COP19: poucos avanços, acordo mínimo e lobbies do setor privado. Entrevista com Camila Moreno
“No final de 2015 os países devem acordar um novo regime internacional, que entrará em vigor a partir de 2020. Este novo acordo deve estabelecer obrigações de redução de emissões válidas para todos os países, sucedendo o Protocolo de Kyoto”, diz a pesquisadora.
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“É flagrante a ocupação do espaço da convenção por lobbies de grandes empresas poluidoras e do chamado ao setor privado (aos mercados, investidores e da oportunidade de negócios com o clima), que é referendada e levada adiante pela própria Organização das Nações Unidas – ONU, como se viu no painel de alto nível (high level pannel) sobre abordagens de mercado para ação fortalecida (market approach for enhanced action), com um discurso do próprio Ban Ki Moon, secretário geral da ONU.” A declaração é da pesquisadora Camila Moreno, que participou da 19ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – COP-19, em Varsóvia, na Polônia. A conferência, que aconteceu entre os dias 11 e 22 de novembro, tinha como meta preparar as bases do acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto na Conferência a ser realizada em Paris, em 2015.
Entretanto, o evento “terminou com poucos avanços” e “um acordo mínimo”: “até o final do primeiro trimestre de 2015, os países com condições para tanto (‘in a position to do so’) devem definir suas metas voluntárias de redução de emissões para que estas sejam comunicadas à Convenção”, informa em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
De acordo com Camila, “os próximos dois anos serão cruciais para cumprir com os objetivos de fechar este novo acordo. Porém, como foi visto em Varsóvia, neste caminho os países ‘desenvolvidos’ estão fazendo um esforço coordenado, para com isso também abandonar princípios fundamentais da Convenção e, ao colocar todos os países no mesmo barco, tentam diluir de todas as formas o ‘princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas’, um dos pilares do debate do tema no plano internacional desde a sua instauração”.
Camila Moreno é pesquisadora da área ambiental e acompanha a Convenção do Clima desde 2008. Participou em Varsóvia representando o Grupo Carta de Belém e viajou com o apoio da Fundação Heinrich Boell – Brasil, na qual atua como coordenadora de sustentabilidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação faz da COP-19?
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Camila Moreno – A captura corporativa desta COP foi objeto de muita denúncia no período que a antecedeu e também durante as duas semanas de negociação, com um informe e várias ações organizadas pela sociedade civil.
É flagrante a ocupação do espaço da convenção por lobbies de grandes empresas poluidoras e do chamado ao setor privado (aos mercados, investidores e da oportunidade de negócios com o clima), que é referendada e levada adiante pela própria Organização das Nações Unidas – ONU, como se viu no painel de alto nível (high level pannel) sobre abordagens de mercado para ação fortalecida (market approach for enhanced action), com um discurso do próprio Ban Ki Moon, secretário geral da ONU.
IHU On-Line – Quais temas foram discutidos na COP-19?
Camila Moreno – A COP-19, realizada entre 11 e 22 de novembro em Varsóvia, na Polônia, terminou com poucos avanços, mas que garantem oficialmente a continuidade do processo que deve, até o final de 2015, na COP-21, em Paris, definir as regras para um novo acordo global sobre o clima.
Com negociações estendendo-se madrugadas adentro durante toda a segunda semana, foi somente na madrugada de domingo, dia 24, que um acordo mínimo ficou delineado: até o final do primeiro trimestre de 2015, os países com condições para tanto (‘in a position to do so’) devem definir suas metas voluntárias de redução de emissões para que estas sejam comunicadas à Convenção.
Este é um passo considerado fundamental para o primeiro esboço do texto de negociação que idealmente deve estar pronto em maio de 2015, antes da reunião intersessional que acontece anualmente em junho. As “condições” para que os países submetam estas metas não envolvem apenas a “vontade política”. Há um grande investimento, que também depende de acesso à tecnologia (como monitoramento satelital, por exemplo) e capacidades na quantificação dos gases, produção de inventários, colocação em marcha de sistemas nacionais de registro e contabilidade para medir, reportar e verificar as reduções. O acordo sobre as regras metodológicas para receber a “result based finance” (financiamento ou pagamentos baseados em resultados) é uma questão fundamental para esta arquitetura do financiamento do clima e da chamada economia de baixo carbono. Um exemplo foi o fechamento em Varsóvia de um “pacote” de regras metodológicas para as ações de REDD+, depois de oito anos negociando o tema (desde que a proposta de redução compensada de emissões foi introduzida na COP em 2005).
No final de 2015 os países devem acordar um novo regime internacional, que entrará em vigor a partir de 2020. Este novo acordo deve estabelecer obrigações de redução de emissões válidas para todos os países, sucedendo o Protocolo de Kyoto. De acordo com Kyoto, as obrigações vinculantes se aplicam somente para os países desenvolvidos, ou seja, aqueles que mais teriam contribuído historicamente com as emissões de gases que causaram o efeito estufa, principal causa atribuída das mudanças climáticas e do aumento da temperatura média do planeta.
IHU On-Line – Quais devem ser as bases desse novo acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto?
Camila Moreno – O Protocolo de Kyoto, um intrumento da Convenção do Clima (de 1992) começou a ser negociado a partir de 1995 e foi concluído e assinado em 1997. Contudo, somente entrou em vigor em 2005 (quando o número necessário de países o ratificou), tendo seu primeiro período de compromisso ‘para valer’ de 2008 até 2012. Neste período de quase 20 anos (desde que Kyoto começou a ser negociado), contudo, o mundo sofreu várias transformações que estão refletidas no que hoje é o grande “nó” para o avanço das negociações e a formatação do novo acordo: é preciso incluir as urgências, respaldadas pela ciência, de reduções muito mais significativas nas emissões, quanto é preciso redistribuir as obrigações, incluindo também a participação das potências “emergentes”, como China, Índia e Brasil, e outros que hoje contribuem significativamente para o aumento das emissões e que devem assumir, assim como os países desenvolvidos, obrigações vinculantes.
Os próximos dois anos serão cruciais para cumprir com os objetivos de fechar este novo acordo. Porém, como foi visto em Varsóvia, neste caminho os países “desenvolvidos” estão fazendo um esforço coordenado para com isso também abandonar princípios fundamentais da Convenção e, ao colocar todos os países no mesmo barco, tentam diluir de todas as formas o “princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, um dos pilares do debate do tema no plano internacional desde a sua instauração.
IHU On-Line – Em que consiste a proposta brasileira apresentada na COP-19, de que cada país faça o cálculo de responsabilidade sobre o aumento da temperatura, e como essa iniciativa contribui para pensar um novo acordo climático?
Camila Moreno – O que disse anteriormente tem tudo a ver com a proposta levada pelo governo brasileiro de pedir ao IPCC que formule uma metodologia para que cada país possa calcular, a partir desta metodologia, suas emissões e sua contribuição histórica ao fenômeno do aquecimento global. Esta proposta, adotada ao final da primeira semana como uma proposta do grupo G77 e China, foi fortemente rejeitada pelos países desenvolvidos e até por redes de organizações da sociedade civil (tanto do norte quanto do sul), como um subterfúgio para “retroceder” décadas no debate e, com o pedido da metodologia, postergar ainda mais um acordo sobre os compromissos.
De forma alguma a motivação do Brasil foi esta. Pelo contrário: uma metodologia unificada e aprovada no âmbito da Convenção permitiria transparência (inclusive nos processos nacionais que irão definir as metas voluntárias que os países irão adotar para o novo regime); além do mais, no contexto atual, a proposta visa claramente contrapor-se ao que se vê hoje: países do Norte, utilizando o crescimento dos países emergentes (e suas respectivas emissões) como argumento para naturalizar um novo paradigma para o debate do clima, igualando responsabilidades, condicionando o financiamento a pagamentos por resultados (de redução de emissões) e, assim, querendo zerar uma etapa, passando a régua no processo histórico e seus responsáveis. Como se agora, frente à “causa” de salvar o clima, estaríamos todos juntos, sem espaço para antiquadas distinções entre norte e sul. Pelo que se viu, esta divisão retornou com força, com novidades, como o alinhamento dos países do BASIC (Brasil, Índia, China e África do Sul), que foi muito importante nesta COP.
Por exemplo, como na declaração dos Ministros do Meio Ambiente dos BASIC produzida no encontro de Foz do Iguaçu em setembro de 2013 e que se opunha a offsets para as ações de REDD+. http://www.redd-monitor.org/2013/11/19/basic-countries-are-opposed-to-redd-offsets/
Este compromisso referendado na cúpula dos Ministros BASIC em Pequim garantiu — não sem uma defesa intransigente liderada pelo Brasil nas noites adentro em negociação — a exclusão de offsets no pacote de REDD+, que foi fechado em Varsóvia.
IHU On-Line – Em que medida temas abordados nas COP-17 e COP-18 foram retomados?
Camila Moreno – Prosseguir rumo a um regime internacional que reflita a nova conjuntura internacional, que reflita a economia internacional tal como ela está configurada hoje e as perspectivas de crescimento (aí então o papel-chave dos BRICS — Brasil, Rússia, Índia e China) foi o acordo realizado em dezembro de 2011 na 17ª Conferência das Partes da Convenção do Clima, em Durban. Por isso, os debates e negociações sobre este novo acordo correm no trilho chamado de Durban Platform for Enhanced Action/Plataforma de Durban para Ação Fortalecida – ADP, no jargão da convenção. Foram justamente os impasses no trilho da ADP que levaram à 19ª COP, realizada até entrar a madrugada de domingo (24) a fim de acertar os pontos mínimos para este processo seguir adiante. Apesar disso, os próximos dois anos serão cruciais, com um calendário intenso para alcançar o objetivo de concluir as negociações no prazo até a Conferência a ser realizada em Paris, em dezembro de 2015.
Mercado ou não mercado: o assunto extremamente controverso da criação de um novo mecanismo de mercado, assim como o “framework for varios approaches” e a proposta de mecanismos “fora do mercado” foram retirados da agenda por questão de procedimento e serão tema da reunião intersessional em junho de 2014 em Bonn, na Alemanha. Os países desenvolvidos fizeram, contudo, uma pressão intensa até o final, inclusive para que, mesmo fora da agenda, a presidência reintroduzisse o tema, o que não aconteceu. Este movimento foi duramente criticado por países do sul, que argumentaram que a evocação ao “papel fundamental dos mercados” para definir o financiamento do clima não encontra respaldo na realidade. O maior mercado de “clima” do mundo, o sistema europeu de comércio de emissões (EU-ETS), falhou rotundamente em produzir as “reduções”, e ainda é uma incógnita o que será de seu futuro.
Contra a panaceia dos mercados, os países do sul marcaram ponto sobre a exigência de definição de compromissos claros e “ambiciosos” dos países desenvolvidos, assim como no comprometimento efetivo com financiamento público, que deve ser canalizado através do Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund), principal instrumento do acordo para operacionalizar os desembolsos aos países.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Camila Moreno – No processo daqui até Paris, em 2015, haverá a COP-20 em Lima, no Peru, em dezembro de 2014. Será uma oportunidade importante para mobilizar uma visão regional e Amazônica, na qual o Brasil pode ter um papel fundamental, juntamente com Bolívia e Venezuela, que defendem mecanismos fora do mercado e da métrica “carbonocêntrica”. É uma tarefa urgente construir uma narrativa alternativa, que enfatize a dimensão social e real dos impactos do clima e de um chamado à responsabilidade histórica dos países que causaram o problema.
Contudo, antes disso, outras definições importantes envolvem um processo de consultas nacionais que os países deverão empreender para definir seus compromissos. O Brasil pretende fazer isso ao longo de 2014, um ano complicado, já ocupado pela Copa do Mundo, pelo plebiscito para a reforma política e pelas eleições. É fundamental fazer este processo participativo, inclusivo e que possibilite que os movimentos sociais, as populações atingidas possam de fato incluir suas visões, inclusive as posições sobre as chamadas “falsas soluções”, como o mercado de carbono, que já estão consolidadas e fazem parte da agenda de lutas em diversas redes de organizações da sociedade civil.
Além disso, há um chamado para um pré-COP social, que será realizado na Venezuela em outubro de 2014, para convergir as propostas da sociedade civil destacando os impactos e aspectos sociais das mudanças climáticas, para contrapor-se à narrativa dos mercados e das soluções do setor privado.
(EcoDebate, 27/11/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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As pessoas ainda não se deram conta, ou se o fizeram, não querem aceitar o fato, mas; o sistema capitalista-financeiro internacional funciona desta maneira. Até mesmo em vista de uma catástrofe iminente, se houver a oportunidade de lucros, então há interesse.
Enquanto o mundo se encantar com lucros mirabolantes e fáceis das bolsas de valores e sub-primes, com a ostentação de uma classe que possui pouca ou nenhuma consideração com o ser humano e com a natureza. Onde o horizonte mais próximo que conseguem enxergar é seu próprio umbigo, é melhor esquecer qualquer tentativa de acôrdo ou negociação.
Será sempre esta lamuria ao final dos encontros. Quem poderia fazer não fez. Quem queria, não foi contemplado. Estabelece-se a insatisfação geral e nenhum resultado concreto é obtido.
Em quase quatro décadas de militância nesta área, vi muitas bandeiras do ambientalismo serem usurpadas pelo setor capitalista-financeiro e deturpadas para acomodarem-se aos interesses mais vis de uma classe. Não há sustentabilidade onde há lucros e juros. Se houvesse possibilidade de lucros com a proteção da Mata Atlântica, por exemplo, algo de muito grandioso já estaria sendo feito pelos capitalistas de plantão. Porém, o lucro está em explorar os recursos que esta oferece a custo baixo, do qual o capitalismo industrial é ávido, para poder pagar pelos juros contratados junto ao setor financeiro.
Se fosse diferente a situação atual seria melhor. O mesmo vale para o cerrado, para a amazônia e até mesmo para a caatinga. Isso só para falar dos biomas brasileiros.
Há duas formas de se mudar uma situação. A primeira é pela consciência, melhor e menos traumática, a segunda é pela dor. Infelizmente, parece que a humanidade não aprendeu as lições do passado, e continua agindo de forma leviana, até que não haja mais o quê nem como discutir.