Minc diz que o país pode aceitar metas obrigatórias para cortar emissão de gases
As queimadas e o desmatamento respondem por 75% das emissões de CO2 no Brasil. Foto de queimada na Amazônia, arquivo EcoDebate
Em radical mudança de postura, o governo brasileiro poderá assumir metas obrigatórias de redução nas emissões de gases do efeito estufa. A adoção de compromissos internacionais no acordo que sucederá o Protocolo de Kyoto tem sido rejeitada até agora pelos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Mas há uma reviravolta em curso, segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. “O Itamaraty, que inicialmente fazia um contraponto, já diz que aceita metas, com condições”, afirmou. Por Daniel Rittner, do Valor Econômico, 23/10/2008.
O ministro disse ao Valor que a nova posição brasileira deverá ser apresentada formalmente na próxima Conferência das Partes (COP), em dezembro, na Polônia. Ele garantiu já ter mostrado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes resistente à idéia, a necessidade de que países emergentes também assumam metas obrigatórias de redução dos gases causadores do efeito estufa. No caso do Brasil, Minc acredita ser “perfeitamente factível” um compromisso de diminuir de 10% a 20% as emissões no período de 2012 a 2020, com base nos gases lançados à atmosfera no ano de 2004.
Essa é a primeira vez que uma alta autoridade brasileira defende abertamente a adoção de metas pós-Kyoto. A ex-ministra Marina Silva, o Itamaraty e o próprio Lula vinham falando até agora apenas em “reduções voluntárias” para os países em desenvolvimento. “Isso está mudando”, assegurou Minc. Segundo ele, o Brasil pretende articular uma proposta conjunta com outros emergentes – sobretudo China, Índia e África do Sul – para a reunião de dezembro. Formalmente, é o Ministério das Relações Exteriores quem representa o país nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas.
“O Brasil está muito na defesa”, criticou Minc, referindo-se à atual postura oficial nos fóruns de discussão. Ele aponta o paradoxo de o país, dono de uma matriz elétrica fortemente baseada em fonte hídrica e líder no uso de biocombustíveis, ser alvo de contestações. “A cada viagem para o exterior, o presidente Lula tem que se explicar”, reclamou. “Não tem cabimento estarmos nessa posição. Temos que sair da defensiva, tomar iniciativa. Assim poderemos convencer os emergentes (a também aceitar metas) e ganhar protagonismo.”
Para o ministro, o custo econômico de atingir uma meta de até 20% de redução das emissões “é zero”. Bastaria, segundo ele, diminuir em um terço o índice atual de desmatamento da floresta amazônica. As queimadas da Amazônia representam cerca de 75% de todas os gases do efeito estufa lançados pelo Brasil à atmosfera. Minc lembrou que essa característica é oposta à dos principais poluidores mundiais, que concentram suas emissões no tripé indústria-energia-transportes. “Em tese, nossa tarefa é mais fácil do que a deles.”
Minc listou pelo menos três condições para o Brasil aceitar metas obrigatórias para combater o aquecimento global. Em primeiro lugar, as obrigações devem ser diferentes e menores daquelas impostas ao grupo de países ricos. Em segundo lugar, que haja transferências de recursos para a preservação das florestas, a exemplo do que ocorre com o recém-criado Fundo Amazônia, beneficiário de uma doação de até US$ 1 bilhão da Noruega. Finalmente, o ministro disse que o governo brasileiro exigirá transferência de tecnologia aos países mais pobres. Ou seja, isenção da cobrança de royalties nas inovações tecnológicas que permitem diminuir o lançamento de gases nocivos ao meio ambiente – como equipamentos para rebater o óxido de nitrogênio gerado por indústrias e termelétricas, bem como transformadores de gás derivado do lixo em energia .
O ministro queixou-se do descumprimento de metas assumidas por parte dos países ricos no Protocolo de Kyoto e da intenção de adotar novas obrigações somente no longo prazo – Japão e Reino Unido falam em 2050, “enquanto descumprem as exigências atuais”. Nesta semana, o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) revelou que as emissões mundiais têm crescido 3,5% ao ano desde 2000, acima das estimativas mais pessimistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que apontavam crescimento de 2,7% ao ano na última década. Seria o suficiente para elevar em 0,9 metro o nível dos oceanos.
[EcoDebate, 24/10/2008]
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