Água nas eleições, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Aécio disse que vai promover um tsunami para varrer o PT. Lula não perdeu a piada e disse que seria melhor que provocasse um tsunami para encher os reservatórios da Cantareira. Portanto, a questão da água vai estar nessas eleições, ainda que seja por caminhos enviesados, não como merece e precisa ser tratado.
A paisagem de vários e grandes rios nesse momento é o retrato do descaso da civilização brasileira para com eles. A situação já diagnosticada do desmando com nossos mananciais – de superfície e subterrâneos – até agora não implicou em uma nova concepção de relação e cuidado. O fio de água a que está reduzido o São Francisco na região de Pirapora ou entre Sergipe e Alagoas, as pedras expostas do fundo do Rio Grande na divisa de Minas com São Paulo, o leito seco do Tietê na região de Pirapora, a dramática situação dos reservatórios da Cantareira, a longa estiagem que acabamos de atravessar aqui no Semiárido, nenhuma dessas gritantes realidades parece comover políticos, corporações técnicas e capitalistas da água. Aumenta a demanda pela água e conjuntamente a irresponsabilidade no seu uso. A diminuição das chuvas apenas agrava, mas não é a causa fundamental do problema, a não ser que decidamos levar à sério as mudanças climáticas.
Esses dias, num debate no Instituto do Semiárido Brasileiro (INSA), vinculado ao ministério das Ciência e Tecnologia, em Campina Grande, os especialistas nos diziam que situação do Semiárido é pior que a diagnosticada no Atlas do Nordeste pela Agência Nacional de Águas que já indica colapso hídrico de centenas de municípios da região até 2015. Também em um debate na TV Benedito Braga – Conselho Mundial da Água – dizia que a situação dos mananciais brasileiros é pior do que as aparências indicam, inclusive o da Cantareira.
Quando quisemos debater a sério a Transposição de Águas do São Francisco, o governo se recusou e a grande mídia também. As empreiteiras, então, essas simplesmente querem obras. Quando quisemos debater a sério as mudanças no Código Florestal, particularmente aquelas que impactam diretamente os mananciais – proteção de nascentes, matas ciliares, etc. – os ruralistas nos tratoraram, apoiados inclusive por alguns parlamentares e intelectuais de esquerda. Quando criticamos abertamente a demanda de água para irrigação no Semiárido, inclusive de cana, nos dizem que somos os defensores do atraso. Entretanto, já secaram o sistema Cantareira, secaram a água subterrânea da Chapada Diamantina, estão secando as águas dos aquíferos do Oeste Baiano que abastecem o São Francisco, secaram as águas da Chapada do Apodi para irrigar frutas. Na região de Irecê, secaram a barragem de Mirorós para irrigar banana e tiveram que fazer rapidamente uma adutora do São Francisco para abastecer a região. Mesmo assim, no mapa da irrigação brasileira, se fala em irrigar mais 29 milhões de hectares. Dizem que esse é o futuro e que essa é a realidade de outros países. Só não dizem que a demanda de água para irrigação – 70% da água doce utilizada no mundo – é uma das causas fundamentais da crise da água no planeta.
Nem a cheia do rio Uruguai – e a tragédia social vivida pela população – anula esse debate. Pelo contrário, representa apenas a outra face da mesma realidade.
No atual cenário brasileiro, só vejo a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) como aquela que tem atitudes consequentes com a realidade da água e tem sido capaz de construir tecnologias, programas e políticas públicas de cuidado para com a água. De resto, só iniciativas pontuais e discursos.
Pois é, nessas eleições a água será elemento de debate, ainda que tarde. Difícil é saber em que nível – ou desnível – ele se dará. Teremos água nessas eleições, mas não sabemos se teremos água nas torneiras. Isso sim é o atraso.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
EcoDebate, 15/07/2014
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O Gogó faz uma interessante consideração: a água será objeto de debate nas próximas eleições.
No entanto, acho que o debate ficará inócuo se formos reclamar de que A esteja usando mais água do que teria direito, ou se discutirmos se a atividade de Fulano é melhor que a de Sicrano e, por isso, a água deveria ser destinada a Fulano e não a Sicrano. Coisas desse tipo são realmente um atraso.
Sugiro que o debate foque mais na questão do uso racional da água.
Hoje, estamos vivendo uma guerra entre israelenses e palestinos e, talvez, não seja o momento apropriado para citar Israel como exemplo. Mas, deixando a guerra de lado, temos que seguir o exemplo de Israel, que irriga frutas no deserto, sem comprometer a utilização da água em outras atividades.
O Aécio Neves poderia ter respondido ao Lula. “O governo de São Paulo poderia encher os reservatórios do Cantareira buscando água no encravado canal da Transposição do rio São Francisco. Infelizmente, não será possível, pois o canal transpõe apenas bilhões de reais em vez de água”.
Paulo e Jorge,
Será que Israel poderia irrigar o deserto sem subtrair a água dos palestinos? Todos sabem que o controle da água naquela região é uma forma de dominação dos israelenses sobre os palestinos.
Quanto a nós, minha convicção é que é necessário muito mais que racionalidade para começar a superar a tal “crise da água”, na verdade, crise de um modo civilizacional predador também da água. Se não partirmos para a cultura do “cuidado, do zelo, da responsabilidade”, a lógica economicista vai consumir nossos mananciais. O problema hoje já é mais de cuidado com os mananciais que temos que de alargamento do uso, embora ele ainda necessite ser expandido, sobretudo para quem ainda não tem água potável.
Mas, ajudemos no debate. A classe política não é muito afeita a ele.
Malvezzi
Caro Malvezzi, você tem razão. E preciso que ajudemos no debate.
Uma das coisas mais importantes a considerar no trato da água e a questão do reuso.
Por que Israel consegue irrigar o deserto de Sinai sem que os palestinos reclamem por uso indevido da água? Simplesmente porque utilizam a água mais de uma vez.
Aqui no Brasil o reuso ainda e muito pouco praticado. Se São Paulo praticasse o reuso em larga escala, hoje não estaria amargando escassez de água.