O avanço do voto conservador e a difícil capacidade de reação do movimento popular brasileiro (1), por Bruno Lima Rocha
[Estratégia & Análise] O país líder da América Latina, do MERCOSUL e dos arranjos diplomáticos latino-americanos se vê numa encruzilhada. Há um consenso do meio para baixo da pirâmide social brasileira. Nosso eleitor mediano, de fato não admite um retrocesso em termos de políticas públicas, não tolerando um discurso que implique na redução do papel do Estado na economia e na garantia dos avanços nas condições materiais de vida. Marina não conseguiu explicar como propunha “nova política” e contava com participação de economistas neoliberais em sua equipe formuladora de programa de governo. Aécio teve – e terá – de se explicar (e fazer crer) que em nenhuma hipótese irá desmontar o aparato de políticas sociais do lulismo.
Por outro lado, o eleitorado brasileiro elegeu um congresso onde quase a metade de seus membros será composta por milionários (248 deputados federais eleitos têm esta condição de classe); quase 80% destes parlamentares serão compostos por pessoas brancas (descendentes de europeus ou socialmente brancas, como os de origem árabe ou judia) e, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), terá o perfil mais conservador desde o período pós-golpe de 1964. Isto implica no crescimento da representação direta de latifundiários (como o deputado federal mais votado do Rio Grande do Sul, Luis Carlos Heinze, pelo PP), religiosos (basicamente neopentecostais, como o célebre pastor Marco Feliciano, deputado federal pelo PSC de São Paulo), militares (como o ex-capitão do Exército Brasileiro e de defensor da ditadura, o deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, do PP) e defensores de causas retrógradas.
Diante do paradoxo do avanço nas propostas e condições materiais de vida e retrocesso no plano do comportamento e do universo ideológico, nota-se que a centro-esquerda, ao rumar para o centro e fazer alianças oligárquicas, jogou o tecido social desorganizado nas mãos da direita. Os 44 milhões de pessoas que ascenderam na pirâmide social, passando a conviver da chamada classe C – classe trabalhadora urbana e metropolitana – equilibrando-se no meio da turbulência do pós-fordismo, trabalhando, estudando, rolando suas dívidas no cartão de crédito, tendo contraído compromissos financeiros para sustentar consumo, moradia e estudo (todos os programas subsidiados por bancos estatais), esta massa humana brasileira do século XXI não tem idéias de câmbio e nem grande avanço ideológico em sue horizonte. Colher estes votos é o drama de Dilma e do partido de governo.
O primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil trouxe alguns problemas de continuidade para o governo de coalizão. Dilma Rousseff (PT) teve 4 milhões de votos a menos que em 2010 e necessita urgentemente avançar em algumas faixas do eleitorado, a saber: os eleitores mais à esquerda, que em boa parte se ausentaram ou anularam o voto no pleito; a parcela ainda progressista do eleitorado de Marina Silva; eleitores da classe C, beneficiados pelas políticas sociais e econômica do lulismo, mas que se encontra distante ideologicamente da esquerda.
Com o final do primeiro turno, a candidata do lulismo deparou-se com uma ausência de eleitores bastante significativa. Dilma recebeu 43.267.668 milhões de votos; a soma de nulos, brancos ou abstenções deu 38.797.280 milhões; já o representante da aliança PSDB-DEM, Aécio Neves, obteve 34.897.211 milhões; por fim, Marina Silva, encabeçando a chapa do PSB como enxerto, coligada com o PPS teve 22.176,619. Importante ressaltar que Aécio ganhou por muito em São Paulo e no Paraná, mas perdeu em Minas Gerais, seu estado natal. Dilma ganhou apertado no Rio e no Rio Grande do Sul, teve boa vitória na Bahia e perdera de pouco em Pernambuco. Dos importantes colégios eleitorais, o problema se localiza em São Paulo (maior colégio e 40% do PIB nacional) e, por conseqüência, na possibilidade de transferência dos votos de Marina e do PSB (não são necessariamente os mesmos votos) para Aécio.
O crescimento do neto do ex-presidente Tancredo Neves teve correlação direta com o voto útil por direita (mais à direita), quando o ex-governador de Minas foi visto como a chance possível contra uma Marina desconstituída de seu manto “apolítico” pela “nova” política. Mesmo com importantes divisões internas, a Executiva Nacional do PSB resolveu apoiar a candidatura tucana; o mesmo se dera com o proto-partido político de Marina, a Rede de Sustentabilidade. A Rede tirou rejeitar a candidatura de Dilma e recomendar seus eleitores a votar nulo, branco ou em Aécio. É preciso separar, como disse acima, os votos no PSB (como em Pernambuco) dos votos em Marina (como em São Paulo e Rio de Janeiro). Os votos para a Rede são menos relevantes do que a confiança em sua líder já por derrotada em duas ocasiões. A tendência é que Marina apóie, mas de forma discreta e sem engajamento total na campanha, ao senador Aécio Neves. Como afirmei em outros textos, o “lulismo só perde para si ou sua dissidência”. Com Marina apoiando explicitamente ao PSDB, algo que não fizera em 2010, quando declarou neutralidade, faz às vezes de alguém egresso das hostes e da trajetória de vida consagrada pelo lulismo e que agora pode transferir votos de fato para a oposição mais à direita.
Apontando para a pergunta fundamental
Se a nova classe C está desorganizada, então quem vai reagir diante da possibilidade concreta de perda de direitos e desmonte das políticas sociais caso o neoliberalismo travestido vença? Há cansaço no processo de acumulação e expansão de capital e logo há uma desconfiança concreta de parte do empresariado brasileiro para com um governo que tão bem o serviu.
O Brasil está com um modelo econômico com rumo ao esgotamento. Não está por cair por terra a prática das políticas sociais, mas sim o crescimento baseado no gigantismo chinês. Este se baseia na venda de commodities para a China e Índia e o jogo do ganha-ganha, onde o Estado subsidia a melhoria das condições materiais de vida e assim retroalimenta o capital de sempre. A maldita Selic em patamar “baixo” (taxa básica de juros batendo em 11 pontos), e correlacionada com 42,3% do orçamento empregado para rolagem da dívida pública também é parte do jogo. É uma taxa menor do que no período FHC (significativamente menor), mas ainda absurdamente alta para as urgências do povo brasileiro.
Agora, com as alianças da tal da governabilidade escorrendo entre os dedos, o desespero bate na porta do Diretório Nacional do PT, de sua comissão executiva e da coordenação de campanha para a reeleição de Dilma. Do lado de cá do balcão, o problema determinante é a capacidade ou não do movimento popular conseguir reagir, de forma soberana, para garantir os poucos direitos assegurados através destas políticas de tímido keynesianismo tardio. O PT optou governar pela direita, com a direita oligárquica e desorganizando o povo brasileiro. Para tanto, contou com a promíscua relação de sindicatos e movimentos com o aparelho de Estado.
Tamanha derrota ideológica foi ouvida por este analista da boca de petistas históricos: “aceitamos participar do jogo democrático-burguês proposto na reorganização partidária de 1979-1980 levada a cabo pelo general Golbery do Couto e Silva. Tínhamos como meta entrar para o aparelho de Estado para transformar, debaixo para cima, mas através deste, as relações sociais. Ganhamos o Poder Executivo nas urnas em 2002 e não transformamos nem a natureza do Estado brasileiro (patrimonialista) e tampouco as relações sociais. Transformamos a nós mesmos, estando hoje mais parecidos aos antigos adversários políticos e inimigos de classe”.
Considerando que o reformismo outrora radical nas suas propostas dos anos ’80 hoje não passa de uma “grotesca caricatura de si mesmo”, que para tal o partido desorganizou e cooptou o movimento popular que o tinha como referência política, que sequer temos uma sólida central sindical por esquerda, cabe a pergunta. Se o neoliberalismo voltar, o que fazer? E agora, quem vai reagir?
Bruno Lima Rocha é formado em jornalismo pela UFRJ, mestre e doutor em ciência política pela UFRGS. Concentra seu trabalho nas áreas de movimentos populares, organizações políticas, análise estratégica, estudos dos órgãos de inteligência e economia política da comunicação.
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no blogue Estratégia & Análise.
Publicado no Portal EcoDebate, 16/10/2014
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Esta é a grande questão do momento: “Se o neoliberalismo voltar, o que fazer? E agora, quem vai reagir?”
-Respondo: se o neoliberalismo voltar, não há o que fazer, nem reação haverá.
Em outras palavras: os doze anos em que o partido dos trabalhadores assumiu a presidência da República passarão a fazer parte da História deste país como um descuido do poder dominante, ou, simplesmente, um acaso insignificante.
Continuando: E tudo voltará à normalidade.