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Com a proximidade de mais um Dia do Índio sobram reivindicações

 

Mulheres Guarani participam de oficina sobre práticas alimentares. A atividade aconteceu na aldeia de Tenondé Porã, em São Paulo, e contou com a participação de mulheres de diferentes idades. Foto: CPI/SP
Mulheres Guarani participam de oficina sobre práticas alimentares. A atividade aconteceu na aldeia de Tenondé Porã, em São Paulo, e contou com a participação de mulheres de diferentes idades. Foto: CPI/SP

 

No estado de São Paulo vivem diversos povos indígenas que resistem mantendo viva sua cultura e lutando para terem seus direitos respeitados. Sua presença no estado mais “desenvolvido” do país conflita com o imaginário bastante difundido que associa os índios à florestas distantes.

A forte expansão urbana impacta o meio ambiente e o modo de vida dos índios no estado de São Paulo. Grande parte das terras indígenas do estado encontra-se cercada de áreas desmatadas e urbanizadas e muitas estão cortadas por rodovias, ferrovias e linhas de transmissão. No litoral, a intensa atividade turística é outro fator que também pressiona as terras indígenas, inclusive por conta da especulação imobiliária. Há, ainda, casos de exploração minerária.

Esta é a situação da Terra Indígena de Piaçaguera, localizada em Peruíbe, litoral sul, onde vive uma população de 254 Tupi-Guarani. Os índios sofrem as consequências de cinquenta anos de exploração pela Mineradora Vale do Ribeira Indústria e Comércio de Mineração S/A. Atualmente, 10,5% da terra encontra-se desmatada.

“Antigamente era tudo mato, uma mata alta, segundo os mais velhos. Agora só tem mato baixo, e fica difícil fazer nossas casas. A mineração dificulta a forma de viver como gostaríamos”, afirma Awá Tenondeguá dos Santos, vice cacique da aldeia Piaçaguera.

Os impactos causados pela exploração de areia, que era utilizada para abastecer a indústria automotiva do estado, são diversos e afetam todo o modo de viver dos indígenas. “Os momentos das horas, os dias, mês, ano, tá passando rápido, por que mexeu com yvy jokoa, mexeu com o sustento da terra, por que ela tá fora do eixo e não tá mais de pé. Agora nós estamos vivendo por viver, por que agora tá tudo contaminado o que comemos. Nosso corpo virou química”, conta Mirim, um dos anciões da aldeia Piaçaguera.

Segundo a professora e liderança indígena Ita Mirim da Aldeia Tabaçu antes da mineração “a mata era diferente, tinha uma riqueza muito grande de caça e frutos e de plantas medicinais. Então ficamos com poucos recursos nessa parte alimentar e cultural da caça.”

Além desses impactos, os índios sofrem também com a falta de informação e diálogo entre os órgãos responsáveis pela fiscalização e recuperação da área. Com isso, os índios dependem de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), elaborado pelo minerador sem a participação da comunidade. O plano foi aprovado pelo Ibama, em 2008, e já se encontra em execução. Contudo, os indígenas e a Funai só foram informados este ano do fato, pela Comissão Pró Índio de São Paulo. O órgão indigenista não tem atualmente nenhum projeto de recuperação previsto para a área.

Em carta endereçada à Funai, os indígenas de Piaçaguera solicitaram a paralisação de qualquer trabalho de recuperação até que o PRAD seja apresentado a eles e esteja de acordo com o seu modo de vida.

“A mineração chegou e derrubou tudo, e plantar de novo não é mais o mesmo. Vai ter um tempo que não vai dar mais nada. Vai ter muita qualidade de dinheiro, mas da natureza não. O branco fala: Devastou lá, vamos plantar. Quem que mandou mexer. Nascido da terra é um, plantado é outro. Nascido da terra é uma coisa, plantado Nhanderu não gosta”, relata Mirim.

De acordo com Rodrigo Nacif, chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Coordenação Regional Litoral Sul da Funai, historicamente, a atividade mineradora foi responsável pela expulsão de várias famílias indígenas. “É inadmissível que na situação atual, com a Terra Indígena Piaçaguera declarada e demarcada, a recuperação da área degradada pela mineradora ocorra à revelia da Funai e dos indígenas”, finaliza o antropólogo.

“A Comissão Pró-Índio tem levantado as informações sobre este caso e as levado ao conhecimento dos índios, articulado com a Funai para que esse plano de recuperação seja refeito e que este órgão também se responsabilize pela recuperação da área e se preocupe em tornar a terra indígena uma local mais adequado a vida dos índios, não os deixando na dependência do PRAD para tanto”, disse Otávio Penteado, assessor de Programas da Comissão Pró-Índio.

A Terra Indígena Piaçaguera é um exemplo de um território sujeito à múltiplas pressões: além dos impactos da mineração a terra é rodeada pelas cidades de Itanhaém e Peruíbe, a área indígena é cortada por uma rodovia e sofre com a invasão constante de turistas. A TI foi declarada em 2011 e está atualmente em processo de retirada de ocupantes não índios.

SP: Última terra homologada foi há 16 anos

A situação de Piaçaguera demonstra como os povos indígenas em São Paulo ainda têm um longo caminho para assegurar a efetividade de seus direitos. No Estado, a demarcação permanece como um desafio. “A última homologação de uma terra indígena em São Paulo (TI Aguapeú) ocorreu há 16 anos!”, alerta Otavio Penteado, assessor de programas da CPI-SP. No estado existem 17 terras em processo de demarcação (2 declaradas, 1 identificada, e 14 estão em identificação) e há a informação de outras 16 sem processo iniciado.

Mais da metade das 29 terras indígenas em São Paulo não está demarcada como determina a Constituição Federal. “Esse é o maior problema hoje para os indígenas de São Paulo”, na avaliação do líder indígena Timóteo Verá, membro da Comissão Guarani Yvyrupa, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste).

Otavio Penteado alerta ainda para a morosidade dos processos em andamento “as 14 terras em identificação tiveram seus processos iniciados em 2007 e 2010, ou seja, há uma espera de até 7 anos para a conclusão da etapa inicial de identificação. Pelo que apuramos grande parte dos estudos de identificação foi concluída e aguarda a aprovação da presidência para sua publicação”.

A ausência da demarcação deixa a população vulnerável. “Quando a terra ainda não está demarcada tem a dificuldade em acessar políticas públicas, essa aldeia não vai ter escola e posto de saúde”, explica Timóteo Verá.

Outro desafio é garantir a qualidade de vida em terras, muitas vezes, sem as condições necessárias para a reprodução física e cultural dos povos indígenas, como observa Timóteo Verá: “uma terra pequena não oferece grandes possibilidades de viver tradicionalmente, índio vive de agricultura e gosta de fazer roça, e quando é pequena traz problema.”

Saiba Mais

As terras indígenas estão localizadas em diversas regiões do Estado de São Paulo, porém, há uma concentração maior no litoral e no Vale do Ribeira. A maior população nessas terras é do povo Guarani Mbya e Tupi-Guarani (Ñandeva). Os Kaingang, juntamente com os Terena, Krenak, Fulni-ô e Atikum, ocupam três terras indígenas na região oeste do Estado. A população que vive em terras indígenas é de 5.774 índios.

Há também uma grande população que vive fora de terras indígenas. Segundo o Censo de 2010, dos 41.981 índios vivendo no estado de São Paulo 37.915 encontra-se em áreas urbanas. A cidade de São Paulo é a cidade brasileira onde há mais índios que moram no espaço urbano, 11.918 pessoas, e em sua região metropolitana há, entre outras, uma grande quantidade de indígenas de etnias vindas do Nordeste, como Pankarés e Pankarurus.

Por Bianca Pyl, da Comissão Pró-Índio de São Paulo, para o EcoDebate, 16/04/2014


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