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Bispos latino-americanos levam a Pan-Amazônia à CIDH, na atualização do Pacto das Catacumbas

 

direitos humanos

Por Cristiano Morsolin*, para o EcoDebate

Direitos Humanos e indústrias extrativas na América Latina” foi o tema do encontro que ocorreu, em 19 de marco de 2015, em Washington.

Bispos e leigos que representam a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), são recebidos em audiência pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos (CIDH). A delegação expõe casos sobre a ação do extrativismo e o impacto das obras atingem diretamente os direitos humanos das populações indígenas e campesinas, ocorridos no Brasil, Equador, Honduras, México e Peru.

O prelado peruano Pedro Barreto, presidente do departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), destaca a recente criação da Rede Eclesiástica Pan-Amazônica (REPAM). “É um espaço de diálogo e de apoio mútuo, porque nos seis milhões de quilômetros quadrados da Amazônia os problemas são parecidos. As populações indígenas e ribeirinhas se veem afetadas em seus direitos fundamentais. São 35 milhões de irmãos e irmãs”, disse.

O papa Francisco já declarou que a terra é um dom de Deus que precisa ser administrado com responsabilidade”, afirma Barreto, referindo-se à responsabilidade dos Estados.

Desde o assassinato da irmã Dorothy Stang no Brasil, em 2005, não houve mais mortes de religiosos pelas mãos de garimpeiros. Entretanto, do total de ambientalistas assassinados no mundo, a maioria foi no Brasil”, observa Roque Paloschi, bispo de Boa Vista (Roraima), diocese onde ocorre um dos piores conflitos em terras indígenas no Brasil, na reserva Raposa Serra do Sol. Já segundo a ONG Global Witness, de 147 mortes de ambientalistas ocorridas em 2012, 36 aconteceram no Brasil.

Paloschi também menciona o caso de Erwin Kräutler. “O bispo do Xingu tem proteção policial há anos por causa do conflito pela hidrelétrica de Belo Monte. Essas represas estão sendo construídas sem as devidas consultas, que costumam ser vexatórias para a população. A legislação não é respeitada”.

No agosto de 2013 eu escrevia a reportagem “Deputadas europeias criticam construção da hidrelétrica de Belo Monte” (1).

Há na Amazônia uma avalanche de projetos armados pelo grande capital”

Há na Amazônia uma avalanche de projetos armados pelo grande capital, mas também existe a extração ilegal: a mineração é muito forte, mas em Roraima o agronegócio avança, junto com a monocultura de cana, soja, palma e eucalipto”, observa Paloschi, que é também integrante da Comissão da Amazônia da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB).

Dom Roque Paloschi, Bispo de Roraima que, entrevistado pela Radio Vaticana, explica os objetivos desta audiência:

O desejo nosso é fazer saber aquilo que a Igreja pensa e o trabalho que tem desenvolvido diante desta grande problemática que é a Indústria extrativa e também o desrespeito às populações originárias ou não da grande região da Pan-Amazônia. Temos também o objetivo de fazer conhecer a Doutrina Social da Igreja, porque é a primeira vez que nós, como Igreja Católica, vamos ser recebidos pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos. Temos casos emblemáticos a ser apresentados, assim como algumas propostas, pois nós desejamos criar uma proximidade com esta Comissão, no sentido de uma ajuda mútua, de nossa parte e da parte deles, para que verdadeiramente a vida seja este grande hino de louvor da criatura ao Criador. Diante de um mundo que busca o lucro pelo lucro, nós queremos, nas pegadas de Jesus que veio para que o mundo tenha vida e vida em abundância, também ajudar a promover e defender a vida de todos e da Criação, de um modo muito especial”.

Há dois anos temos um Pontífice latino-americano, altamente ligado com as questões ambientais. Assumiu o nome de Francisco, e justamente no dia desta audiência (19/03) começa seu terceiro ano de Pontificado. Isto pode ser considerado profético? – pregunta Radio Vaticana.

Dom Paloschi respondeu: “É profético; nós queremos louvar e bendizer a Deus porque o Papa Francisco também leva em seu coração a experiência de um bispo latino-americano: de alguém que viveu com os pés no chão na simplicidade de pastor na frente, no meio e atrás do rebanho, defendendo e promovendo a vida na grande metrópole de Buenos Aires, mas também com este coração grande, alargado para as esperanças e os anseios de vida de todos os povos, seja das Américas, seja de todos os povos do mundo. Nós louvamos e bendizemos a Deus porque ele, com seu testemunho de servidor tem nos convidado a dar passos, a não viver uma Igreja trancada em si mesma, que vive para si; mas uma Igreja em saída, que vai ao encontro, que vai em busca daqueles que são caídos, ansiando por vida, por esperança, por solidariedade, por paz. Nós louvamos e bendizemos a Deus porque o Papa com suas palavras, mas também com o seu testemunho de vida tem nos desafiado a dar passos em vista de uma Igreja pobre, para estar a serviço dos pobres e dos desvalidos do mundo de hoje”.

Na Guatemala as operações de mineradoras canadenses não são fiscalizadas nem foram objeto de consulta prévia dos povos indígenas, conforme estipula o Convênio 169

O prelado peruano Pedro Barreto, presidente do departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), esclarece que os bispos não se opõem à atividade extrativista. “A Igreja tem uma posição muito clara, essa atividade não pode ocorrer em algumas zonas, como as reservas, e tampouco se houver violação direta dos direitos humanos.”

O bispo de Huehuetenango (Guatemala), Álvaro Ramazzini, espera que depois da audiência na CIDH “essa problemática se torne mais visível – que sejam ouvidas as vozes das populações indígenas, empobrecidas como consequência dessa atividade extrativista que vai contra o meio ambiente. Queremos tornar visível uma problemática que não é bem conhecida e menos ainda compreendida”.

Ramazzini acrescentou que no seu país as operações de mineradoras canadenses, apesar da obrigação de respeitarem padrões impostos pelo Banco Mundial, não são fiscalizadas nem foram objeto de consulta prévia dos povos indígenas, conforme estipula o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho. “A violência se vê mais na mineração de ouro e de prata, embora também a mineração não metálica – de cascalho, pedrisco e areia – esteja causando danos em bacias e leitos fluviais, e por isso enfrentamos a inundações”, relata Ramazzini, presidente da Comissão de Justiça e Solidariedade da Conferência Episcopal da Guatemala (3).

Pan-amazônia recebe solidariedade dos Bispos canadenses

O Episcopado do Canadá se sente próximo de seus irmãos do sul na preocupação com as implicações éticas e morais dos projetos de extrativismo na América Latina. O Arcebispo de Gatineau e Presidente da Conferência Episcopal (CCCB) enviou uma carta ao Presidente do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), Dom Carlos Aguíar Retes, Arcebispo de Tlalnepantla, México, manifestando a solidariedade de todos os Bispos canadenses com o CELAM na ocasião de sua audiência junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, realizada quinta-feira, 19, em Washington.

O Bispo de Saskatoon, que preside a Comissão Justiça e Paz, Donald Bolen, está presente em Washington, como expressão da solidariedade da Conferência canadense com os Bispos da América Latina. 

Solidariedade e denúncia

A extração de recursos naturais da terra é uma prática antiga, que pode ser um componente importante no desenvolvimento humano integral. A mineração e a extração de recursos podem proporcionar desenvolvimento econômico, produzir uma matéria-prima básica e oferecer padrões de vida mais elevados. No entanto, a situação na América Latina, em geral, ainda não produziu esses benefícios. Preocupam-nos os inconsistentes sistemas reguladores e o contínuo desrespeito de algumas empresas internacionais pelo meio ambiente e os direitos humanos nas operações de mineração, especialmente na Bacia Amazônica”, notam os Bispos canadenses. 

É uma preocupação especial para nós, já que a maioria das mineradoras que atuam na América Latina são controladas por empresas registradas no Canadá. Também é lamentável observar que em muitos casos, os mais afetados negativamente pelas indústrias extrativas são povos indígenas”.

A carta lembra que “o Observador Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas destacou recentemente a importância de leis justas para regular a relação entre os povos indígenas e indústrias extrativistas que operam em suas terras ancestrais”; e que a Conferência Episcopal canadense defende a criação de uma lei que permita que estas empresas sejam processadas judicialmente por crimes cometidos no exterior. 

Enfim, os Bispos canadenses escrevem: “É nossa esperança que todas as partes interessadas – legisladores, grupos comunitários, cidadãos e as próprias empresas – possam trabalhar em conjunto para que o desenvolvimento da mineração na América Latina seja realmente uma fonte de desenvolvimento integral e uma bênção para todos os povos das Américas e do mundo” (4).

Dom Silvano Tomasi: direitos indígenas ainda são violados

Que as iniciativas em favor dos povos indígenas sejam sempre “inspiradas e guiadas pelo princípio do respeito” das suas identidades e culturas, com particular atenção às específicas tradições, também religiosas, e à capacidade de decidir pelo próprio desenvolvimento em colaboração com os governos nacionais. Esta foi a exortação do Arcebispo Silvano Maria Tomasi, Observador Permanente da Santa Sé junto ao Escritório da ONU de Genebra, ao se pronunciar na 27ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos no 18 de setembro de 2014.

Os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos indígenas continuarão, infelizmente, a serem violados”. O Arcebispo Tomasi pronunciou-se em Genebra traçando o quadro das condições de 370 milhões de indígenas em 90 países, baseando-se em dados e estudos da ONU. O Observador Permanente da Santa Sé fala de “discriminação sistemática” e “exclusão do poder político e econômico”, mas também de uma “falta de um adequado acesso à justiça”, mas também de pobreza, analfabetismo e indigência. Dom Tomasi denuncia o grande número de deslocados por causa das guerras e desastres ambientais e “doenças, perseguições, represálias”, até mesmo assassinatos de “defensores dos direitos humanos dos indígenas”. Como consequência – prossegue – “o desenvolvimento completo está atrasado, quando não negado”.

Um exemplo particular são as relações entre as indústrias e companhias transnacionais e as populações indígenas. As Nações Unidas – recorda Dom Tomasi – colocam em evidência “conseqüências negativas, e mesmo devastantes para os povos indígenas, provocadas por indústrias extrativistas”: além das vantagens econômicas, deveriam ser adotados “modelos de desenvolvimento autêntico” que não violem os direitos dos povos indígenas, encorajando “um uso responsável do ambiente”.

Dom Tomasi defende ainda a necessidade de “definir e proteger” as mercadorias produzidas pelas populações indígenas, para que não sejam utilizadas “sem levar em conta os interesses e os direitos das próprias comunidades”, salientando que as leis sobre propriedade intelectual e do trabalho, infelizmente ainda não forneceram garantias suficientes “para tutelar tais produtos”.

Dom Tomasi auspicia a inclusão direta destas populações “nos processos de decisão relativos à gestão dos recursos naturais nos seus territórios”, exortando “a eliminação de qualquer tentativa de marginalizar as populações indígenas”. Isto significa “respeitar” as suas propriedades e os relativos acordos, satisfazer as suas exigências sociais, sanitárias e culturais e solicitar, portanto, uma “reconciliação entre os povos indígenas e as sociedades em que vivem”.

Dom Tomasi declarou que: “Nos territórios onde vivem estas comunidades indígenas, temos, por exemplo, corporações transnacionais que entram para utilizar a mineração, para extrair materiais úteis e preciosos ou mesmo para desfrutar de certas características locais, de plantas e de conhecimento, que depois são colocadas no mercado sem que sejam respeitadas as exigências ecológicas do território ou ainda os direitos destas comunidades, que sempre usaram certas tradições de folclore ou de certos usos dos recursos naturais. Assim, deveriam ser reconhecidos também pelos interesses monetários, pois são produtos e iniciativas culturais típicas destas populações”.

As populações indígenas devem ser apoiadas no seu caminho de desenvolvimento humano e econômico, pois frequentemente estão um pouco à margem da sociedade e são esquecidas pelos Estados ou pelos governos. O encorajamento que se está dando – por meio de várias iniciativas, como a Declaração sobre os Direitos das Populações Indígenas de 2010 ou a Conferência Mundial que está para começar – é o de colocar sob os refletores internacionais as exigências destas populações: não somente facilitar o seu progresso, mas também abrir o caminho para uma reconciliação entre a maioria da população, as autoridades do Estado e estes grupos, de modo que, juntos, possam chegar aos objetivos de convivência serena e construtiva. A Santa Sé pronunciou-se, neste sentido, para que haja um caminho de progresso e de desenvolvimento que esteja em sintonia e não em conflito entre os povos indígenas e o resto da população nacional” conclui Padre Tomasi na entrevista a Radio Vaticana (5).

Assembleia da CPT do Brasil elege nova coordenação executiva e direção nacional

Paralelamente a audiência na CIDH, entre os dias 17 e 19 de março de 2015, cerca de 75 pessoas entre agentes da Comissão Pastoral da Terra CPT, trabalhadores e trabalhadoras, escolheram a nova diretoria nacional e coordenação executiva nacional da CPT, para os próximos três anos no Brasil.

Dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas, no Maranhão foi reeleito como presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dom André de Witte, bispo de Ruy Barbosa, na Bahia, foi eleito como vice-presidente. Os dois bispos irão compor a direção nacional da CPT. Jeane Bellini, agente histórica da CPT nos regionais Araguaia/Tocantins e Mato Grosso, atualmente contribuindo no Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Secretaria Nacional da CPT; Ruben Siqueira, agente da CPT Bahia e um dos coordenadores, nos últimos dez anos, do Projeto São Francisco Vivo; Paulo César Moreira, agente da CPT no Mato Grosso e Thiago Valentim, agente da CPT no Ceará, ambos jovens e atuantes na luta da CPT, foram os eleitos e eleita para a coordenação executiva nacional da CPT. Para a suplência foram eleitas duas agentes da CPT, Isabel Cristina Diniz, da CPT Paraná e Darlene Braga, da CPT Acre.

A Assembleia aprovou, também, sua Carta Final (segue abaixo) e duas moções (em anexo), uma de apoio ao povo Palestino, que será levada por Dom Enemésio em um Encontro em Jerusalém, organizado pela Pax Christi Internacional, e uma endereçada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em vista do julgamento pela Corte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. O decreto foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar a identificação e titulação dos territórios tradicionalmente ocupados por remanescentes de quilombos. A ADI foi protocolado pelo DEM e questiona a constitucionalidade desse Decreto. A CPT espera que o STF decida em favor dos povos quilombolas e de seus direitos sobre os territórios que ocupam.

CARTA FINAL DA XXVII ASSEMBLEIA NACIONAL DA CPT

Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.

Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem-terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco). Faz escuro, companheirada!

A bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam reduzir direitos já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!

Faz escuro, companheirada!

Os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo.

Faz escuro, companheirada!

As conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.

Faz escuro, companheirada!

Em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza… querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.

Faz escuro companheirada!

Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver. …faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!

Estendemos a mão mesmo no escuro e vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes. Haja luz! (Gênesis 1, 3)

Cantamos a luta e a esperança no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia, iluminamos nosso cotidiano… ninguém acende uma luz pra ficar escondida! (Lucas 8, 16).

Somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas! (João 1, 5).

Confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade… O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2).

Sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós! (Pedro Casaldáliga). Convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança”, conluio a XXVII Assembleia Nacional da CPT (6).

Semana Mundial da Água – SEMA, discute a crise da água no Pajeú (Pernambuco)

Cerca de 150 pessoas dos municípios de Afogados da Ingazeira, Iguaracy, Carnaíba, Ingazeira, Tuparetama e São José do Egito debateram a crise da água no Sertão do Pajeú com representantes da COMPESA, com o Prefeito José Coimbra Patriota presidente da Associação Municipalista de Pernambuco – AMUPE, Vereador Augusto Martins presidente da Comissão Parlamentar do Pajeú e a presença do Bispo Diocesano Dom Egídio Bisol. A Audiência é uma iniciativa da Sociedade Civil e aconteceu no Cine Teatro São José em Afogados da Ingazeira em 17 de março de 2015.

Em meio a uma das piores secas dos últimos 60 anos no Semiárido, que pôs em colapso os maiores reservatórios de água do território pela segunda vez em três anos, que submete a população de quatro municípios do território ao abastecimento por caminhões-pipa e que ameaça submeter quatro novos municípios a água de pipas, a população apresentou suas reivindicações e queixas para conclusão imediata das obras da Adutora do Pajeú, para a elaboração de um plano emergencial de abastecimento dos municípios de Ingazeira, Iguaracy, Turaretama, São José do Egito e o distrito de Jabitacá, uma vez que o reservatório de Rosário encontra-se com apenas 3,4% de sua capacidade.

Outras questões relacionadas à crise da água foram denunciadas como a retirada semanal de 79 caminhões de lenha da caatinga, a retirada ilegal de areia do leito de rios e riachos, o despejo de esgoto sem tratamento, a erosão e a destruição da mata ciliar do rio Pajeú.

Para debater esse cenário que ameaça o abastecimento de água das populações rurais e urbanas do Pajeú, foram convidados também o Ministério Público Estadual, a CPRH, a APAC, o DNOCs e a ANA. Algumas ausências foram justificadas, mas, a grande maioria dos órgãos públicos não compareceu ao debate, demonstrando a ausência do estado brasileiro da vida dos sertanejos e seu distanciamento das reivindicações da sociedade.

Para atender de forma emergencial os municípios de São José do Egito, Iguaracy, Ingazeira, Tuparetama e o distrito de Jabitacá, na possibilidade do colapso de Rosário, está sendo estudada a possibilidade de disponibilizar 55 litros por segundo de água da Adutora do Pajeú para abastecer esses municípios, segundo Washington Jordão da COMPESA. Essa medida exigirá a construção de uma adutora de Afogados da Ingazeira ao reservatório de Rosário.

Outra possibilidade é acelerar a conclusão da Adutora do Pajeú até o município de São José do Egito e transportar a água deste município até Rosário, segundo Rúbia Freitas Coordenadora da COMPESA em São José do Egito. A COMPESA também se comprometeu em agilizar o serviço de reparo das tubulações para evitar o desperdício de água tratada.

Dom Egídio denuncia desmatamento no Pajeú e entrega documento ao Governador

O Bispo Diocesano de Afogados da Ingazeira Egidio Bisol – expressão de uma Igreja que realiza a opção preferencial pelo pobre – sucessor do bispo Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho, firmatario dos Pactos de Catacumbas – denunciou o desmatamento da caatinga no Sertão do Pajeú durante o Seminário Todos Por Pernambuco e entregou ao Governador Paulo Câmara, documento do Grupo Fé e Política, resultado de diagnóstico realizado por Sindicatos de Trabalhadores Rurais em quatro municípios do território. 
Segundo Dom Egídio, o documento revela que semanalmente 70 caminhões trafegam p
or rodovias estaduais transportando lenha da caatinga sem que haja nenhuma fiscalização e controle das autoridades sobre essa operação e que muitas vezes esses caminhões fazem duas viagens totalizando uma média semanal de 140 caminhões de lenha. O Bispo disse que o grupo Fé e Política é composto por organizações sociais e pediu providências ao Governador. O Governador Paulo Câmara entregou o documento ao Secretário Sérgio Xavier da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade e pediu para o Secretário acabar com esse abuso.

O pacto das catacumbas vivido pelo Papa Francisco

O teólogo brasileiro Leonardo Boff considera que “no dia 16 de novembro de 1965 ao findar o Concílo Vaticano II (1962-1965), alguns bispos, animados por Dom Helder Camara, celebraram uma missa nas Catacumbas de Santa Domitila, fora de Roma e fizeram um Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre. Propunham-se ideais de pobreza e simplicidade, deixando seus palácios e vivendo em simples casas ou apartamentos. Agora com o Papa Francisco este pacto ganha plena atualidade. Vale a pena rememorar os compromissos assumidos pelos bispos”.

Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a excepcionalidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:

1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue.

2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade de riqueza, especialmente no traje (tecidos ricos, cores berrantes, nas insígnias de matéria preciosa). Devem esses signos ser, com efeito, evangélicos: nem ouro nem prata.

3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas.

4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, na perspectiva de sermos menos administradores do que pastores e apóstolos.

5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre.

6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos).

7.Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social.

8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc. ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho.

9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes.

10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus.

11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos:
-a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
-requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.

12) Comprometermo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:
-esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;
-suscitaremos colaboradores para serem mais animadores segundo o espírito, do que chefes segundo o mundo;
-procuraremos ser o mais humanamente presentes e acolhedores;
-mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião.

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
Não são esses os ideais apresentandos pelo Papa Francisco? (7).

Conclusão

Concílio Vaticano II inaugurou um novo capítulo na história da Igreja. Inspirados nestas transformações, um grupo de bispos firmou em 16 de novembro de 1965, nas Catacumbas de Domitila, em Roma, o documento conhecido como o Pacto das Catacumbas. Nele, os prelados se comprometem a viver a sua vocação num espírito de pobreza, segundo os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos.

O documento foi assinado inicialmente por 42 Bispos de todo o mundo, incluindo 5 brasileiros. Posteriormente, o Pacto foi assumido por cerca de 500 dos 2.500 bispos do Concílio.

No total, as 42 assinaturas reuniam bispos de 25 países: 8 da África, 1 da América do Norte, 9 da América Latina e Caribe, 12 da Ásia, 8 da Europa e 1 do Oriente Médio.

O espírito de pobreza e despojamento presente nos enunciados do Pacto, poderia sugerir, num primeiro momento, o respaldo somente de bispos ligados a países do “Terceiro Mundo” ou “em desenvolvimento”. No entanto, entre os signatários, estavam também 8 bispos europeus, o mesmo número da África.

Os 5 bispos brasileiros signatários do documento foram Dom João Batista da Mota e Albuquerque, Arcebispo de Vitória (ES), Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho, Bispo de Afogados da Ingazeira (PE), Dom José Alberto Lopes de Castro Pinto, Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro, Dom Henrique Hector Golland Trindade OFM, Bispo de Bonfim, (BA) e Dom Antônio Batista Fragoso, Bispo de Crateús (CE). Posteriormente, o Pacto foi assumido por cerca de 500 dos 2.500 bispos do Concílio.

Um dos proponentes do Pacto, foi Dom Helder Câmara, fundador da CNBB e sempre comprometido com as causas sociais no Brasil. Durante o Concílio Vaticano II, foi artífice de redes de relações devido a sua facilidade em estabelecer contatos. De fato, Dom Helder circulava com desenvoltura nos bastidores do Concílio, desempenhando um papel silencioso e preponderante, também nas Conferências realizadas na Domus Mariae (8).

Nosso bispo-profeta Dom Hélder Câmara (e outros como Dom Antônio Batista Fragoso e Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho(9) que realizou toda uma iniciação da Igreja do Brasil à opção pelos pobres, depois estendida para toda a Ameríndia Latina e para o mundo, fiel a uma sugestão do Papa João XXIII já havia criado a Conferência Nacional dos Bispos como um colegiado.

Fazendo parte do povo brasileiro, com seu jeitinho brasileiríssimo, Dom Hélder não fez absolutamente nenhuma intervenção na aula magna do Concílio. Em vez de discursos, ocupou-se em fazer conchavos, isto é conversas ao pé do ouvido. Dentro dessa estratégia, conseguiu convencer 40 bispos conciliares, num trabalho de pescador artesanal, isto é um a um, dos mais diversos países, entre os quais cinco do Brasil, a fim de realizarem uma espécie de conciliábulo, para não dizer concílio mais restrito, embaixo da terra, como uma espécie de concílio especial, num autêntico pacto entre as quatro dezenas de participantes, firmado por todos num compromisso formal a que denominaram Pacto das Catacumbas” (10).

A opção do Evangelho de Cristo Libertador que guia os Bispos da Amazônia na audiência na CIDH, os Bispos como Egidio Bisol e o Arcebispo Silvano Maria Tomasi, Observador Permanente da Santa Sé na ONU, os laicos e agentes militantes da Comissão Pastoral da Terra CPT, representa uma atualização moderna do Pacto das Catacumbas, um novo desafio por Papa Francisco.

NOTAS

  1. Morsolin Cristiano. Deputadas europeias criticam construção da hidrelétrica de Belo Monte. http://www.ecodebate.com.br/2013/08/05/deputadas-europeias-criticam-construcao-da-hidreletrica-de-belo-monte/

  2. http://www.news.va/pt/news/bispos-latino-americanos-levam-a-pan-amazonia-a-ci

  3. http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/19/internacional/1426730060_984253.html

  4. http://br.radiovaticana.va/news/2015/03/20/pan-amaz%C3%B4nia_recebe_solidariedade_dos_bispos_canadenses/1130790

  5. www.radiovaticana.va/proxy/portuguese/noticiario/2014_09_18.html

  6.  http://www.cptnacional.org.br/…/2496-assembleia-da-cpt-eleg…

  7. http://www.gentedeopiniao.com.br/lerConteudo.php?news=127509

  8. http://br.radiovaticana.va/news/2015/01/28/bispos_signat%C3%A1rios_do_pacto_das_catacumbas/1120289

  9. Morsolin Cristiano. João XXIII e o profeta do Pajeú na luta pela Terra http://www.ihu.unisinos.br/noticias/530798-joao-xxiii-e-o-profeta-do-pajeu-na-luta-pela-terra-artigo-de-cristiano-morsolin

  10. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518690-a-reconciliacao-da-igreja-com-os-pobres-e-os-martires

AUTOR

Cristiano Morsolin, operador de redes internacionais para a defesa dos direitos humanos e da criança na América Latina. Co-fundador do OBSERVATÓRIO SELVAS de Milan (Italia) e colaborador internacional do Bispo Egidio Bisol.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 26/03/2015


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