de destacar que não existe mais, que faz parte de um passado ainda sombrio – isso tudo, só em discurso político, que mais parece setor de frigorífico, onde enchem linguiça.

Não quero tratar, aqui, sobre a questão legal da dita PEC 171 – se atropela a nossa Constituição Federal (ainda temos uma, soberana, para quem já esqueceu), ou se vai mais longe, e faz parte de um processo legal, para chegar à aplicação da pena de morte, no Brasil. O que tenho acompanhado, principalmente, nos canais de televisão e jornais de circulação nacional, é que, de fato, está sendo feita uma campanha massiva, para que a redução da idade penal seja colocada em prática, o quanto antes.

A maioria dos canais de televisão não é sutil, quando vende felicidade, como bônus da redução da idade penal. Em qualquer programa do que costumo chamar picadeiro televisivo, sempre fazem alguma associação com a palavra ‘menor’. Inclusive, dá pra perceber que os ‘famosos’ programas, que jorram sangue pelas salas dos brasileiros, apresentam, diária e prioritariamente, crimes cometidos por menores. A partir da exibição dessas notícias, os comentários dos apresentadores remetem às piores épocas da humanidade – nazismo, ditadura militar, etc e tal. Alguns apresentadores se empolgam tanto, que chegam defender, ao vivo, a aplicação da pena de morte no Brasil. Quando assisto isso, mesmo por distração, me assusto, e penso: Isso também é ser humano. Olho pela janela, enxergo uma criança brincando na calçada, um gato se espreguiçando no gramado, me acalmo – nem tudo está perdido (ainda).

Quando ouço um desses conservadores justificar que “precisamos dar uma resposta à sociedade”, fico pensando: de que sociedade ele está falando?… Onde está a ‘faixa de gaza’ brasileira?… Se realmente existe, preciso me posicionar, urgentemente. Na condição de participante dessa sociedade (sou ser vivente, brasileira, devidamente registrada em cartório), nunca foi essa a resposta que esperei, até mesmo dos ‘poderosos’ conservadores. Acredito em amadurecimento, mas pode ser que haja alguma alteração genética, e o apodrecimento chega antes. Alguém precisa pagar por isso, também?… Não sei. De repente, se, numa só sociedade, existem ‘nós’ e ‘eles’, eu preciso ter atitude, e assumir se sou ‘nós’, ou ‘eles’. Nunca pensei chegar a tal questionamento. Mais uma vez, eu faço minha escolha simples: Não sou – nem ‘nós’, nem ‘eles’, nem…

Resumindo a história, na minha visão estrábica, daqui pra frente, tudo pode ficar diferente. Os mesmos conservadores que defendem a redução da idade penal continuarão contra a legalização do aborto. Só pra fazer pensar: o menor é obrigado a nascer, pra ser encarcerado, aos 16 anos (vida curta essa, hein?). Essa é uma possibilidade, caso a criança sobreviva até os 16, já que, volta e meia, tem bala perdida (de alguma arma policial) matando menores, pelo País, não só no Rio de Janeiro. Desse jeito, qualquer gravidez é de sério risco…

E ainda tem mais possibilidade: os ‘poderosos’ representantes dos eleitores podem ganhar essa de reduzir a idade penal mesmo. De outro lado, os ‘poderosos’ do crime podem, também, reduzir a idade dos menores contratados, os únicos, aliás, nada ‘poderosos’. Nesse “samba do crioulo doido”, pode não demorar muito pra reduzirem a idade penal aos recém-nascidos – pobres e negros, claro, por que os outros, com ‘pedigree’, nascem com oportunidades, e, quase sempre, têm apoio dos ‘poderosos’, com quem aprendem a fazer o mesmo, no futuro cada vez mais próximo. ‘Apartheid’ velado, sem que uma só criatura tenha de assumi-lo, já que diz representar ‘a sociedade’, que não é identificada.

Falamos tanto em ditadura, e torturas e injustiças, mas, pelo visto, ainda tem muita gente que não saiu dos tempos da escravidão, que foram muitos. Naquela época, sim, uma ‘lei do ventre livre’ libertava um nascituro, que acabava por conhecer somente torturas e injustiças sofridas pelo povo pobre e negro (já citei pobre e negro, neste texto, né?). E ainda tem tanta gente se preocupando com “curtidas e compartilhamentos”, em rede social, enquanto um bando de conservadores quer ser aplaudido, pra ‘ficar bem na foto’ – ou selfie, para os que não estão nem aí com o que escrevi… Os ‘poderosos’ parecem não estar muito interessados – nem com a minha, nem com a sua opinião. Sem plebiscito. Depois disso, não vamos dizer que jamais imaginamos chegar a tal ponto (oh!), quando a pena de morte for à votação, no Congresso Nacional.

Quando encontro a ignorância defendendo a pena de morte, sempre digo: Deixemos isso para o primeiro mundo – lá nos Estados Unidos (mero exemplo), esse termo chega ao termo. Não merecemos isso – nem nós, nem os que virão, se virão. E viva o terceiro mundo. Fim de linha.

Se houver mesmo redução da idade penal para 16 anos (ou 15, 14, 13, 12, 11, 10, ou para recém nascidos sem ‘pedigree’ – que diferença faz?), acreditemos nos políticos que estufam o peito, para dizer: “o futuro é agora”. Será mesmo – por que outro futuro não haverá, senão construído por herdeiros do sistema cada vez mais ‘poderoso’, e alguns poucos mutilados, ignorados pela mesma sociedade moralista, conservadora, preconceituosa, irresponsável, discriminadora, imediatista, extremamente cruel e injusta, sem qualquer noção de humanidade.

(Enquanto houver crianças e adolescentes, em condição vulnerável, à mercê de desmandos políticos, e/ou da hipócrita sociedade, escreverei a respeito o que não deixo de pensar – sempre tem mais a ser pensado, e repensado.)

“A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” Santo Agostinho

Nara França é jornalista gaúcha, tendo sempre trabalhado em redação de jornal, e hoje atuando em entidades sindicais e movimentos sociais, no sul do Brasil. Também, mantém o blogue http://ironia-cronica.blogspot.com.br/

Publicado no Portal EcoDebate, 18/05/2015

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2 thoughts on “Um crime sem precedentes, artigo de Nara França

  • “A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” Santo Agostinho.
    Dessa linda e inteligente frase parto para meu comentário. A autora, com rara inteligência, vê-se, esquece que medidas públicas devem ser tomadas concomitantemente. Concordo que os políticos deixam a desejar, E muito, por falta de ações administrativas adequadas, inclusive quanto à humanização dos presídios, qualquer que sejam a idade e o gênero dos presos. A pena pela prática de atos criminosos existe com o objetivo de o cidadão pagar à sociedade pelos erros graves e gravosos que cometer, de forma que, pagando, retorne à sociedade redimido da sua culpa e recuperado. Entretanto inexiste condições para tanto no sistema prisional brasileiro, o que, entretanto, não justifica a inércia quanto a outras medidas importantes, notadamente a REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. Ora, reduzir a maioridade penal significa dizer a todos que a prática de crimes responsabiliza legalmente a quem os comete sabendo que cometem ERROS GRAVES!!! E não venha a autoria dizer que aos 16 anos o praticante de erros graves não saiba o que está fazendo, tornando-se inimputável. Querer que os políticos brasileiros e as administrações públicas incompetentes mudem à perfeição para que a sociedade tenha a garantia de não ser assaltada e morta por pessoas de 16 anos ou mais, é o cúmulo do absurdo! Os menores de 18 anos são vítimas da sociedade cruel? Outros também o são, principalmente os cidadãos inocentes e tabalhadores, os que já foram assaltados, agredidos e/ou mortos (e seus familiares e amigos) injustamente! Nem por isso a condescedência com a responsabilização de quem pratica atos criminosos! Isso não significa que a luta terminará aí. NUNCA!!! Por exemplo: que os inteligentes articulistas, como a Autora, continuem pregando contra a inércia do poder público em tantas áreas falhas, que continuemos combatendo os maus políticos, que preguemos o bem contra o mal, etc., etc. etc. Mas condescender, inclusive, que o menores sejam explorados por bandidos maiores que os iniciam e os fazem seguir no crime, é absurdo! E essa de misturar alhos com bugalhos, confundindo conservadorismo, racismo, discriminação, e toda essa “mistureba” que consta no artigo com pobreza, negros, escravidão, ditadura (esse então!!!) e tantos outros “argumentos” e “predicativos” falaciosos em moda, trazidos à “cultura brasileira” por “esquerdistas” decrépitos, ISSO NÃO DÁ MAIS! O Brasil precisa de mais EDUCAÇÃO, mais SAÚDE, mais SEGURANÇA, e MENOS politicagem, MENOS ideologismo, MENOS demagogia e, Deus nos ouça, MENOS PETISMOS!!!

  • A mim parece-me que a autora não conhece a extrema violência homicida, muita dela executada por menores, que se vive atualmente neste Brasil.
    Que a Educação Escolar, seja uma uma educação de qualidade para todos sem excepção, para que tenhamos a oportunidade de chegarmos a ser um País Desenvolvido com uma taxa homicida de 1, que é o nível de um país europeu e não uma taxa média de 30 por 10.000, que para infelicidade nossa vivemo-la atualmente neste Brasil.

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