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Movimento quilombola diz que novas regras do Incra tornam regularização mais lenta

O movimento quilombola não está satisfeito com as novas regras para regularização de territórios, publicadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no último mês. De acordo com o grupo, o processo se tornou mais burocrático, lento e pode, inclusive, inviabilizar novas titulações em áreas de conflito com o próprio governo, como é caso do quilombo da Ilha de Marambaia, no sul fluminense, e Alcântara (MA).

A nova instrução normativa 49 do Incra regulamenta o Decreto 4887 de 2003 e estabelece procedimentos para titulação das terras ocupadas por quilombolas, conforme previsto no Artigo 68 da Constituição. A elaboração da instrução foi feita por um grupo de trabalho formado por mais de 20 setores do governo, coordenado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e apresentada aos quilombolas antes da publicação.

O presidente da a Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio (Acquilerj) Damião Braga, diz, no entanto, que a consulta não foi adequada e que o documento “passou por cima de muitos direitos” como o de auto-identificação dos grupos (como quilombola), alterou o conceito de território, criou mais funções para órgãos que não têm estrutura para cumpri-las e tornou a garantia do direito a área ocupada uma questão política.

“Não querendo ser pessimista, a nova instrução cria procedimentos impossíveis de serem cumpridos na atual estrutura dos órgãos. Inviabiliza a titulação”, afirma. Ele cita como exemplo a exigência da consolidação de uma entidade jurídica, com a participação da maioria da comunidade, como obstáculo para dar entrada na regularização no Incra, além da falta de pessoal nas instituições por onde o relatório deve passar.

“Com várias pressões que sofremos, como a de órgãos militares, de prefeituras interessadas em repasses do governo federal, quem vai ter essa coragem?”, questiona. “Depois, na maioria, as populações são analfabetas. O cara não sabe ler, não sabe fazer um “o” com o copo, como ele vai constituir uma entidade jurídica, fazer um debate sobre auto-reconhecimento?”, completou.

O superintendente do Incra no Rio, Mário Lúcio Melo, não concorda. Para ele, as novas regras preenchem lacunas ao unificar procedimentos, o que dará agilidade aos processos parados.

No Rio, há seis anos nenhuma das 33 comunidades identificadas é titulada. “Quando nos deram essa atribuição, ninguém nos disse o que fazer. Seguimos o modelo da reforma agrária. Estamos fazendo e aprendendo”, disse Mário Lúcio. “Tem 100 anos que aboliram a escravidão e até hoje estamos tentando recuperar a cidadania dessas pessoas. Não é do dia para noite”, acrescenta.

Segundo ele, com a nova instrução, o processo administrativo pode ser concluído em até um ano. “O processo administrativo, da parte do Incra. Mas se houver contestações judiciais pelos proprietários de terra ou outras disputas, pode se estender por tempo indeterminado”.

Mário Lúcio, por sua vez, garante que não faltarão técnicos para elaborar os relatórios de identificação e delimitação dos quilombos, levando em conta a área utilizada para diversas atividades dos grupos, já que a idéia é contratar universidades para realizar uma parte do processo. Ele reconhece, no entanto, que a nova instrução, apesar de criar um fórum para resolver questões jurídicas, deixa uma brecha para embates políticos.

“Existem áreas que são de interesse para mais de uma instituição. Quando o problema for entre o Incra e o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] ou a Funai [Fundação Nacional do Índio] uma câmara de conciliação da Advocacia-Geral da União vai resolver”, explica.
“Agora, tem coisas que os administradores públicos não têm acesso. São coisas estratégicas”, diz. “Nesses casos, a Presidência da República decide. São conflitos de instituições governamentais. Hierarquicamente, portanto, quem tem que decidir é o gabinete da Presidência”, explica ao comentar a situação de Marambaia, que divide espaço com um centro da Marinha e tenta regularizar sua situação há 6 anos, e o quilombo de Alcântara (MA), que busca impedir a instalação de uma base de lançamento de foguetes da Agência Espacial Brasileira.

AGU garante que novas regras para regularização de quilombos são mais claras

O consultor geral da Advocacia-Geral da União, Ronaldo Jorge Araújo, defende as novas regras para a regularização de terras ocupadas por quilombos, publicadas no último mês pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo ele, os procedimentos se tornaram mais objetivos e seguros, do ponto de vista jurídico, o que evita fraudes e contestações, além de dar mais agilidade ao processo.

“É uma premissa equivocada achar que qualquer mudança que o governo faça na lei é para prejudicar, para suprimir direitos”, afirmou.

A AGU coordenou a revisão da instrução normativa do Incra que regulamenta o Decreto 4.887 de 2003, estabelecendo procedimentos para a titulação de quilombos. A mudança começou no ano de 2007 e envolveu mais de 20 setores do governo. O texto também foi apresentado à comunidade quilombola. Segundo Ronaldo Araújo, a consulta obedeceu a normas internacionais.

Algumas alterações, no entanto, não agradaram o movimento quilombola, que publicou carta de repúdio, no último dia 10. Além de afirmarem que o processo de consulta foi “conturbado e não democrático”, denunciam mais lentidão nas regularizações por conta da falta de estrutura do governo e da burocracia das regras.

O movimento estima a existência de três mil comunidades quilombolas no país, das quais menos da metade (1,2 mil) foi certificada pela Fundação Cultural Palmares desde 1988. A Palmares, no entanto, é agora a responsável por dar início ao processo fundiário, certificando os remanescentes.

“A falta de controle pelo Estado pode prejudicar aqueles que efetivamente têm o direito a terra. O rigor beneficia os legitimados. Você não pode suprimir do Estado o papel de certificação, de fiscalização, de checar para saber se as pessoas que vão ser beneficiados são aquelas mesmas remanescentes de quilombos”, explicou o consultor geral da AGU.

“Se de fato houver uma questão de estrutura, essa questão de terá que ser resolvida. O operacional não pode se sobrepor ao conceito, ao que está previsto na lei”, acrescentou.

Segundo ele, as modificações da instrução normativa foram motivadas por denúncias, não confirmadas, que apontavam fraudes no processo de identificação dos quilombos. Por isso, a necessidade de tornar alguns pontos mais objetivos.

O Decreto 4.887 também está sendo contestado no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade do Democratas.

Com as novas regras, o governo federal quer também esvaziar os argumentos da ação, que pode ser julgada a qualquer momento. “Não queremos transferir para o Judiciário a questão. Não é o Judiciário que vai contratar um ou dois peritos para resolver. São instituições de governo, que trabalham há anos com essas questões”, defendeu Araújo.

Outro ponto contestado pelo movimento é a criação de fóruns para resolução de conflitos jurídicos no âmbito da AGU e políticos, na Presidência da República. De acordo com a AGU, a idéia é resolver de uma vez, impasses entre setores do governo e que se arrastam há anos na Justiça, como acontece entre o quilombo de Marambaia e a Marinha. A disputa dura seis anos e a comunidade chegou a ser processada por reformar as casas.

“Com a nova instrução, o governo tem novos elementos e vai ter que promover a conciliação. Ouvirá todos os órgãos envolvidos, todos os interesses e buscará alternativas com base na legislação. Não há mágica”, afirmou ao antecipar que uma câmara foi constituída para resolver a questão de Marambaia. “A discussão não é uma coisa simples”.

A comunidade quilombola também acusa o governo de não tê-la ouvido durante a consolidação da nova instrução. “Não podemos considerar legal a consulta porque tivemos três dias para ouvir a proposta e colocar nossos questionamentos”, diz a carta de repúdio da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (Conaq). Além disso, informam, os representantes do governo na consulta não tinham poder de decisão. Assim, o movimento encaminhou denúncia à Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o governo federal.

A Advocacia-Geral da União garante que as acusações do movimento não são verdadeiras e que a consulta à comunidade teve a chancela do Ministério Público Federal e que antes da apresentação, o texto da nova instrução ficou à disposição dos quilombolas por três meses.

Matéria de Isabela Vieira, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 21/10/2008.

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