A armadilha do progresso humano e os impasses do desenvolvimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A floresta precede os povos e o deserto os segue” (Chateaubriand)
“Há um padrão no passado, uma vez que civilização após civilização desgasta suas relações com a natureza, super povoando, super expandindo-se e superexplorando seu ambiente” (Ronald Wright)
[EcoDebate] A civilização Rapa Nui na ilha de Páscoa é muito citada para indicar o colapso de uma cultura complexa que construía os belos Moais – as estátuas esculpidas a partir das pedras do vulcão Rano Raraku – dispostas em diversos santuários. A construção e o culto religioso aos Moais exigiu o uso de troncos de árvores, que utilizadas em grande escala e muito rapidamente desmatou toda a ilha, ficando o solo nu e sujeito ao açoite dos ventos, destruindo toda a terra fértil, transforma em um deserto inóspito, que inviabilizou a vida e provocou o colapso da isolada civilização.
Atualmente as pessoas se perguntam como os habitantes da ilha de Páscoa foram tão míopes e não perceberam que seus recursos finitos não sustentariam o crescimento descontrolado da população e suas obras vis-a-vis ao esgotamento dos recursos naturais. Mas o que muita gente não percebe é que a civilização urbano-industrial está caminhando, de maneira semelhante, para um caminho que pode levar ao mesmo tipo de colapso.
Como mostrou Chris Hedges, a espécie humana, liderada por europeus e euro americanos, tem caminhado em direção errada e em um ritmo insustentável. Nos últimos 500 anos houve conquistas, saques, pilhagens, explorações e poluições da Terra, inclusive provocando o genocídio das comunidades indígenas que estavam no caminho. Mas tudo isto foi só o começo, pois as forças técnicas e científicas que criaram uma vida de luxo sem precedentes – bem como inigualável poder militar e econômico para as elites industriais – agora são uma desgraça em potencial. Para o autor, a mania de expansão econômica e de exploração incessante tornou-se uma maldição, uma sentença de morte.
Civilizações complexas, em geral, terminam em fracasso, como mostrou Ronald Wright, em “Uma Breve História do Progresso”, que constatou a existência de padrões históricos que resultam em colapso das civilizações. A diferença desta vez é que, quando ocorrer o colapso da civilização dos combustíveis fósseis, todo o planeta irá junto. As civilizações tendem a entrar em colapso pouco depois de chegarem ao seu período de maior esplendor e prosperidade. Esse padrão vale para uma série de sociedades, entre elas os romanos, os antigos maias e os sumérios. Há muitos outros exemplos, incluindo sociedades de menor escala como a da Ilha de Páscoa.
Wright chama de “armadilha do progresso” o processo que conduz a máquina industrial que não sabe como utilizar menos recursos e chegar a um estado de equilíbrio em termos de demandas da natureza. O desenvolvimentismo tem falhado em estabilizar o número de humanos e reduzir a desigualdade entre ricos e pobres. A experiência de 500 anos relativamente fáceis de expansão e colonização, a constante assunção de novas terras, levou ao mito capitalista moderno que considera ser possível expandir a economia para sempre.
Para Ronal Wright, isto é um mito absurdo. Nós vivemos neste planeta. Não podemos deixá-lo e ir para outro lugar. Teríamos que manter nossas economias e demandas da natureza dentro dos limites ecológicos. O mundo teve 500 anos em que os europeus, euro americanos e outros colonos invadiram todos os territórios e os dominaram. Esses 500 anos de exploração fizeram com que a situação parecesse não só fácil, como normal. Acredita-se que as coisas vão sempre ficar maiores e melhores. Porém, este longo período de expansão e prosperidade foi uma anomalia. Ele raramente aconteceu na história e, provavelmente, nunca acontecerá de novo.
Segundo o autor, temos que reajustar nossa civilização inteira para viver em um mundo finito. Mas não estamos fazendo isso, porque estamos carregando bagagem demais, versões míticas demais da história deliberadamente distorcidas e um sentimento profundamente arraigado de que ser moderno é ter mais e cada vez mais. Isto é o que os antropólogos chamam uma patologia ideológica, uma crença autodestrutiva que leva as sociedades a se destruírem e queimarem. Estas sociedades continuam fazendo coisas que são realmente estúpidas, porque elas não podem mudar sua maneira de pensar. Para Wright, o mundo, obnubilado, está preso na armadilha do progresso e não sabe como evitar o colapso.
Vale a pena ver o vídeo: Sobrevivendo ao Progresso.
Referências:
Ronald Wright em Uma Breve História do Progresso, Editora Record, 2007
Chris Hedges. As mudanças climáticas e o mito do progresso humano, Carta Maior, 17/01/2013
Vídeo: Sobrevivendo ao Progresso “Surviving Progress” (2011) Legenda em português
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 20/08/2014
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Muito bom. Parabéns.
Veja que na campanha presidencial o desenvolvimento virou a panacea para todos os problemas do Brasil e do mundo, quando na verdade a dependência do crescimento econômico é um grande problema, pois pode levar a civilização ao colapso.
Saudações. Leo
“Para Wright, o mundo está (…) preso na armadilha do progresso e não sabe como evitar o colapso”.
Sem pretender discordar de Ronald Wright – e nem poderia – desejo , apenas, expressar a minha avaliação, de forma mais detalhada, sobre as duas afirmações citadas acima:
1º) “o mundo está preso na armadilha do desenvolvimento”.
Avaliação: “o mundo” é um ser composto pela parte dominante e pela parte dominada, em cada país e entre os países que compõem o mundo capitalista.
A parte dominante, composta por políticos, líderes religiosos, grandes empresários, etc., tem pleno conhecimento do processo de destruição promovido pela busca do desenvolvimento ilimitado, mas opta por seguir esse caminho, e desconsidera todas as consequências, que, sabem, levarão ao colapso socioambiental; a parte dominada (ou explorada), em sua grande maioria, não tem ciência do processo de destruição, o qual é camuflado pela mídia, pelos partidos políticos e pelas religiões. Em síntese: de um lado, os exploradores, cientes e inescrupulosos, conduzem o processo objetivando, apenas, alcançar a realização de seus interesses, ou seja, se promoverem diante de seus concorrentes; do outro lado, a grande maioria dos explorados é conduzida, como se estivesse de olhos vendados, acreditando nas promessas dos exploradores, e tentando continuar sobrevivendo, enquanto luta pela sobrevivência de seus descendentes.
Processo semelhante ao descrito acima, também acontece entre os países: de um lado, as grandes potências econômicas e bélicas; de outro, os países pobres e os chamados emergentes.
2º) “O mundo (…) não sabe evitar o colapso”.
Avaliação: particularmente, acredito que sabem, mas a implementação de tal processo partiria, necessariamente, das grandes potências, e abrangeria todos os países pobres e emergentes, o que levaria à eliminação das fronteiras nacionais e à abolição da competição, etc. Mas, como disse anteriormente, tal projeto não tem razão de ser, pois os exploradores, internos ou externos, são incapazes de renunciar à condição de exploradores e “beneficiários”.