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MPF obtém reparação a povos indígenas em razão dos danos causados pela rodovia Transamazônica

 

terras indígenas dos Tenharim e Jiahui
Violência contra os indígenas é antiga como a grilagem de terras; indígenas cobram compensação por danos e mortes causados desde a abertura da Transamazônica. Foto em A Pública.

 

Proteção de locais sagrados, garantia de acesso à educação e instalação de polo-base nas terras indígenas dos Tenharim e Jiahui estão entre as medidas asseguradas em decisão liminar

A Justiça Federal concedeu liminar em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) determinando que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) adotem medidas para reparar os danos permanentes causados aos povos indígenas Tenharim e Jiahui em decorrência da construção da rodovia Transamazônica (BR-230) em seus territórios.

A decisão estabelece que locais sagrados e espaços imprescindíveis ao sentimento de pertencimento dos povos indígenas em questão sejam preservados e que a presença e a participação dos indígenas nas escolas ou faculdades seja assegurada, se necessário com a adoção de medidas de segurança, evitando prejuízo ao ano letivo. Os locais a serem protegidos devem ser indicados pelos próprios indígenas e as medidas para preservação devem ser efetivadas em 180 dias.

A União e a Funai devem ainda promover a instalação de polo-base de saúde indígena nas terras dos povos Tenharim e Jiahui, com lotação de equipe multidisciplinar e estocamento de medicamentos adequados, na forma disciplinada pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). O prazo para a instalação de polo-base determinado pela liminar é de um ano.

Danos permanentes – Na ação civil pública, o MPF/AM aponta que a construção da estrada causou danos ambientais, danos socioculturais e dano moral coletivo, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam a região.

A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerou prejuízos quanto ao uso do solo para atividades agrícolas, poluição atmosférica, acúmulo de lixo, redução da fauna – implicando novas readaptações nas atividades de caça –, desmatamento e alteração dos cursos d’água.

No âmbito sociocultural, o período da construção da rodovia gerou um impacto de grandes dimensões, quando houve forte contato interétnico, causando mortes em decorrência de doenças levadas pelos operários. Além disso, o MPF/AM aponta que a ‘pacificação’ promovida pela Funai e o recrutamento para o trabalho nas obras causou forte desestruturação no grupo indígena, que, acuado por conta das atividades de tratores e aviões no local, deixou de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios sagrados.

Os Tenharim não abandonaram a região, tendo se deslocado do rio Marmelos para as margens da rodovia justamente para estarem próximos de seus territórios sagrados. Ainda assim, a promoção do desmatamento e elaboração do traçado da rodovia sobre locais sagrados para os indígenas representou nova violação de seus direitos. Já o povo Jiahui sofreu grande diminuição, chegando a contar, às vésperas da demarcação da terra indígena, com apenas 17 pessoas.

A terra indígena Tenharim Marmelos teve o seu processo de demarcação concluído em 1996 e a Terra Indígena Jiahui teve a demarcação homologada em 2004. Em termos populacionais, os Tenharim abrangem, atualmente, 962 indígenas (737 na TI Tenharim Marmelos, 137 na TI Tenharim do Igarapé Preto e 88 na TI Sepoti). Os Jiahui totalizam 98 indígenas.

Dano moral coletivo – Ainda na ação, o MPF/AM sustenta que os fatos ocorridos por ocasião da construção da estrada representaram ofensa aos direitos fundamentais dos povos Tenharim e Jiahui, ensejando a reparação por dano moral coletivo, em razão da omissão da União e da Funai.

Por isso, o MPF/AM pede, ao final do processo, a condenação da União e da Funai ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 milhões cada, totalizando R$ 20 milhões, em conta específica em favor dos povos Tenharim e Jiahui, a serem aplicados em políticas públicas em favor deles, sob a coordenação da Funai, a partir de definição pelas próprias comunidades.

O pedido inclui ainda a reforma de escolas nas aldeias Coiari, Taboca e Mafuí, a construção de novas escolas com professores contratados e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem, a criação de um centro de memória e a publicação de material didático sobre os impactos da construção da rodovia sobre os povos Tenharim e Jiahui, ressaltando as características desses povos e os direitos sobre suas terras, com ampla distribuição, principalmente nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí.

A ação continua tramitando sob o nº 0000243-88.2014.4.01.3200, tendo sido redistribuída para a 1ª Vara Federal no Amazonas.

Apuração iniciada no ano passado – Em abril de 2013, após reunião com lideranças das etnias Tenharim e Jiahui, o MPF/AM instaurou inquérito civil público para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro por possíveis violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas durante a construção da Transamazônica, no período da ditadura militar.

Durante a segunda edição do projeto MPF na Comunidade, em junho do ano passado, representantes do MPF estiveram na terra indígena Tenharim Marmelos, quando constataram ‘in loco’ os prejuízos e danos sofridos pelos povos Tenharim e Jiahui em decorrência da existência da rodovia em seus territórios e colheram relatos dos índios sobre o caso. Na ocasião, foi elaborado um laudo antropológico com o fim de subsidiar as ações a serem tomadas pela instituição.

Conflitos na região – Desde o último dia 25 de dezembro do ano passado, a cidade de Humaitá vive dias de instabilidade por conta de protestos violentos que já resultaram na depredação de prédios e bens públicos de órgãos e autarquias federais relacionados a políticas públicas voltadas aos povos indígenas, além de ameaças a um grupo de indígenas que estava na cidade para tratamento de saúde. Os manifestos estariam relacionados ao suposto desaparecimento de três pessoas na área da terra indígena Tenharim Marmelos, cortada pela rodovia Transamazônica (BR-230).

Ainda em dezembro, o MPF/AM expediu recomendação para cessar incitação à violência e discurso de preconceito contra indígenas, indicando a retirada de conteúdos de portais, blogs e redes sociais na internet que continham informações com caráter discriminatório, preconceituoso ou que incitassem a violência, o ódio e o racismo contra os povos indígenas da região.

O MPF/AM também entrou com uma ação judicial para garantir a segurança dos indígenas da região diante da ameaça de invasões à terra indígena Tenharim Marmelos por não indígenas. O pedido foi atendido pela Justiça Federal, por meio de decisão liminar.

Em janeiro deste ano, diante da situação de calamidade que os índios enfrentavam em razão dos conflitos, o MPF/AM recomendou aos órgãos públicos e autoridades locais e nacionais que adotassem medidas para garantir assistência material, com envio de alimentos e medicamentos e a garantia de assistência médica.

Outra recomendação foi enviada pelo MPF/AM às secretarias de educação e instituições de ensino superior para garantir o acesso à educação aos índios dos municípios de Humaitá e Manicoré, no sul do Amazonas. O objetivo da medida foi o de assegurar o funcionamento das escolas indígenas nas aldeias e a frequência às aulas dos índios matriculados em escolas regulares dos municípios, em cursos técnicos e em cursos de nível superior.

Na última semana, o MPF/AM processou o administrador da página Portal Apuí no Facebook, Ivani Valentim da Silva, pela veiculação de notícias com conteúdo discriminatório e incitação ao ódio contra os povos indígenas da etnia Tenharim. A ação pediu que a Justiça determinasse a retirada de todas as publicações e comentários da página que citassem o povo tenharim, no prazo de 48 horas, e obrigasse o administrador a se abster de publicar novas mensagens relacionadas aos indígenas da etnia.

Fonte: Procuradoria da República no Amazonas

EcoDebate, 18/02/2014


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