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Erigindo Templos à Vida, artigo de Millos Augusto Stringuini

 

opinião

ERIGINDO TEMPLOS À VIDA.

Millos Augusto Stringuini, Dr. Sc.1

Introdução.

Os interessados nas questões ambientais, de desenvolvimento sustentável e suas inúmeras variáveis já estão convincentemente informados dos problemas causados ao planeta e seus ecossistemas pela humanidade.

Diversos tipos de poluições das águas, do ar, dos solos, acidentes com usinas nucleares, guerras e aumento incremental da produção de armas, aquecimento global, problemas demográficos, refugiados climáticos, corrupção, tráfico de drogas com consumo mundial crescente, tráfico de crianças e mulheres, refugiados e genocídios humanos, extinção de animais silvestres, de baleias, golfinhos e tubarões, sobrepesca e ilhas de resíduos de plástico em todos os oceanos, etc., são realidades comprovadas e amplamente informadas.

Por exemplo, em março de 2014, o jornal francês “Le Monde” publicou importante máteria demonstrando na Itália as consequências sobre a saúde pública (geração de câncer em humanos e animais domésticos) devido à ocultação de lixo químico pela Camorra.

Todos esses elementos e muitos outros são provas irrefutáveis do agir irresponsável e antiético da humanidade em relação a sua única morada: o planeta Terra.

Sem sombra de dúvida, os humanos estão destruindo todos os ecossistemas e assim, comprometendo a integralidade da existência de vida na Terra, inclusive a humana.

O secretário-geral da Associação Meteorológica Mundial, Michel JARRAUD, disse na reunião do IPCC em março de 2014:

Se no passado as pessoas estavam destruindo o planeta por ignorância, agora já não existe mais esta “desculpa”.

Na sociedade atual, algumas ações humanas tentaram resolver esse problema. Já tivemos a época dos protestos ecológicos; depois, os governos criaram máquinas governamentais enormes para gerenciar (licenciar a destruição…) o meio ambiente e o aquecimento global. Além disso, no mundo existem em abundância leis, protocolos nacionais, acordos internacionais e normas técnicas. Todavia, a humanidade continua mantendo e estimulando os desiguais e crescentes padrões de consumo, baseados em processos extrativistas sem sustentabilidade ambiental.

Muito pouco evolui a humanidade nos cuidados com a natureza, pois o comportamento humano é o problema precípuo.

Diversas variáveis psicológicas, principalmente inconscientes, determinam que os humanos mantenham atitudes comprovadamente nefandas e nefastas em relação ao planeta Terra, sem perspectivas de mudanças. Atualmente, sem a mínima sombra de dúvida, a humanidade urbanizada pratica uma disponibilidade psíquica vetorada para a extinção progressiva da vida no planeta em troca do hedonismo histérico. A busca incessante por prazer e poder, em ambientes cada vez mais desvinculados da natureza e a ilusão coletiva de que será possível colonizar outros planetas para que a humanidade se salve da autodestruição, são provas dessa histeria irracional.

Nesse sentido, a pesquisa em psicanálise tem grande contribuição a dar, analisando atitudes humanas inconscientes estimuladoras da destruição planeta. Não adianta somente pesquisar e apresentar processos psicológicos conscientes, pois esses são facilmente justificáveis pela negação e denegação. No presente momento da história humana sobre a superfície da Terra é indispensável ir fundo nos processos inconscientes. Sem o conhecimento do inconsciente e da disposição psíquica por ele gerada, não haverá mudanças no quadro psicológico referencial humano em relação ao meio ambiente.

Uma origem inconsciente do problema.

O “Musée do quai Branly” de Paris produziu uma exposição intitulada “Mâitres du Desordre”2, mostrando a influência nas sociedades humanas de xamãs3 e similares. O autor teve a oportunidade de visitar essa exposição quando de sua presença em Madrid (Maestros Del Caos – 2013). Ela é o principal elemento motivador do desenvolvimento desse artigo.

Além disso, esse artigo tem como referência as múltiplas e importantes informações emanadas dessa mostra, relacionadas com o inconsciente humano. Dentre elas merece destaque uma frase, a qual auxilia na compreensão dos fenômenos psicológicos envolvidos na relação dos humanos com a natureza.

Para mediar com as figuras do caos, os homens dispõem de uma ferramenta de comunicação, o Rito4, que permite dominar os desequilíbrios naturais, pessoais ou sociais e recupera a ordem e a harmonia.

Nessa exposição está amplamente demonstrado que o caos expressa inconscientemente para a dinâmica da psique humana a progressiva expansão do universo (entropia) em antagonismo com a vida que é um processo biofísico – bioquímico concentrado e dinâmico (entálpico).

O caos está incorporado à mente humana em seus processos inconscientes de construção do pensar – agir como a desagregação corpórea (morte). Isso é constatado na análise do discurso estimulado das pessoas a expressarem e relacionar o caos com suas vidas. Basta o leitor pensar no caos e o significante de morte aparecerá.

Humanos idealizam que ao lado de suas Divindades encontrarão o ápice da coerência de vida (anticaos) e no paraíso post-mortem vivenciarão prazerosamente essa idealização. Os seres satânicos e os infernos idealizados são os expoentes máximos da incoerência ou caos.

A prova da importância dessa ferramenta de comunicação humana, o Rito, para o funcionamento das sociedades reside no fato da existência cotidiana de um grande número de “ritos de passagem”, onipresentes na vida das pessoas, os quais podem ser de origem religiosa ou laica. Cultos, missas, batizados, casamentos, provas de concursos públicos ou de admissão em Universidade (vestibular), formaturas, etc, são todos ritos de passagem. Inegavelmente a vida dos humanos desde o nascimento transcorre através desses ritos os quais, muitos deles, foram criados pela mente humana para fazer frente ao caos psiquicamente vivenciado como morte.

Por sua vez, Nietzsche em seu livro “Minha irmã e eu” escreveu:

A imortalidade do homem é uma hipótese com falta de lógica e destempero demais para eu poder admiti-la. Valerá a pena lutar tanto por ela e com processos tão violentos?”.

Em uma trilogia do autor anteriormente publicada, especialmente nos artigos intitulados, Metáfora Antropocêntrica e Metáfora da Salvação5 foi analisado o desejo humano de imortalidade o que, em síntese, se expressa como:

A ideia inconsciente de caos post-mortem gera o medo de uma existência finita, fazendo o cérebro humano produzir o desejo narcisista de imortalidade.

O contexto inconsciente demonstrado pelas informações antes apresentadas, comprova o fato de que os humanos são os únicos animais do planeta que conscientemente recusam a morte como um fenômeno natural em suas existências. O luto é um rito de passagem para mitigar perdas emocionais e dar continuidade à vida, em constante temeridade pelo caos (morte).

A morte é um tabu para os humanos. Falar diretamente dela é algo que produz respostas orais e corporais, aversivas e tergiversantes entre interlocutores6.

Por ser ela a perspectiva inconsciente da realização do caos desconhecido e indesejado (repulsa) os humanos recorrem aos ritos, templos e intermediários (xamãs, videntes e similares) construindo o imaginário sagrado para atenuar o sofrimento psíquico da onipresença do caos post-mortem imaginado. Assim, o narcisismo humano não admite o fim da existência do ego.

O sagrado e os Templos

A construção de templos é uma expressão milenar dos humanos voltada à adoração de seus deuses e santidades. Por onde se anda no planeta Terra serão encontradas edificações religiosas, as quais são provas da necessidade psicológica dos humanos em praticar cotidianamente a negação da morte (culto à vida post-mortem). Trata-se de auto e ou coletiva construção inconsciente de uma saída honrosa para o medo do desconhecido.

Assim, os humanos se diferenciam dos outros animais e, em especial, dos primos primatas, por realizarem o sepultamento ou desfazimento dos corpos mortos em seguimento a ritos religiosos variados, inclusive com cremações e disposição de cinzas na natureza.

A instalação de cemitérios ou assemelhados, locais de referência e reverência para com os mortos é também uma atitude humana existente em todas as culturas.

A construção de tumbas é uma prática mundial sendo que determinados cemitérios instalados em diversos países, (p. ex. Père Lachaise em Paris e Recoleta em Buenos Aires) contemplam sepulcros que são verdadeiras obras de arte, tais como são as pirâmides do Egito e tantas outras obras funerárias.

Se observados com isenção científica, templos de todos os rituais sagrados ou parareligiosos são reproduções atenuadas das tumbas, tradição manifesta e com provas explícitas no Egito antigo através da construção das pirâmides.

Os faraós mortos eram enterrados nas pirâmides – tumbas templo – com seus escravos VIVOS, os quais deviam orar pelo resto de suas existências pelo senhor morto. Um quadro tétrico de descaso com a vida desses humanos, pois aos escravos não lhes eram dadas escolhas; – ou morriam no interior da pirâmide ou morriam fora da pirâmide, assassinados pelos seguidores do faraó, quando esse, algoz maior de suas existências morresse.

O comportamento humano se adapta constantemente a novos tempos, mas em todos os milhões de Templos existentes no planeta, sejam eles, xintoístas, cristãos, muçulmanos, das múltiplas religiões africanas, espiritismo, etc., desde a antiguidade, invariavelmente, os humanos continuam realizando cultos aos mortos ou para com aqueles ditos em imortalidade post-mortem. Os seres mitológicos e as entidades sacralizadas em todas as suas variáveis são exemplos que provam essa constante realização inconsciente da psique humana.

Inegavelmente, nos Templos dos humanos, em todos os tempos e desde os primórdios de suas existências, os humanos sempre fizeram culto indireto a Morte. Indireto, pois de forma intermediária sempre existe um humano entronizado ou uma divindade oriunda do imaginário humano (xamãs ou similares), a qual será poderosa para potencializar o medo original ou ofertar medo (interditar psicologicamente – castrar) do caos. Na citada exposição “Maestros de Caos7 essa é uma noção que fica demonstrada de forma inequívoca.

Por sua vez, a Vida é algo conhecido e inspira muito pouco medo. Por isso, poucos são os humanos que cultuam ritualisticamente a proteção da vida cotidiana no planeta Terra. A vida cultuada em todos os rituais é post-mortem.

Assim, como já apreciado, a Morte por ser conscientemente desconhecida, mas onipresente como realidade futura no inconsciente humano, produz medo, insegurança e covardia reverencial.

A genial construção do cineasta Akira KUROZAWA (1975) do personagem Dersu Uzala, no filme de mesmo nome, caçador Nanai, é um exemplo de como o inconsciente humano sacraliza a morte, por essa representar uma maior perspectiva do caos. Para Dersu, o Deus da Floresta era o Tigre, visto ser ele o animal que mais conseguia imputar medo para ele. Mesmo armado ele não podia matar seu Deus. Se atacado pelo tigre, resignar-se-ia à morte. Por outro lado, quando Dersu é confrontado com a vida artificializada, vivencia igualmente o caos e sua total desadaptação ao contexto ambiental urbanizado, relaciona com a falta de seu Deus, o tigre.

No hinduismo a sacralização da vaca, repete de forma adaptada à mitologia grega, com o Velo de Ouro. Os animais como deuses intermediários (xamãs) servem para justificar o medo da morte, em culto à vida post-mortem.

Como os humanos não têm medo da natureza hígida (exceto de alguns fenômenos e partes isoladas mais violentas), pois para aqueles que vivem no mundo artificial urbanizado a natureza chega a ser um ente quase abstrato, acreditam que nela podem imprimir (realizar) transformações definitivas, buscando um ilusionado mundo melhor.

O inconsciente determina que aquilo que produz medo necessita ser reverenciado.

Por esses elementos inconscientes, os humanos destroem a vida por que dela não têm medo, ao contrário, se sentem muito poderosos em relação a ela em seus elos imaginados tênues. Todavia, por medo, os humanos se refugiam em Templos para reverenciar a Morte toda poderosa.

Incrível, mas por essa estrutura de ação inconsciente/consciente, a humanidade está matando o planeta (executando o culto para com a Morte que os humanos tanto gostam). Trata-se de matricídio (matar a “mãe natureza”) e dele advirá o medo necessário para continuar a cultuar a morte e a vida post-mortem.

Assim, em visão analítica, as ações inconscientes acima apresentadas demonstram que os humanos para dar continuidade a suas vidas buscam se manter psicologicamente insepultos. Xamãs e similares são assim os estimuladores dessa peregrinação durante a vida.

Por isso, é necessário explicar aos humanos que é preciso erigir Templos para sacralizar a Vida e não a Morte.

Agradecimentos:

O autor agradece ao Professor Dr. Francisco Martins, Médico, Psicólogo Clínico e Psicanalista da Universidade Católica de Brasília, pelo profícuo aprendizado em psicanálise recebido, ao longo de 32 anos de amizade.

Para a Dra. Maria do Rosário Dias Varella, Psicóloga Clínica e Psicanalista, Professora Titular da Universidade Paulista/Campus Brasília, pela análise, comentários e sugestões ofertadas ao artigo.

Referências:

1. NIETZSCHE, F.; A minha Irmã e Eu; Ed. Moraes; São Paulo, SP; 1992.

2. KUROSAWA, Akira, Obra cinematográfica, DERSU USALA, Japão. 1975.

1 Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Coordenador da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Conselho Regional de Biologia da 3ª Região – CRBio – 03.

2 O autor aconselha visitar o link abaixo, antes de continuar a leitura desse artigo.

http://www.quaibranly.fr/uploads/tx_gayafeespacepresse/DP_LES_MAITRES_DU_DESORDRE-EN.pdf

3

 HOUAISS Dic.: XAMÃS: Rubrica: etnografia. 1. Em povos da Ásia setentrional e central, esp. os siberianos e uralo-altaicos, indivíduo que, por meio de estados extáticos e invocações ritualísticas, manifestam supostas faculdades mágicas, curativas ou divinatórias. 2. Derivação: por extensão de sentido: em todas as sociedades humanas que apresentam formas de ritualismo mágico-religioso, indivíduo escolhido pela comunidade para a função sacerdotal, freq. em decorrência de comportamentos incomuns ou propensão a transes místicos, e ao qual se atribui o dom de invocar, controlar ou incorporar espíritos, que favoreceriam os seus poderes de exorcismo, adivinhação, cura ou magia

4

5 Disponíveis na Internet.

6 Os leitores não especializados desse texto poderão sentir essas aversões.

7 N.A.: Essa foi a tradução para o espanhol do nome da exposição Mâitres du Desordre.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 12/01/2015

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