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Artigo

O São Francisco já é um rio intermitente, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

 


Foto em Estudos Avançados, Estud. av. vol.22 no.63 São Paulo 2008 – Antonio Thomaz da Mata Machado

 

[EcoDebate] Embora não tenha cortado totalmente seu fluxo de água, o São Francisco já é praticamente um rio intermitente.

A atual defluência – saída de água rio abaixo – da represa de Três Marias, em Minas Gerais, é de 150 m3 por segundo (sic!). Não se espantem, é essa mijada de gato. Portanto, um fiapo de água para o que já foi o grande rio São Francisco (CBHSF).

Essa realidade é visível a olho nu em municípios como Pirapora. Até a extração de água para abastecimento humano das cidades ribeirinhas já está comprometida. Se formos falar em navegação, pesca, etc., é melhor procurar nas fotografias.

A cidade de Xique-Xique, no médio São Francisco, se abastece de um braço do Velho Chico. Em 40 dias – se o rio não recuperar volume – terá seu abastecimento cortado. A calha central está há mais de trinta quilômetros da cidade. Portanto, Xique-Xique vai conhecer o que é um rio intermitente antes das demais cidades.

Abaixo, em Sobradinho, a defluência está em 1.100 metros cúbicos por segundo. As maiores balsas de transporte de passageiros entre Juazeiro e Petrolina estão encostadas no porto. Não há profundidade para sua navegação.

Gostaria de saber onde andam os políticos, os técnicos, o pessoal do governo que projetou a Transposição e nos diziam com arrogância em todos os debates que a defluência em Sobradinho era – com absoluta segurança – de 1800 metros cúbicos por segundo, portanto, a extração de água para a Transposição seria absolutamente insignificante. Onde será que eles estão?

Em terceiro, abaixo de Xingó, no Baixo São Francisco, a defluência também continua com 1.100 metros cúbicos por segundo, comprometendo até a produção de água para consumo humano e para a bacia leiteira de Alagoas. Sergipanos e alagoanos são os que pagam a conta de toda degradação e irresponsabilidade de quem destrói o São Francisco. Na foz, o mar já adentrou o rio em cerca de 50 quilômetros.

Hoje ainda se fala na Transposição, ela continua na mídia, por muitos considerada ainda como a redenção do Semiárido. Vamos respeitar a ignorância dessa afirmação, afinal o Nordeste e o Semiárido continuam desconhecidos para 90% dos brasileiros, mas vale lembrar que 40% do Semiárido brasileiro estão em território baiano, portanto, longe dos eixos da Transposição.

Quantos ainda falam da Revitalização? Alguém tem alguma notícia?

O São Francisco continua em processo de extinção rápida e fatal. Mesmo assim fala-se em projetos de 100 mil hectares de cana irrigada em Pernambuco, 800 mil hectares de cana irrigada na Bahia, Transposição para outros estados, assim por diante.

Certamente voltará a chover, o rio vai recuperar volume, mas, as secas serão cada vez maiores e mais constantes. A NASA, anos atrás, projetava que o São Francisco seria um rio intermitente em 2060. Realizamos a façanha de antecipar a projeção em mais de 40 anos.

Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

 

EcoDebate, 31/07/2014


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16 thoughts on “O São Francisco já é um rio intermitente, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • O que havíamos previsto, nos últimos 20 anos de muita luta, aconteceu: o Velho Chico entrou em estado crítico e já não vai mais poder contribuir, com seus volumes, para o atendimento das necessidades dos nordestinos, sem, antes, acontecer o pior. Nesse artigo, Roberto Malvezzi mostra, de maneira clara, que o rio está dando seus últimos suspiros. Não foi por falta de aviso que essa situação viesse acontecer.

    Nos debates que participamos, na tentativa de salvar a vida do rio, alertávamos para o pior: por ser um caudal de múltiplos usos, e sem o planejamento devido, era fácil de se chegar à conclusão de que o São Francisco secaria ou pelo menos chegaria à situação em que se encontra. Questionamos isso ao ex-ministro Ciro Gomes, no programa Roda Vida em São Paulo, onde debatemos a questão, que não deu a mínima atenção para as nossas preocupações.

    Chegamos até a escutar absurdos, de algumas autoridades de que, mesmo colocando um equipamento ultra sensível na margem do rio, este não seria capaz de medir a variação de seu nível, dada a pequena retirada volumétrica que iria ser efetuada. Erraram e erraram feio. O Velho Chico está aí, com a sua ossatura à mostra, para calar a boca daqueles que, em ato de pura imprudência e incompetência para com as causas ambientais, conseguiram por um fim na pujança do rio da Integração Nacional. Esse assunto terá que ser muito bem esclarecido na campanha presidencial que se avizinha.

    João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife

  • José do Patrocínio Tomaz Albuquerque

    Sem dúvida, é lamentável que isto esteja acontecendo. Além dos vilões citados pelo articulista, há outros como é a interligação do Sistema Elétrico de Pulo Afonso com os demais sistemas nacionais, o que fez e faz com que Sobradinho seja usado acima de sua capacidade de regularização, mesmo eventualmente. Os reflexos disto somente se manifestam quando ocorrem secas como a que ainda grassa o nosso Semiárido e algumas regiões brasileiras. Um outro fator que resulta na situação por que passa, atualmente, o escoamento do São Francisco está relacionado com o fluxo de base, suprido pelos sistemas aquíferos inseridos na bacia hidrográfica sanfranciscana. A montante de Sobradinho, a irrigação é praticada com água subterrânea do Sistema/bacia sedimentar, também denominada São Francisco. Na foz do rio, explora-se o Sistema/bacia sedimentar Alagoas-Sergipe. Nos trechos intermediários retira-se água subterrânea dos sistemas/bacias sedimentares Recôncavo-Tucano-Jatobá e do sistema Aluvial, sem atentar para o papel destes sistemas que são os responsáveis naturais da perenidade do rio São Francisco. No caso do Sistema Alagoas-Sergipe, o rebaixamento do nível hidrostático do Sistema, pode ter contribuído para a penetração do mar continente adentro, como ocorreu, por exemplo, no norte de Israel. Em suma, falta competência e conhecimento aos órgão de gestão desta e de outras bacias hidrográficas nacionais para a operação e gestão das bacias hidrográficas, particularmente, de suas águas subterrâneas. Os planos de recursos hídricos e os Comitês de bacias hidrográficas são relegados a segundo plano ou plano zero, pela hipertrofia do poder executivo, federal e/ou estadual, inclusive, através das suas agências de águas.

  • O grande crescimento da população humana, promovido pelo “desenvolvimento capitalista” com o apoio das religiões, é o responsável pela destruição dos biomas, nos quais estão inseridos rios, lagos e oceanos. Se, agora, já está sendo anunciada a morte do rio São Francisco, enquanto muitos outros, menores, já morreram, em breve, teremos o anúncio do início da morte do rio Amazonas.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Roberto Malvezzi, vejo que você continua combativo como sempre.
    O rio São Francisco está sofrendo os efeitos da seca, mas dessa premissa prever que ele vá se tornar um rio intermitente vai uma distância muitíssimo grande. Não conheço uma previsão da NASA nesse sentido.
    1.100.000 litros em cada segundo pode ser uma vazão pequena para o Velho Chico, mas e uma vazão excelente para a maioria dos rios brasileiros fora da região Norte.
    Por isso, acho temerário dizer que Xiquexique possa ficar sem água com uma vazão dessas e muito menos que o Velho Chico esteja com a ossatura de fora.
    A vazão de transposição, pouco mais de 2 por cento da vazão atual do S. Francisco não vai nos fazer falta. Podemos cedê-la aos habitantes do semi-árido.

  • jAIRO JOSÉ MOREIRA

    Venho dar parabéns a todas as pessoas do país que defendem nossos recursos naturais. Pouco meritório são as ideias e projetos gananciosos que na verdade só beneficiam a indústria da construção que degrada o meio ambiente com suas colossais construções apoiadas pelo encantamento que é produzido através da mídia onde mostra apenas esplendor entretanto não tem raciocínio para apontar os problemas que surgirão no futuro. Aqui na região norte (Pará) estão construindo mais um elefante Branco a usina de ” Belo Monstro ” onde estudos apontam para os prejuízos ao meio ambiente. Quero apontar um artigo do boletim anterior onde a reportagem mostra que mais de 1000 projetos de energia eólico e foto voltaica foram inscritos para o leilão e que a capacidade de geração ultrapassa o “Belo Monstro” e ai faço a mesma pergunta do Gogó onde estão os técnicos e os políticos vilões da nação.

  • Osvaldo Ferreira Valente

    O grande problema nosso é a insistência em ficar analisando somente o comportamento das vazões e como gerenciar as águas que correm por nossos cursos d’água. Como a matéria-prima das bacias hidrográficas é a água de chuva, precisamos, isso sim, cuidarmos para que as bacias consigam processar adequadamente tal matéria-prima, armazenando bons volumes em seus aquíferos subterrâneos para garantir vazões de estiagens. Nas cabeceiras do Velho Chico há boas taxas de precipitação anual, onde os ecossistemas naturais já não conseguem realizar um bom trabalho . Temos de pensar, com urgência, em ajudar o processo de infiltração com a adoção de práticas de abastecimento artificial de aquíferos. Já temos estudos sobre isso e precisamos apenas quebrar preconceitos e cuidarmos de planejar tais ações necessárias.

  • José do Patrocínio Tomaz Albuquerque

    Esperei que o Malvezzi respondesse às colocações do Sr. Paulo Afonso da Mata Machado. Como nada foi feito neste sentido, faço as seguintes observações sobre o teor de sua mensagem. Quero crer que a ossatura do Velho Chico está exposta em vários trechos do seu curso. As fotografias e vídeos que são apresentadas por vários defensores da bacia do São Francisco, como a que ilustra o artigo do Malvezzi, são provas irrefutáveis disto. E não se precisa de previsões da NASA para perceber isto. Basta, por exemplo, acompanhar os relatórios anuais da ANA, Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil para ver que, afluentes do São Francisco, antes perenes já são intermitentes, com seus fluxos, no período de estiagem, não mais existindo, reflexo do rebaixamento do nível hidrostático das águas subterrâneas contidas nos aquíferos que compõem o Sistema São Francisco, os quais não suprem mais o escoamento de base desses rios.
    Quanto à cidade de Xique-Xique, ela deve estar sofrendo, sim, os efeitos adversos de tudo isso e somente existe um filete de água escorrendo porque o reservatório de Três Marias ainda está soltando essa mixórdia de vazão, os 150 m3/s de que falou o Malvezzi. Se Três Marias parar, o rio seca, já que o fluxo de base está, praticamente, nulo.
    Quanto à afirmação de que a Transposição de pouco mais de 2% da atual vazão do rio não vai fazer falta, ela revela um desconhecimento da situação por que passam Sobradinho e os demais reservatórios operados pela CHESF e pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) brasileiro. Não é que não fará falta. Está havendo falta de água nestes reservatórios hoje, construídos que foram para uso múltiplo, principalmente, geração de energia elétrica. Fiz considerações sobre este problema em debate no site da ABRH-Gestão, que reproduzo para conhecimento de todos. “Até o apagão de 2011, a energia gerada por Sobradinho e pelas demais usinas da CHESF, usava-se uma vazão de 2.060 m3/s, com a uma garantia de 95%. No trecho compreendido entre Sobradinho e Xingó, o potencial energético correspondente a esta vazão de 2.060 m3/s totalizava 5.628 MW, assim distribuído: Sobradinho, 445 MW; Itaparica, 938 MW; Complexo Paulo Afonso, 2.080 MW e Xingó, 2.163 MW (Fonte: CHESF- A CHESF e o Uso Múltiplo das Águas do São Francisco, II Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, Fortaleza-CE, 1994). Esse potencial energético, evidentemente, foi reduzido para 5.052 MW, por razões óbvias, o que obrigou o governo de então a construir as termelétricas. Mas, o que queria ressaltar disso é que, em qualquer destes casos, a vazão firme praticada destinava-se, totalmente, à geração de energia elétrica. O s demais usos se fizeram implantados à sombra do uso de eletricidade (se havia uma demanda menor que a potencial projetado) e da vazão incremental que ocorria entre Sobradinho e Xingó, da ordem de 50 m3/s. Quando projetaram a Transposição do São Francisco, já não havia sobra de vazão para outros usos que não a geração de energia e o abastecimento humano. Mas, havia outro que consumia uma vazão significativa daquela regularizada no trecho citado: a irrigação. Era aí (e continua sendo) que já se estabelecia um conflito de uso das águas do São Francisco no trecho entre Sobradinho e Xingó, onde se localizam as tomadas d’água da Transposição. Portanto, independentemente de qualquer coisa, não se poderia retirar mais água nenhuma neste trecho sem causar problemas adicionais de suprimento aos usos já praticados na bacia sanfranciscana. Além disso, para agravar a situação, existia e existe a prática de irrigação nos tabuleiros situados a montante de Sobradinho em que a fonte de suprimento era e é a água subterrânea bombeada por poços dos aquíferos componentes do que eu denomino de Sistema Aquífero São Francisco, contido na bacia sedimentar homônima, principalmente o Urucuia. Estes aquíferos, realçados em relação aos vales de rios da margem esquerda do São Francisco, são os responsáveis pela perenização destes cursos d’água (Cariranha, Verde Grande e outros), fornecendo, em média, 1.200 m3/s à barragem de Sobradinho (PLIRHINE, SUDENE, 1980 e Projeto ÁRIDAS, 1994), o que deixou de acontecer. Quer dizer, os problemas de suprimento de Sobradinho (e dos demais reservatórios) tiveram início e se instalaram na bacia do São Francisco, antes da interligação do potencial energético dessa bacia com outras, localizadas nas demais regiões brasileiras. O que a interligação fez, foi agravar, ainda mais, esse problema que se manifestou mais cruamente por ocasião da presente seca que atingiu e a afeta não somente o nosso Semiárido, mas outras regiões brasileiras. E aí, não se obedeceu às “curvas guias” ou de regularização dos reservatórios e se bombearam, no caso de Sobradinho, não um máximo de 2.060 m3/s (o que já seria uma temeridade), mas se usaram vazões de 3.000 e 4.000 m3/s com objetivo de introduzir na rede de distribuição a energia que se necessitava e que não podia ser gerada, naqueles momentos, pelos reservatórios de outras regiões. A seca generalizada expos toda a inconsistência da medida. Ela somente seria admissível se a oferta de energia gerada com segurança, sem prejuízo de consumos prioritários, fosse maior que as demandas, atual e projetada, constantes de planos de bacias envolvidas na medida. Aí, os objetivos globais não prejudicariam, talvez, os locais.
    Finalmente, quero dizer que as bacias hidrográfica receptoras da Transposição, para os objetivos de segurança de abastecimento hídrico humano, urbano e rural, se adequadamente geridas, tinham e tem água mais que suficiente para tudo o que a Transposição se propõe (Projeto ÁRIDAS, 1994).

  • O Sr. Paulo Afonso da Mata Machado com suas colocações que amenizar a situação de morte do rio, mas fatos são fatos e diante deles temos que nos render. Talvez ele não tenha visto a situação de 3 marias aí pertinho dele. nem Pirapora. Não conhece Xique-Xique e nem a região do Baixo São Francisco. Talvez ele espere que a última gota acabe!

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro José do Patrocínio,
    Percebo que você é um profundo conhecedor de hidrografia. Fico, portanto, constrangido em fazer reparos aos seus comentários.
    A questão de Xique-Xique é um problema tão fácil de ser solucionado que não fiz maiores comentários. Basta estender a adutora de captação de água à calha central do rio, onde será captada água de melhor qualidade, que contém muito mais oxigênio dissolvido.
    Problema de maior monta está enfrentando a Sabesp, que foi levada a prolongar as adutoras para captar água do fundo dos reservatórios do Sistema Cantareira, água sabidamente de qualidade inferior e que requer tratamento avançado.
    Diferentemente do problema de Xique-Xique, na Bahia, o problema de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo somente vai ser resolvido quando chover abundantemente nas cabeceiras da bacia do rio Piracicaba. A propósito, você sabe qual é a vazão máxima de captação do Sistema Cantareira? Apenas 33 m3/s, sendo 2 para a Região de Campinas e 31 para a Região Metropolitana de São Paulo. Desde 10.2.1014, a Sabesp reduziu para 27,9 m3/s a captação de água para São Paulo e região.
    Compare esses números com a vazão atual do rio São Francisco, que inseri em meu último comentário.
    Concordo com você sobre a grande quantidade de água usada na irrigação. Aproveito para fazer uma sugestão ao Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco para que cobrem de forma diferenciada a outorga para o uso da água para irrigação, taxando com valores menores a irrigação por gotejamento, com valores maiores a irrigação por aspersão e com valores punitivos a irrigação com o uso de pivô central.
    Com os comentários feitos, respondo também à colocação do Prof. Luiz Dourado e concluo com a seguinte observação: Estão convidando para o velório do Velho Chico, mas se esqueceram de avisar o “morto”.

  • José do Patrocínio Tomaz Albuquerque

    Agradeço as palavras iniciais do comentário do prezado Paulo Afonso da Mata Machado. Concordo que a diferença entre os problemas de abastecimento de Xique-Xique e da Região Metropolitana é estratosférica. Mas, veja que eu não falei precipuamente do abastecimento hídrico urbano da cidade que, claro, não deve sofrer solução de continuidade, mesmo porque os 150 m3/s são superlativamente superiores a demanda de Xique-Xique. O que abordei foi o problema global da bacia e seus usos múltiplos, com ênfase ao objetivo de geração de energia e o conflito de uso que se estabeleceu com a irrigação e que será agravada com a Transposição, mormente quando da ocorrência de secas como esta que atinge a bacia do Velho Chico, outra bacias localizadas no Semiárido e em outras regiões brasileiras e que a interligação da rede de distribuição dessa energia hidrelétrica somente agravou o que já era deficitário em termos de oferta de recursos hídricos da bacia sanfranciscana em relação às demanda jé referidas. Nada fiz em termos específicos. É isso.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro José do Patrocínio,
    Voltemos ao seu comentário anterior.
    Com relação à “ossatura” do Velho Chico, é verdade que pode-se ver em vários trechos do seu curso nesse período de estiagem. A razão é muito simples. Antes da criação das barragens, o rio tinha uma velocidade muito maior. Após a construção das várias hidrelétricas, a velocidade diminuiu, a profundidade também e o rio se espraiou. Durante o período de estiagem, o rio fica naturalmente mais estreito. Mas, não é essa a única causa do problema. O que você disse sobre a questão de afluentes do São Francisco, antes perenes, hoje intermitentes, está absolutamente correto e se deve à exploração predatória do lençol freático da bacia. A grande vantagem é que essa exploração não provoca danos definitivos. Caso a demanda por água subterrânea venha a se reduzir (o que é bem possível, veja meu comentário anterior) o nível de água do subsolo tenderá a subir e os afluentes, hoje intermitentes, podem voltar a ser perenes.
    O que não podemos dizer é que o São Francisco como um todo vá virar rio intermitente, porque os grandes afluentes de Minas Gerais permanecem, quase todos, perenes.
    Você critica a interligação do sistema elétrico, considerando-o como responsável pelo agravamento do conflito de água no S. Francisco. Entendi seu posicionamento, mas você não se esqueceu de se referir ao outro lado da questão. Durante os períodos de baixa vazão do rio São Francisco, a energia para o Nordeste pode vir de qualquer outro ponto do país. Atualmente, tem chovido muito na Região Norte, de onde tem vindo a maior parte da energia para o restante do país, inclusive para o Nordeste.
    Ressalto, mais uma vez, a necessidade de se evitar o desperdício de água não apenas no São Francisco, mas de modo geral. E, também, de se implantar o reúso da água.
    Quanto à transposição, tenho a certeza de que saberemos considera-la como mais um uso da água entre os muitos que temos no São Francisco.

  • José do Patrocínio Tomaz Albuquerque

    Pelo visto, há uma concordância no atacado ema discordância no varejo. O amigo admite que o quadro atual é esse, com alguns pontos de divergência. No que diz respeito ao papel dos reservatórios do São Francisco, eles tem um papel de regularizar as vazões, antes muito variáveis. Neste sentido, a vazão do período de estiagem, se o reservatório opera dentro da sua capacidade de regularização, é sempre maior que antes, uma vez que, na vazão regularizada, alem da contribuição da vazão de estiagem (suprida pela água subterrânea dos sistemas aquíferos da bacia), há o acréscimo da vazão do escoamento direto, dependente das chuvas, agora barradas e soltadas durante todo o ano, inclusive no período de estiagem. Mas, como a vazão retirada dos reservatórios do São Francisco suplantou a vazão de regularização, hoje, o operador deste sistema de reservatórios libera o mínimo possível. Essa, junto com o problema de superexploração dos aquíferos freáticos (em alguns casos há participação dos semi-confinados também, devido à conexão hidráulica entre eles), a razão da intermitência de hoje. Quanto a energia vir dos reservatórios da região Norte (Tucuruí, principalmente), isto, no momento, não é suficiente para atender as demandas do sul e do sudeste e, também do Nordeste. A ameaça de apagão é tão factível quanto a de desabastecimento da grande São Paulo. Portanto, mantenho o que disse sobre o São Francisco, inclusive, sobre o projeto de Transposição.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Amigo José do Patrocínio, coincidentemente eu estava lendo o artigo do João Suassuna intitulado “Recursos hídricos no Nordeste: o problema não é falta de água, é distribuição” e me deparei com a seguinte observação: “De acordo com José do Patrocínio, conhecido hidrólogo paraibano, consultor e professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande, o estado da Paraíba possui o reservatório de Boqueirão, com capacidade máxima de acumulação de cerca de 438 milhões de m3, qua abastece a cidade de Campina Grande e outras pequenas cidades vizinhas. A região metropolitana de Campina Grande passou por sérios problemas de abastecimento após o período de seca entre os anos de 1997 a 1999, agravados, ainda pela falta de gestão do reservatório e da bacia do Alto Paraíba, com a implantação de sistemas de irrigação mal concuzidos (…) Esses problemas no abastecimento de Campina Grande justificaram, na época, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o interior do reservatório de Boqueirão, através do eixo leste do projeto, proporcionando-lhe a sinergia hídrica necessária à garantia da água para o abastecimento da região.”
    Quando era mais acirrada a campanha contra a transposição, ouvi do então presidente do comitê da bacia que a água para a Paraíba estava garantida devido aos problemas de abastecimento.
    Acredito que persistem tais problemas, agravados pela atual seca na região.

  • José do Patrocínio Tomaz Albuquerque

    Sem dúvida, a situação atual de Boqueirão é preocupante. Tenho, juntamente com colegas da UFCG, discutido o problema e apresentado propostas para solucionar o problema. O reservatório de Boqueirão tem sua gestão realizada pela ANA que, a despeito da situação, deixou que a irrigação praticada ilegalmente na bacia hidráulica do açude (inclusive sem outorga definida de vazão) se estendesse até o fim do mês passado, configurando uma prática temerária e ilegal. A bacia hidráulica do açude é uma região de preservação permanente, susceptível, com a prática deste uso, ao açodamento da erosão e da poluição por defensivos agrícolas e por fertilizantes químicos, além, e principalmente, do reservatório não ter mais disponibilidade para supri-la. Os 1,25 m3/s mal atende a demanda do abastecimento humano que já e superior a essa vazão, estimada em 1,3 m3/s. A ANA suspendeu a irrigação a partir de agosto, diante da perspectiva da seca continuar no próximo ano, devido à previsão de instalação do fenômeno El Niño a partir de Novembro próximo. Aí, se o El Niño acarretar a falta de chuvas em 2015, será preciso implantar o racionamento e rezar para que a estação das chuvas em 2016 seja, pelo menos, dentro da média histórica. Se tivessem, como reclamamos, cortado a Irrigação (cujo consumo já foi estimado em mais de 500 L/S), a situação seria outra, muito mais tranquila. Estamos, portanto, numa situação semelhante à de São Paulo, porém não igual, já que o caso de São Paulo é muito mais grave.

  • Debatedores,
    não intervi no debate por estar viajando esses dias e por respeitar e tentar entender as razões de quem entra no assunto.
    Em todo caso, o que eu discordo é da lógica do Paulo, já dita outras vezes nesses debates. Repito que essa é uma questão, antes de nada, ética. Então, sinto falta da ética do cuidado, da responsabilidade, do zelo pelos mananciais. Não podemos eternamente depredar perto de nossas casas e ir buscar água – e tudo mais – nos territórios mais distantes, prejudicando outras pessoas e outros ambientes.
    Então, acho que não precisamos nos encontrar no velório do Rio São Francisco e, só então, admitirmos que ele estava morrendo. Vale o cuidado, a precaução, o zelo para mantê-lo vivo, assim como os demais mananciais do Brasil.

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