Especialistas criticam admissibilidade de redução de maioridade penal; Entidades lamentam aprovação
Entrada para um dos pavimentos da Fundação Casa. Foto:Marcos Santos/USP imagens
A admissibilidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, decidida na terça-feira (31) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, encontra resistência entre juristas. Para eles, a maioridade penal é uma cláusula pétrea. Na opinião do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, Thiago Bottino, apesar de não constar no Artigo 5º da Constituição Federal, a definição de maioridade é imutável.
“A questão a menoridade está no Artigo 228, mas eu entendo que isso não pode ser alterado. A gente tem na Constituição cláusulas pétreas, que são determinados direitos e garantias que não podem ser modificados. As cláusulas pétreas não estão apenas no Artigo 5º, existem outras com a mesma configuração. Entretanto, eu sei que isso é discutível, porque não é uma coisa expressa, é uma forma de ler a Constituição”, explicou.
A doutora em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e professora de direito penal, Soraia da Rosa Mendes, segue o mesmo raciocínio. Além de frisar que existem cláusulas pétreas em outros artigos, ela lembra que o Brasil firmou compromissos com a comunidade internacional para proteger crianças e adolescentes.
“O Brasil é signatário de tratados internacionais de proteção a crianças e adolescentes. O país não pode retroceder nesses tratados internacionais. Esse direito fundamental é a maioridade aos 18, levando em consideração todo o complexo de normas que constam no nosso ordenamento jurídico”, analisou.
Os dois especialistas também discordam da ideia de que reduzir a maioridade penal para 16 anos vá trazer benefícios à sociedade. Para Soraia, aumentar o número de leis que repreendam cada vez mais os infratores não tem dado resultado. “Não é porque o legislador definiu um novo comportamento como crime, que a pessoa vai pensar ‘não vou mais cometê-lo’”. Na opinião dela, há um grande número de leis penais no Brasil e isso não tem garantido a redução da prática criminosa.
Bottino acredita que a Câmara tem adotado uma postura “populista” para responder às queixas da sociedade, sem observar se a medida terá efeitos práticos. “A população, de um modo geral, se mostra mais favorável a essa redução sempre que é noticiado um crime envolvendo adolescentes. Acho que essa medida é populista, no pior sentido da palavra, e não tem nenhuma relação direta com a finalidade que se busca”, diz Soraia. “Sou solidária à dor de qualquer família que perdeu entes queridos, mas não é possível fazer leis no clamor popular. Isso é populismo penal. A gente precisa trabalhar de forma racional”.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro também criticou a decisão da CCJ. Em nota, a entidade diz que o caso “afronta as garantias constitucionais e o regramento jurídico previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]”. A Defensoria Pública também diz que as crianças e adolescentes são mais vítimas do que infratores. Ela apresenta dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. Esses dados mostram que, no estado, em 2012, 26.689 crianças e adolescentes foram vítimas de violência, enquanto 3.466 foram autores de infrações.
Os dois juristas acreditam que levar infratores mais cedo ao sistema penitenciário brasileiro não resolve o problema. “Vamos jogar todos dentro desse sistema carcerário falido, que se reveste de características medievais?”, questionou Soraia. “Se você pegasse o dinheiro e colocasse essas pessoas em tempo integral na escola, sairia muito mais barato e teria resultados muito melhores. Não faz sentido gastar muito para chegar em um resultado pior”, opinou o professor da FGV.
A Defensoria Pública disse que vai atuar pela derrubada da proposta, que ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado para ser aprovada. “Vamos intensificar a promoção de uma ampla campanha de esclarecimento da sociedade, como um todo, e do Congresso, em particular, sobre os graves riscos que esse retrocesso legal representa para o País”.
Entidades lamentam a aprovação da admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Os grupos dizem que continuarão atuando cpm os parlamentares e a sociedade para tentar impedir a tramitação da PEC, que consideram um retrocesso histórico.
“Lamentamos profundamenta esse retrocesso histórico que a CCJ promoveu e esperamos que seja revertido no âmbito do Parlamento. Há um longo caminho na Câmara e, se for o caso, no Senado”, diz o secretário executivo da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, Vitor Alencar.
Segundo Alencar, não houve um debate racional dos impactos da PEC, nem zelo pela constitucionalidade da matéria. Para ele, a questão tornou-se uma disputa partidária entre governo e oposição e, além disso, prevaleceu o viés da vingança e a lógica punitiva.
“A causa da violência e da criminalidade não tem a idade como fator determinante. Todas as estatísticas de crimes mostram que o percentual de crimes graves cometidos por adolescentes, de 16 a 18 anos, é muito pequeno em relação ao número total”, afirma a presidenta do Conselho Federal de Psicologia, Mariza Borges.
Nota técnica da Fundação Abrinq, que defende os direitos de crianças e adolescentes, que compila dados sobre a questão, mostra que a população de adolescentes restritos e privados de liberdade representa 3,8% do total de presos no país. Em 2011, 38,1% dos atos infracionais cometidos por adolescentes privados de liberdade referiam-se a roubos, seguido pelo tráfico de drogas (26,6%). Os atos infracionais que atentam contra a vida representam 11,4%, somando-se a esse total os casos de tentativa de homicídio.
Segundo Mariza, “todas as evidências científicas existentes demonstram que essa medida [redução da maioridade penal] não resolve a questão da criminalidade. Estudos e trabalhos apontam para outros caminhos”.
Alencar considera a PEC inconstitucional, por ferir um direito fundamental. O Artigo 228 da Constituição prevê que menores de 18 anos sejam sujeitos a legislação especial, o que foi definido pelo próprio Parlamento no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê medidas socioeducativas. “É preciso olhar a Constituição a partir de uma perspectiva ampla, em todo o seu texto. O constitucionalista optou pelo parâmetro de 18 anos também para outras questões, como o voto obrigatório, o serviço militar obrigatório, determinados tipos de trabalho e a inimputabilidade.”
A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente ainda vai discutir como serão seus próximos passos: poderá buscar apoio entre os parlamentares para que entrem com mandado de segurança para impedir a tramitação da proposta. O Conselho Federal de Psicologia informa que continuará trabalhando para consientizar a população e os parlamentares.
Da Agência Brasil.
Publicado no Portal EcoDebate, 02/04/2015
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A partir do momento em que se permite a um jovem votar aos 16 anos, e portanto se considera que ele tem a maturidade suficiente para ajudar a decidir o futuro do país, não há motivo para considerar que ele não tem maturidade suficiente para entender quando está cometendo um crime.
Eu ainda me lembro dos meus 16 anos. Eu não era uma retardada incapaz de entender o que era assassinato ou roubo ou mesmo furto. Eu já não conhecia ninguém da minha idade que não soubesse também.
Sei que há idades em que ainda não se entende isso. Lembro do meu sobrinho, com cinco anos, falando para a vó no caixão que a brincadeira de enterro tinha perdido a graça, agora ela tinha que levantar. A ausência de consequencias da morte em desenhos e quadrinhos também não ajuda. O quanto a morte é definitiva é um conceito difícil. O quanto as outras pessoas são afetadas pelos seus atos, o fato de que as outras pessoas têm sentimentos também é uma coisa difícil de se compreender.
Mas não conheço nem conheci ninguém com 16 anos que não fosse capaz de entender essas coisas, e que magicamente se tornasse aos 18.
Nossa sociedade tem a mania de infantilizar os jovens. Mas aos 16, essa “criança” da qual vocês estão falando está começando a faculdade ou terminando o colegial. Ou talvez tenha deixado a escola e esteja trabalhando. Alguns já vão estar casados, talvez até tenham filhos. Se estiverem brincando de carrinho ou de boneca, é mais provável que estejam fazendo isso como colecionadores do que falando de faz de conta. E mais provável ainda que já tenham passado da fase de carrinhos e de bonecas há muito tempo. A puberdade? Já passou também, aconteceu em algum momento nos quatro anos anteriores. Provavelmente já estão experimentando o sexo e outros brinquedos da vida adulta.
Francamente, não é que eu ache que a redução da maioridade penal vai servir para alguma coisa na área de segurança. O número de crimes cometido por jovens é uma insignificância perto do número total. Mas eu também não acho que seja uma grande mudança, ou que vá ser algum tipo de horror. A idade em que se deixa de ser criança e se torna um adulto varia. Cada pessoa cresce à sua própria maneira, e alguns nunca viram adultos de verdade. MAS é necessário para a sociedade uma delineação entre o momento em que se é adulto e a sociedade espera responsabilidade de você e o momento em que se tem uma criança, que precisa apenas ser protegida.
Se essa delineação deixar de ser aos 18 anos e passar a ser aos 16, vai realmente mudar alguma coisa?
Há juristas de renome com opinião inteiramente contrária à dos entrevistados. Objetivamente o ECA, através da impunidade. ajudou a introduzir milhares de menores na carreira do crime. O estatuto teve seu momento e suas virtudes, mas está ultrapassado. Muitos menores inocentes, entre demais cidadãos, são vítimas cotidianas de adolescentes homicidas e latrocidas. O grande contingente de jovens criminosos violentos, na faixa de 18 a 23 anos, confirma que são recém-formados na escola do crime e já com extenso currículo. Qualquer modificação legal será naturalmente regulamentada, prevenindo-se inconvenientes, exageros e radicalismos.
Hoje é um “pecado” inserir o adolescente no mercado de trabalho por conta de “recomendações internacionais”. O trabalho sempre foi um princípio da edificação do caráter, hoje é proibido para menores. Trabalho desde os 11 anos e tudo o que consegui foi com suor e esforço. Hoje, para sustentar a vaidade, assaltam e roubam ou traficam. Também sou a favor de um plano de recuperação da “dignidade humana” em que seja ensinado o respeito a limites entre o direito e o dever, ainda que um criminoso de 10 anos tenha que pagar outros 10 anos na cadeia.