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A elevada fatura da Fratura Hidráulica (Fracking)

 

xisto

 

Portugal – Jornal Mapa – [Filipe Nunes] A revolução energética do gás de xisto anuncia lucros fabulosos às multinacionais petrolíferas. Surgem na crise como a grande saída económica, mas o secretismo é a alma do negócio.


A sua exploração por fractura hidráulica comprovou ter perigosas implicações ambientais e na saúde pública. Em Portugal, da região oeste à costa vicentina, de Alcobaça ao Barreiro, o estado português hipotecou já milhões de hectares a troco de uma factura demasiado alta.

Boa parte do futuro do planeta joga-se na questão da crise energética. Em seu torno ficou conhecida a teoria do Pico do Petróleo, que proclamou o inevitável declínio da produção viável de petróleo, com consequências na “geo”política. Um cenário inerente às crises da economia do mercado e que traduz o colapso da ideia de bem-estar generalizado das sociedades industrializadas. Dependendo de um constante fornecimento de petróleo barato e equacionando um sentido de desenvolvimento à medida do aumento exponencial do consumo energético, foram apresentadas uma série de alternativas energéticas e novos recursos fósseis. Mas o que se observa é que persistem sacrossantos os mesmos princípios: que sejam abundantes e fáceis de conseguir e sem olhar a impactos; que garantam o combustível necessário para manter inquestionável o modo de vida industrializado em crescendo. E este é cada vez mais acelerado, global e voraz.

Fractura hidráulica (em inglês fracking) é um processo utilizado com vista à obtenção de maior produção de um poço (perfuração horizontal) com a propagação de fracturas numa camada de rocha causada pela presença de líquidos pressurizados

Gás de Xisto

É neste contexto que surge o gás de xisto. A partir dos hidrocarbonetos incrustados nas rochas, a sua exploração começou a ser implementada em larga escala nos EUA, em 2007/ 2008. Não é por mero acaso que coincide com o anúncio da crise financeira mundial.

A grande controvérsia do gás de xisto surge do seu modo de extração: a chamada fractura hidráulica (fracking). Processo utilizado com vista à obtenção de maior produção de um poço (perfuração horizontal) com a propagação de fracturas numa camada de rocha causada pela presença de líquidos pressurizados. Ou seja, a injecção de milhões de litros de água, areia e uma mistura de centenas de detergentes químicos, que fracturam a rocha para extracção do gás. Mas há dois grandes problemas: a infiltração e contaminação química nos aquíferos e subsolo; e o potenciar de terramotos.

Falamos de tão grandes níveis de contaminação que levam a que em tais águas chegue a ser possível acender fogo, de tal forma viraram combustível. Falamos de riscos para a saúde e para o ambiente, incalculáveis na sua dimensão, pois a fórmula dos químicos usados na fractura hidráulica não é revelada, alegando uma política de patentes. Mas entre as substâncias conhecidas, estão elementos cancerígenos como o benzeno, a nafta ou o chumbo, etilenoglicol, etc. E para lá dos gastos gigantescos num contexto de escassez, a água retirada durante o processo acaba despejada em áreas sem qualquer impermeabilização, infiltrando-se de novo ou evaporando-se na atmosfera. Juntando-se às substâncias cancerígenas e neurotoxinas evaporadas na extracção; à emissão de metais pesados e à libertação de metano, um gás 25 vezes superior ao do CO2, de enorme impacte no efeito de estufa, e resultando na morte da fauna e ecossistemas envolventes.

Já o comentador de assuntos económicos Francisco Sarsfield Cabral, em Março de 2013, dava conta de outros receios à Rádio Renascença: como “na região holand esa de Groningen, onde se situa a maior jazida de gás natural da Europa, as populações receiam que o fracking, ali utilizado, aumente os tremores de terra que por lá se sucedem.” Um artigo do Instituto Carbono Brasil, com base numa investigação da Universidade de Colúmbia, exemplificava como pelo menos 109 terramotos foram registados na cidade de Youngstown (Ohio), num período de apenas 14 meses. Não havia registos anteriores de abalos sísmicos na área e estes teriam começado somente 13 dias após o início da exploração do gás de xisto na região.

É neste cenário de risco que os EUA esperam transformar-se no maior produtor mundial de gás em 2015 e o maior produtor de petróleo em 2017. Segundo a Agência Internacional de Energia, citada pelo Le Monde Diplomatique, a alta programada para a produção de hidrocarbonetos passaria de 84 milhões de barris / dia em 2011 para 97 milhões em 2035, à conta “inteiramente dos gases naturais líquidos e dos recursos não convencionais”: o gás e o óleo de xisto. Dados que devem ser vistos com reserva, uma vez que são formulados pelas instâncias petrolíferas. A manipulação dessas previsões não é isenta de especulação financeira, criando, a nível das energias fósseis, o mesmo ilusionismo financeiro que levou antes a banca mundial a desenhar os diversos cenários das crises em que vivemos. E neste caso, aproveitando o panorama da crise para anunciar o gás de xisto como a saída para a economia, omitindo ou justificando todos os riscos associados, como se de um mal menor se tratasse.

Isso não significa que o perigo não seja conhecido, mesmo que não haja qualquer legislação que exija estudos de impacte ambiental. E se países como a China ou a Polónia (com grandes reservas calculadas de gás de xisto) estejam a investir na exploração, outros como França, Bulgária, África do Sul, Austrália, algumas regiões da Alemanha e da Suíça, e mesmo nalguns estados dos EUA, têm vindo a colocar limites à fractura hidráulica.

Em Portugal

Em Portugal a procissão ainda vai no adro. António Mexia, o líder da EDP detida pelo estado Chinês, fez eco das reivindicações das grandes empresas europeias do sector energético (Iberdrola, Gas Natural Fenosa, Enel, ENI, GDF Suez, RWE, E-ON, Gasterra, Vattenfall e CEZ Group), exigindo uma série de reformas. Segundo o jornal i, António Mexia, reclamava em Outubro não haver na Europa “uma política integrada para o shale gas [gás de xisto] e há até países que proibiram a exploração de shale gas”. Daniel Gros, director do Centro de Estudos Políticos Europeus, respondia nesse mesmo mês no Jornal de Negócios, apontando as diferenças entre a Europa e os EUA: desde logo, por não haver na União Europeia nenhuma autoridade para o desenvolvimento do gás de xisto, regulamentado a nível nacional. E reconhecendo “que os europeus são muito sensíveis às questões ambientais”, lamentava que “na Europa, o fenómeno Nimby («not in my backyard», que significa “não no meu quintal”) é um obstáculo muito maior que nos Estados Unidos”. Prosseguia, indicando a diferença, segundo a qual “os direitos de propriedade sobre os recursos naturais nos Estados Unidos pertencem ao proprietário do terreno debaixo do qual se encontram os recursos, na Europa a propriedade pertence ao Estado (…) , como resultado, os europeus, enfrentando consequências ambientais imprevisíveis sem receber nada das receitas, tendem a opor-se à fracturação hidráulica próxima de si. Pelo contrário, nos Estados Unidos, os residentes locais beneficiam muito da possibilidade de vender os seus direitos às empresas de gás – um forte contrapeso para os receios com os custos ambientais.” Ainda segundo este analista europeu, a menoridade dos custos ambientais face a esse “forte contrapeso” não teria a mesma medida na Europa por via desses “direitos de propriedade”. Nessas incertezas económicas, as implicações ambientais são tidas apenas ao nível do obstáculo ao investimento e levam Daniel Gros a conclui que “a melhor opção para a Europa pode ser esperar e deixar que o mercado funcione”. Já o presidente da Endesa em Portugal e ex-secretário de Estado da Energia, Nuno Ribeiro da Silva, lembrava ao Dinheiro Vivo outra explicação para as opções europeias, ou como “a Europa está entalada” por via dos gasodutos de gás natural já investidos e os “contratos de longo prazo com a Nigéria e Argélia [por via das petrolíferas] que têm de ser pagos mesmo que não se levante o gás todo”.

A verdade é que o mercado não espera. Em Maio de 2011, segundo promovia o Expresso, a Schlumberger, uma das maiores empresas de engenharia de Oil & Gas no mundo, destacava a bacia portuguesa “onshore” e “offshore”. Razão porque a empresa norte-americana Mohave Oil and Gas Corporation, da Porto Energy Corporation, opera em Portugal desde há 20 anos na prospecção de petróleo e de gás: seja “onshore” (em terra, em Aljubarrota, Rio Maior e Torres Vedras), seja “offshore” (no mar, ao largo de São Pedro de Moel e Cabo Mondego).

Até finais de 2006, apenas essa multinacional operava em Portugal, explorando a Bacia Lusitânica desde o Cabo Mondego até Torres Vedras, mas em 2007 foram assinados 12 novos contratos com o estado português, incluindo novas concessões nessa área com a Mohave. O consórcio da brasileira Petrobras, com as portuguesas Galp e Partex (empresa da Fundação Calouste Gulbenkian), obtém a concessão da bacia de Peniche. Na bacia “offshore” do Alentejo – costa vicentina em particular – o consórcio coube à Hardman / Galp / Partex, o qual transita em 2010 para o consórcio Petrobras / Galp. A exploração da bacia do Algarve é adjudicada à espanhola Repsol em parceria com a alemã RWE, vindo posteriormente a ser igualmente participada pela Partex e, em contrapartida, o grupo espanhol entra na exploração de Peniche.

Portugal ainda está, assim, no início. Nesta última década, o maior destaque e investimento incidiu nesse âmbito na região Oeste (Bacia Lusitânica). As cerca de 23 perfurações feitas pela Mohave, que levantaram alguns protestos e preocupações devido à proximidade dos poços em relação à vila e mosteiro de Alcobaça, levaram que, por agora, se fechassem os poços, sabendo-se apenas que são “economicamente não viáveis”, apesar de em furos de 3,240 metros terem sido registados colunas de gás e areias de petróleo.

Isso não significa o abandono ou desistência da região. Nos concelhos do Bombarral, Cadaval e Alenquer, a Galp Energia prossegue, em parceria com a Mohave, a exploração petrolífera no “onshore” português. “Empenhada em reforçar a sua estratégia, como se pode verificar pela opção de se tornar operadora na concessão Aljubarrota-3”, afirmou o seu presidente executivo Manuel Ferreira de Oliveira em declarações ao Dinheiro Vivo, sendo que “isso não significa que a exploração de gás de xisto seja viável nessa concessão”.

Por fim, em Fevereiro de 2013, a Direcção Geral de Energia e Geologia concedeu a exploração de gás e petróleo na margem sul do Tejo, até 2021, à canadiana Oracle Energy Corporation. O concelho do Barreiro foi anunciado como o ponto de partida, assim como vários locais da Península de Setúbal. Esta nova área da Bacia Lusitânica, na sua quase totalidade de exploração em terra, é uma vez mais feita em parceria com a Mohave, a qual só por si detém uma área de aproximadamente 1,3 milhões de hectares contíguos a esta nova frente de exploração.

O entusiasmo, na actualidade, parece efetivamente ter transitado da região Oeste para as zonas mais a Sul. Segundo a apresentação da estratégia de negócio da Galp até 2017: “neste momento, nesta fase dos estudos geológicos, a probabilidade de investimento seria mais na bacia do Alentejo do que na bacia de Peniche”, assumindo que “Portugal é um investimento de risco. Ou tem sucesso ou não tem e até ao final deste ano tomamos a decisão de perfurar ou não um poço em 2014 e tanto podemos avançar como podemos devolver a concessão ao Estado”, até porque prosseguem pela Galp investimentos mais animadores em recentes descobertas no Brasil e em Moçambique.

Neste cenário corporativo, maior entusiasmo demonstrou o presidente da Partex, António Costa e Silva, ao Dinheiro Vivo em Outubro passado, acerca deste novo mercado mundial de energia: “É um impacto brutal e uma mudança geopolítica impressionante. E agora até estão a produzir petróleo de xisto, o que fez a produção diária crescer um milhão de barris. Foi a maior do mundo”. Logo secundado pelo presidente da Endesa Nuno Ribeiro da Silva, acalmando as hostes ambientalistas: “Há situações em que há riscos, e situações em que ele não existe, mas o gás de xisto não é o papão”. Mas não sem deixar de aconselhar que a um “mapeamento das zonas do país onde há condições geológicas para a existência de gás e petróleo de xisto” haveria que “cruzar essas zonas com os aquíferos e com as zonas de instabilidade sísmica”…

Em Oposição

A passagem do filme Terra Prometida (2012) do realizador Gus Van Sant, em torno de uma povoação confrontada com a exploração do gás de xisto, dava o mote na Casa Viva no Porto, em Novembro passado, para questionar essa “miragem de uma espécie de terra de abundância, vislumbrando aquilo que chamam a «independência energética»”: Que Abundância? Que Terra? Que Energia? Que Futuro?

O assunto tem sido, desde Novembro, de 2012, alvo de divulgação por parte das iniciativas Gasnaturalnao e Tar Sands day – alimentando o blog gasnaturalnao.wordpress.com – assumindo um esforço não para “ter reuniões com as corporações ou com a classe politica”, mas para “levar os cidadãos locais a investigar o comportamento das corporações nas suas localidades e agir em conformidade”. Um ano depois, o Bloco de Esquerda e Os Verdes manifestam-se contra a fracturação hidráulica, propondo estes últimos a 11 de Outubro uma moratória à exploração de gás de xisto.

Uma reflexão no blog gasnaturalnao, ilustrava, a este propósito, como “os dias de hoje em Portugal são uma cópia dos anos 80, temos uma coligação de direita liberal cristã, encontramo-nos sobre leis do FMI, o apoio político nacional e europeu às corporações de petróleo estão protegidas como nos anos 80, e as «necessidades sociais e políticas» são iguais. O investimento do governo nas instalações saiu caro aos povos e depois foram privatizadas, estando hoje ao serviço da nova aposta petroquímica nacional e internacional na exploração de petróleo e gás natural em Portugal. As lutas, soluções, lobbing e as políticas dos partidos de hoje são iguais às dos anos 80. A direita alimenta-se da crise e abre portas a multinacionais mundiais e vende acres de chão e mar para lucro corporativo. A esquerda, utilizando o trabalho não ataca a exploração mas sim o fim dos lucros”. Ao facto de pouco se falar sobre os negócios petrolíferos na esfera politica, junta-se o débil debate que apenas agora se inicia no meio ambientalista.

O ambiente propício da crise determina, em boa parte, esse quase silêncio. O argumento economicista ofusca, uma vez mais, as questões ambientais e sobre a verdadeira sustentabilidade dos territórios, completamente menorizados ou ultrapassáveis , pois enquanto se continue a acreditar “nas boas intenções das corporações, que hajam grupos ambientalistas que se sentem à mesa, que aceitem percentagens, limites de poluição, que se troque apoio social com destruição ambiental nada vai mudar” acentua o blog gasnaturalnao. No entanto, em Espanha e no resto do mundo, a luta contra a fracturação hidráulica é hoje um campo de vitalidade e de esperança numa mudança. As mobilizações de assembleias populares, por exemplo na região espanhola de Burgos, vão impondo alguns travões por via da auto-organização, levando atrás declarações dos municípios contrários à implementação da indústria do gás de xisto, numa postura informada diametralmente oposta ao que assistimos em Alcobaça, Caldas da Rainha ou Torres Vedras. Já no âmago do fracking, como no Canadá em Outubro passado, incendiaram-se as ruas num violento grito de protesto face à destruição humana e da natureza implícita à fracturação hidráulica.

A fractura hidráulica é um processo altamente perigoso pela infiltração e contaminação química nos aquíferos e subsolo, e pelo aumento de risco de terramotos.

Revolução Energética?

Concluindo, a grande revolução energética do gás de xisto não resulta em nenhuma saída sustentável para o descalabro consumista das actuais sociedades industriais. Apenas pretende optimizar a margem de lucro da restrita teia das multinacionais, com o despudor de acentuar os riscos ambientais do planeta. A persistente noção de como o nosso modo de vida industrializado depende constantemente do fornecimento de petróleo barato, leva a que quaisquer oposições coerentes a estas revoluções energéticas apenas possam ter lugar num âmbito diametralmente oposto a esse modo de vida.

E nas últimas décadas um conjunto de movimentos – do decrescimento, iniciativas de transição ao anti-desenvolvimento e de crítica civilizacional – vêm apontando não uma solução imediata, mas um conjunto de rumos para levar a cabo modos de vida menos dependentes de recursos energéticos e maior resiliência. Este último conceito, oriundo da ecologia, significa precisamente a capacidade de um sistema restabelecer o equilíbrio após ter sido rompido por um distúrbio. Diferindo de resistência, enquanto capacidade de manter a mesma estrutura, mas antes como uma capacidade de reformulação radical dos seus princípios. Esse alerta à actual dependência do petróleo (transportes, produção industrial e alimentar, infra-estruturas, etc.) implica, assim, um sentido de ruptura que não será fácil. Pelo que a necessária conflituosidade, capaz de deitar por terra os alicerces do sistema, passa no âmbito energético não apenas por apontar alternativas aos recursos fósseis, como o gás de xisto, mas em apontar alternativas aos princípios e à natureza da sua exploração capitalista.

Análise socializada pelo Diário Liberdade (Pt) e reproduzida pelo EcoDebate, 03/02/2014


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