A propósito da proposta de mudança na sistemática de demarcação das terras indígenas
Propor mudanças na sistemática de demarcação das terras indígenas, caso da minuta apresentada pelo Ministério da Justiça, é a resposta do governo aos seus aliados do agronegócio. Como ele não pode renunciar publicamente ao seu dever constitucional, a saída encontrada foi criar um imbróglio capaz de assegurar que em tempo algum tenha que decidir sobre a declaração dos limites de uma terra indígena, sobretudo se a delimitação contrariar os seus amigos latifundiários. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) repudia a tentativa do governo de publicar tal portaria.
O governo FHC, com o Decreto 1775/96, já havia feito um movimento semelhante trazendo para a via administrativa o chamado “direito ao contraditório” no procedimento demarcatório das terras indígenas. O argumento usado para tentar convencer os povos indígenas dessa mudança foi o de evitar as ações na Justiça e, em consequência, agilizar a demarcação das terras indígenas. Aconteceu o contrário. Proliferaram as ações na Justiça. Curiosamente o argumento do governo atual e suas motivações são exatamente os mesmos.
Por isso é perfeitamente compreensível a indignação das lideranças indígenas diante do cinismo governamental que tenta enganá-los pela segunda vez com os mesmos argumentos mentirosos. Não precisa ser nenhum expert para perceber que a demarcação das terras indígenas envolve a disputa entre interesses por um lado e direitos por outro, irreconciliáveis, e se o governo propõe a mudança na forma da demarcação das terras para atender a reivindicação dos ruralistas, ele o faz de forma consciente para impor perdas aos povos indígenas.
O governo adotou como estratégia usar as terras indígenas como moeda de troca nas suas negociações políticas. Os povos indígenas, através da mobilização, têm sistematicamente se oposto e inviabilizado esta prática e por isso vêm criando constrangimentos ao governo na relação com seus aliados. Com a proposta de mudança na sistemática de demarcação das terras indígenas e com a Portaria 303, da AGU, o governo sinaliza para estes aliados que continua disposto a honrar os compromissos firmados.
Os interlocutores do governo com o movimento indígena e popular, para desmobilizar a luta, enchem a boca para afirmar que se trata de “uma decisão de governo” um grande empreendimento aqui ou acolá, sobretudo dos PAC’s, fazendo crer que é irreversível e o negócio é um só: aceitar. Com as usinas hidrelétricas têm sido assim: haja o que houver, mesmo criando problemas para os povos e comunidades locais, destruindo o que tiver que destruir. Se as comunidades resistem, ou trabalhadores entram em greve, o governo age com a Força Nacional de Segurança.
Não é este o discurso que o governo adota quando se trata de garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Não existe “uma decisão de governo” para dizer aos defensores do latifúndio, da concentração da terra, do desmatamento, do uso indiscriminado de agrotóxicos, dos alimentos transgênicos que mesmo que “chova canivete” fará respeitar o direito sagrado a terra destes povos e comunidades.
O comprometimento desse governo com a lógica da exploração e acumulação chegou a tal ponto que já não percebe o absurdo de sua proposta e o quanto é desprezível e mesquinha a tentativa de convencer os povos indígenas a aceitá-la. A arrogância venceu o medo.
Brasília, 05 de dezembro de 2013
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Nota do Cimi, publicada pelo EcoDebate, 06/12/2013
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