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Parque Nacional de Abrolhos, um santuário ameaçado. Entrevista com Rodrigo Leão de Moura

 

“É o único local do país onde se pode encontrar praticamente todas as espécies de corais do Atlântico Sul em um único mergulho”, destaca pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Fonte: www.naturezabrasileira.com.br

O Parque Nacional Marinho dos Abrolhos foi criado por meio de um decreto federal em 1983 e possui uma área de mais de 91,3 mil hectares. Localizado no Oceano Atlântico, no litoral sul da Bahia, o Parque é composto por cinco ilhas, sendo que o desembarque só é possível em uma delas, onde se pode percorrer uma trilha de 1.600 metros em torno dela. Porém, é debaixo d’água que o arquipélago guarda sua principal riqueza ecológica, nas formações de recifes e corais que datam dos primórdios da formação geológica terrestre. “Para se ter uma ideia dessa posição de destaque de Abrolhos no cenário global, basta observar que os corais do gênero Mussismilia [1] (corais-cérebro), principais construtores dos seus recifes, são considerados espécies-relíquia, com origens que remontam a 15 milhões de anos. Representam, portanto, uma das linhagens de corais viventes mais antigas do planeta e que sobrevive apenas em alguns locais da costa brasileira”, explica o professor e pesquisador Rodrigo Leão de Moura, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

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Apesar da importância ecológica em âmbito mundial do Parque Nacional de Abrolhos, a área de cobertura protegida ambientalmente corresponde a menos de 1% do território do Banco de Abrolhos. “Ou seja, a maior parte das formações carbonáticas de Abrolhos ainda não está protegida. Na década de 1980, os cientistas que propuseram a criação do Parque Nacional sugeriram uma área de proteção muito maior, mas as pressões políticas prevaleceram. A história permanece inalterada, uma vez que as recomendações recentes para ampliação das áreas marinhas de proteção têm sido sistematicamente ignoradas, ou mesmo distorcidas, pelo governo”, aponta Rodrigo.

Outra questão que preocupa o pesquisador é o risco ambiental que a exploração de petróleo oferece à biodiversidade marítima, isso porque o prejuízo é de todos. “O risco de destruição desse sistema pelas indústrias petrolíferas e de mineração é enorme e bastante concreto. Há planos de minerar os carbonatos até mesmo para fertilização de lavouras de cana-de-açúcar. Por outro lado, as medidas para mitigar e controlar possíveis acidentes são mínimas. Ou seja, a sociedade acaba assumindo boa parte dos custos e todo o risco que a indústria impõe aos recursos naturais e à saúde da população”, critica o pesquisador.

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Foto: Arquivo Pessoal

Rodrigo Leão de Moura é graduado em Ciências Biológicas, possui mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor Adjunto do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e pesquisador associado ao Laboratório de Análise e Monitoramento da Biodiversidade do SAGE (Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção), na COPPE/UFRJ. Desde 1991 participa de projetos de pesquisa aplicada à conservação marinha e projetos de extensão comunitária, principalmente na região do Banco dos Abrolhos e em ilhas oceânicas brasileiras. Além disso, é coordenador executivo da Rede Abrolhos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o Parque Nacional de Abrolhos significa em termos de biodiversidade aquática? Trata-se de um dos principais parques marítimos do mundo?

Rodrigo Leão de Moura – Abrolhos é o primeiro Parque Nacional Marinho brasileiro. Criar essa área marinha protegida, em 1983, foi uma escolha sensata, uma vez que ela visa promover o acesso público ordenado e proteger a biodiversidade do nosso maior complexo de recifes coralíneos. É o único local do país onde se pode encontrar praticamente todas as espécies de corais do Atlântico Sul em um único mergulho. Como boa parte dessas espécies é endêmica do Brasil, o Parque tem relevância global. Para se ter uma ideia dessa posição de destaque de Abrolhos no cenário global, basta observar que os corais do gênero Mussismilia (corais-cérebro), principais construtores dos seus recifes, são considerados espécies-relíquia, com origens que remontam a 15 milhões de anos. Representam, portanto, uma das linhagens de corais viventes mais antigas do planeta e que sobrevive apenas em alguns locais da costa brasileira.

IHU On-Line – Há 30 anos o parque de Abrolhos foi considerado um local permanente de preservação ambiental. Qual a sua importância no ecossistema global?

Rodrigo Leão de Moura – Além de proteger a biodiversidade dentro dos seus limites, o parque funciona como um manancial de ovos e larvas para colonização de áreas adjacentes submetidas à pesca intensa. Além disso, os recifes são peças-chave no ciclo do carbono nos oceanos, uma vez que mineralizam e imobilizam esse elemento na forma de carbonato de cálcio. Lamentavelmente, o Parque Nacional tem uma cobertura muito pequena, representando menos de 1% da área do Banco dos Abrolhos. Ou seja, a maior parte das formações carbonáticas de Abrolhos ainda não está protegida. Na década de 1980, os cientistas que propuseram a criação do Parque Nacional sugeriram uma área de proteção muito maior, mas as pressões políticas prevaleceram. A história permanece inalterada, uma vez que as recomendações recentes para ampliação das áreas marinhas de proteção têm sido sistematicamente ignoradas, ou mesmo distorcidas, pelo governo.

IHU On-Line – No Facebook há uma página intitulada “Salve Abrolhos”. A principal demanda é em relação à pesca ilegal na região. Que tipos de danos esta prática traz ao ecossistema?

Rodrigo Leão de Moura – A sobrepesca, além de pressionar as espécies-alvo, pode acabar gerando efeitos em cadeia. Por exemplo, quando a abundância de peixes herbívoros é reduzida pela exploração excessiva, os corais acabam sendo “sufocados” por algas e microrganismos. Nesse processo, organismos construtores como os corais, cujo crescimento é muito lento (milímetros por ano), vão sendo substituídos por organismos não construtores, que podem crescer rapidamente, na ordem de alguns centímetros por dia. Ao longo da última década, nosso grupo vem monitorando os recifes de Abrolhos sistematicamente, com expedições anuais, e vem constatando os efeitos negativos da sobrepesca e da poluição. Por outro lado, nos recifes de Corumbau [2], uma Reserva Extrativista no extremo norte do Banco dos Abrolhos, fomos capazes de demonstrar que o manejo adequado pode recuperar estoques de peixes e gerar benefícios para a pesca artesanal.

IHU On-Line – Como se deu a formação geológica e da biodiversidade nos recifes de Abrolhos? Que particularidades possuem e por que é o principal do Atlântico Sul?

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Rodrigo Leão de Moura – Embora o embasamento geológico dos recifes seja muito antigo, da ordem de milhões de anos, a forma peculiar dos recifes do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, tais como os conhecemos hoje, são resultado da última transgressão (subida do nível do mar), iniciada a cerca de 20 mil anos, com o aquecimento após o último máximo glacial. Os “chapeirões”, que são as colunas recifais em forma de cogumelos gigantes (algumas têm mais de 20 metros de altura), típicas do Parcel dos Abrolhos, possuem o topo achatado e expandido lateralmente em função da estabilização do nível do mar em níveis próximos ao atual, a partir de cerca de 5.000 anos antes do presente. Trata-se de um tipo de formação com características únicas em todo o mundo, assim como as “buracas”, outra formação recifal peculiar de Abrolhos. As “buracas”, descritas pela ciência apenas em 2013, são concavidades estreitas com dezenas de metros de profundidade, as quais funcionam como reatores de matéria orgânica, fertilizando o Banco dos Abrolhos com nutrientes que alimentam o plâncton [3] e toda a cadeia alimentar. Ao contrário dos “chapeirões”, as buracas não se encontram protegidas pelo Parque Nacional e têm sido submetidas a grande esforço de pesca, justamente em função da concentração de biomassa em seu entorno.

IHU On-Line – Qual a importância dos recifes de corais para o equilíbrio marítimo?

Rodrigo Leão de Moura – Os recifes coralíneos de Abrolhos incluem não somente as formações construídas por corais, mas também os imensos bancos de rodolitos [4], que são construídos principalmente por algas coralináceas. Essas formações recifais ocupam uma área de mais de 20 mil quilômetros quadrados na região de Abrolhos, no entorno do Parque Nacional, sendo responsáveis pela mobilização de mais de 1 kg de carbonato de cálcio por metro quadrado a cada ano. A descoberta dessa enorme “biofábrica” de carbonato de cálcio, em 2012, e suas implicações para o equilíbrio do Atlântico Sul, foi recentemente destacada no prestigioso jornal Science. Vale ressaltar que a mineralização do carbonato de cálcio depende de condições físico-químicas peculiares que vem sendo alteradas drasticamente pela acidificação dos oceanos, por conta do CO2 antropogênico lançado na atmosfera, cujo destino principal é o Oceano.

IHU On-Line – Considerando o projeto do Estado de exploração petrolífera, há algum risco de que a região do Parque Nacional de Abrolhos seja contaminada em caso de acidentes? Existem maneiras de minimizar os riscos de desastres ambientais?

Rodrigo Leão de Moura – O risco de destruição desse sistema pelas indústrias petrolíferas e de mineração é enorme e bastante concreto. Há planos de minerar os carbonatos até mesmo para fertilização de lavouras de cana-de-açúcar. Por outro lado, as medidas para mitigar e controlar possíveis acidentes são mínimas. Ou seja, a sociedade acaba assumindo boa parte dos custos e todo o risco que a indústria impõe aos recursos naturais e à saúde da população. Os planos de contingência são extremamente deficientes, uma vez que não contemplam infraestrutura de resposta compatível com grandes acidentes e incluem medidas que podemos classificar como patéticas, tais como o afugentamento de cetáceos com aeronaves em voo rasante no caso de derrame de óleo. Pode-se dizer que esses planos são meras formalidades burocráticas. Para ilustrar o descaso com o patrimônio de Abrolhos, basta observar que o Parque Nacional Marinho mais importante do país sequer conta com uma Zona de Amortecimento, conforme estabelece a lei. Os investimentos públicos e privados na conservação de Abrolhos são irrisórios, como atestam os problemas básicos de infraestrutura que persistem desde a criação da unidade. Não há sequer uma base de pesquisa na região. As Reservas Extrativistas do entorno (Cassurubá, Corumbau e Canavieiras), cujo objetivo é proteger as populações locais e a sustentabilidade da pesca, também se encontram em um cenário de escassez de recursos e infraestrutura extremamente deficiente. A indústria petrolífera até tem patrocinado projetos ambientais voltados a espécies bandeira, aquelas com apelo e carisma popular, mas podemos dizer que essas ações, além de insuficientes, são mais voltadas ao marketing do que à questão ambiental, que é muito mais abrangente.

IHU On-Line – De que ordem seriam os prejuízos ambientais, em termos de biodiversidade, caso houvesse vazamento de petróleo na área de proteção do Parque?

Rodrigo Leão de Moura – Eu diria que um vazamento de grande monta, tal como o observado no Golfo do México, implicaria na aniquilação de vários compartimentos do sistema recifal de Abrolhos. Não há como calcular uma perda desse tipo. É preciso encarar essa realidade de forma mais realista, sensata e pragmática, e não esperar que a sorte nos proteja.

IHU On-Line – A que tipos de riscos ambientais o Arquipélago de Abrolhos está suscetível?

Rodrigo Leão de Moura – Os recifes coralíneos são ambientes frágeis, considerados como sentinelas da saúde do Oceano. Para ilustrar o que estou dizendo, ressalto o fato de que mais da metade dos recifes de coral do mundo já desapareceu. Os corais são um exemplo clássico do que os cientistas chamam de holobionte, ou seja, são consórcios de organismos que dependem de uma rede intrincada de associações envolvendo vírus, bactérias, fungos, dinoflagelados [5] e organismos multicelulares. Por isso os corais sofrem fortemente com alterações na qualidade do ambiente. Um dos efeitos conhecidos do desequilíbrio nessas associações do holobionte é o fenômeno do branqueamento, que pode levar os corais à morte. Acidentes da indústria petrolífera, grandes obras de infraestrutura e dragagens na zona costeira, urbanização descontrolada e pobreza (falta de saneamento), degradação das bacias hidrográficas (desmatamento), sobrepesca e mudanças climáticas agem em sinergia para produzir esse quadro alarmante de degradação dos recifes em escala global. Em um trabalho recente, nosso grupo de pesquisa mostrou que, se não houver reversão das tendências atuais, os corais de Abrolhos estarão sob risco de extinção ainda neste século.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Rodrigo Leão de Moura – Apesar do quadro alarmante, ainda há tempo para agir. O motor da mudança é a informação de qualidade e a mobilização da sociedade. Precisamos de uma mudança imediata de paradigma, e esta passa pelo envolvimento verdadeiro dos diferentes setores no sentido de reverter o quadro de degradação e encontrar soluções para a restauração dos recifes, incluindo o aproveitamento não destrutivo de seus recursos. O potencial biotecnológico dos recifes é enorme. Apenas para ilustrar com um exemplo emblemático de bilhões de dólares, o AZT, uma das principais drogas anti-AIDS, é derivado de uma esponja recifal do Caribe. A mineração e a indústria do petróleo precisam abraçar sua responsabilidade e contribuir, de fato, para a construção de um cenário de menos riscos à biodiversidade e de ações compensatórias e mitigadoras compatíveis com seu gigantismo, inclusive quanto ao seu potencial de degradação. E, claro, o governo precisa fazer sua parte, pelo menos fazendo cumprir a legislação existente e as metas ambientais do país junto à comunidade internacional.

Notas:

1.- Coral-cérebro de Abrolhos (Mussismilia Braziliensis): as colônias destes animais (assim como de outras espécies de corais) compõem grandes estruturas chamadas “chapeirões” e normalmente possuem o formato de grandes domos, o que lhes dá o apelido de coral-cérebro, chegando a 10 metros de diâmetro. (Nota da IHU On-Line)

2.- Corumbau: região localizada no Distrito de Prado, no Sul do litoral baiano. O nome de origem tupi significa “o fim do mundo e o começo da terra” ou “longe de tudo” devido à larga ponta de areia que avança sobre o mar. São 15 quilômetros de praias de areias brancas e águas cristalinas. Os recifes de corais avançam mar adentro, tornando a praia mansa e tranquila. (Nota da IHU On-Line)

3.- Plâncton: em biologia marinha e limnologia chama-se plâncton ao conjunto dos organismos que têm pouco poder de locomoção e vivem livremente na coluna de água, sendo muitas vezes arrastados pelas correntes oceânicas. O plâncton encontra-se na base da cadeia alimentar dos ecossistemas aquáticos, uma vez que serve de alimentação a organismos maiores. (Nota da IHU On-Line)

4.- Bancos de Rodolitos: as algas calcárias não articuladas compreendem mais de 1000 espécies, ocorrendo em todos os oceanos. Algumas formas que crescem desprendidas do substrato são chamadas de rodolitos. Os rodolitos podem ocupar grandes extensões no fundo do mar, constituindo os bancos de rodolitos, que conseguem transformar fundos de areia em um ambiente altamente complexo, servindo de casa e refúgio para uma infinidade de organismos marinhos. (Nota da IHU On-Line)

5.- Dinoflagelados: espécie de microrganismo marinho pertencente à família do plâncton marinho. (Nota da IHU On-Line)

(EcoDebate, 14/01/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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