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Artigo

A ‘renascença’ da energia nuclear, artigo de José Goldemberg

[O Estado de S.Paulo] A energia nuclear teve sua “época de ouro” de 1965 a 1975. Nesse período foi iniciada a construção de mais de 200 reatores, principalmente nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, no Japão e na União Soviética. Somente em 1975 foi iniciada a construção de 32 reatores. Com isso a eletricidade produzida por reatores nucleares passou a representar cerca de 17% de toda a eletricidade produzida no mundo – a França e o Japão respondem por mais da metade. Após 1980, contudo, foi iniciada a construção de apenas quatro ou cinco reatores por ano, em geral para substituir velhos reatores nucleares que foram desativados. Desde 1985, nos Estados Unidos, que têm cerca de cem reatores nucleares funcionando, não foi iniciada a construção de nenhum outro reator.

Uma visão desapaixonada da indústria nuclear é a de que ela entrou em declínio após 1985. Esta é, porém, uma área em que avaliações objetivas não são comuns e os entusiastas da energia nuclear continuam a fazer grandes esforços para reavivá-la.

O governo americano, nos oito anos do presidente George W. Bush, simplificou muito o procedimento de licenciamento para a construção de reatores e criou importantes subsídios para encorajar a indústria a investir neles. Nos Estados Unidos quase todos os reatores nucleares foram construídos pelo setor privado. Nem assim a “renascença” da era nuclear decolou, por uma variedade de razões, a principal das quais são os altos investimentos necessários, a insegurança regulatória e os atrasos que a construção de reatores nucleares sofre freqüentemente.

Essa situação piorou muito após os acidentes de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e de Chernobyl, na então União Soviética.

A “renascença” da energia nuclear se baseou um pouco nas novas preocupações que surgiram, após 1980, com o aquecimento global. Reatores nucleares, diferentemente de termoelétricas a carvão, gás ou óleo combustível, emitem poucos gases do efeito estufa e são vistos por alguns como a solução para o aquecimento global, o que é claramente um exagero. Eles poderiam até ajudar, mas seria necessário construir pelo menos 2 mil ou 3 mil reatores nucleares até 2050 para fazer uma diferença real.

Dos 400 reatores em funcionamento no mundo, apenas uns 50 estão em países em desenvolvimento e a grande esperança da indústria nuclear é que estes países (sobretudo China e Índia) adotem esse tipo de energia em grande escala para compensar a estagnação da indústria na Europa e nos Estados Unidos. Isso é o que explica o interesse renovado de construir reatores nucleares no Brasil, que lembra bem o que aconteceu em 1975, quando o governo Geisel adotou planos grandiosos para essa energia no País. Na época se argumentava que ficaríamos sem eletricidade se os reatores não fossem construídos, o que se revelou sem fundamento, pela simples razão de que tínhamos outras opções, como construir Itaipu e muitas outras usinas hidrelétricas.

Dos planos do passado sobrou um reator nuclear inacabado, que é Angra 3, cujas obras foram paralisadas há 20 anos, apesar de boa parte dos equipamentos já ter sido comprada. Poder-se-ia até argumentar que o melhor seria concluir sua construção para evitar perdas maiores. Mas propor com base nessa decisão uma “renascença” da energia nuclear no País, e começar a planejar 60 reatores nucleares para os próximos 50 anos, é totalmente fora da realidade e vai desviar a atenção de outras soluções mais realistas. Temos ainda várias opções para produzir a eletricidade de que necessitamos: apenas 30% do potencial hidrelétrico brasileiro foi utilizado, a geração de eletricidade com bagaço de cana poderá fornecer 10 milhões de quilowatts até 2015 (outra Itaipu!) e o uso da energia dos ventos nos Estados do Norte-Nordeste do País poderia ser estimulado. O sistema elétrico brasileiro é todo interligado e não há razões – a não ser políticas – para encorajar regionalismos nessa questão.

Para concluir Angra 3 restam, contudo, questões relativas ao licenciamento ambiental – como, aliás, ocorre no mundo todo – e o Ibama deu uma solução para o problema que, se levada a sério, vai inviabilizar esse projeto.

Ao conceder licença prévia para a obra, o Ibama impôs 60 “condicionalidades”, que incluem medidas mitigatórias que vão de programas de assistência social à criação de postos de saúde e financiamento do saneamento ambiental dos municípios de Angra dos Reis e Parati. Essas ações, presumivelmente, são consideradas como “compensações ambientais”, o que, a nosso ver, viola o espírito da lei que regula o assunto. Compensações ambientais têm por finalidade compensar impactos decorrentes das obras – que não puderem ser mitigados -, e não ser usadas para corrigir diferenciais dos serviços públicos, como o saneamento, por mais desejável e necessário que ele seja. Elas, provavelmente, foram incluídas entre as compensações para atenuar resistências à construção de mais um reator nuclear naquela área.

O problema real com os reatores nucleares é a disposição final dos resíduos radioativos de alta atividade, corretamente identificado pelo Ibama. Sucede que esse problema não foi resolvido satisfatoriamente ainda em nenhum país do mundo nem há acordo completo sobre o que se entende por “disposição final” dos resíduos – 50, 500 ou 5 mil anos? Esperar que ele o seja no Brasil “antes do início da operação do reator”, como consta das condicionantes, é realmente um “tiro no escuro”, que poderá dar no futuro em toda sorte de questionamentos.

Esta questão precisa ser esclarecida satisfatoriamente antes que sejam feitos mais investimentos na conclusão de Angra 3, que já custou bilhões de reais e vai custar ainda outros tantos.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 20/10/2008

[EcoDebate, 21/10/2008]

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