Amizade, artigo de Gilmar Passos
[EcoDebate] A amizade é o que de mais sagrado se tem entre os relacionamentos humanos. É uma riqueza processual adquirida por um longo processo entre os seres envolvidos e que possibilita uma vivência profunda e prazerosa. Por ela as relações humanas se solidificam constantemente, sem regressão. O mundo, então, torna-se mais humano, mais saudável.
O ser humano é carente de relacionamentos. Quem não sente falta de alguém, de manter o mínimo de contato com alguém? Quem nunca se sentiu ou esteve rodeado de pessoas, mas escolheu uma para manter um colóquio, mesmo que tenha sido para procurar algumas informações simples como localização de farmácias, lojas, ruas, etc.? Estamos sempre nos relacionando conosco mesmo, entre famílias, com amigos, desconhecidos. Isso nos mostra que a carência de relações nos possibilita a viver em relações, superando o egoísmo e o isolamento.
Mesmo tendo muitas pessoas com quem nos envolvemos ou nos relacionamos, há aquelas com as quais nos permitimos ser mais próximos ou, muitas vezes, permitimos que elas se tornem próximas a nós. Essa permissão não é compra nem troca, também não é humilhante nem pura perda, ela é libertadora e altamente construtiva. Por ela somos lançados ao desconhecido ou somos motivados a acolhê-lo. Quando isto acontece mutuamente há uma abertura para uma fase na vida dos envolvidos que denominamos de amizade.
A amizade, pois, é o produto de uma série de fatores vivenciados de maneira sadia e construtiva por uma ou mais pessoas. É livre de preconceitos, de proteção sufocante, de ameaças, de medos, de ciúmes, entre outras coisas semelhantes. A amizade é fruto da liberdade, da alteridade, da sinceridade, da gratuidade, da acolhida, da reciprocidade. Por ela há uma vida humanizada e verdadeira, que permite acontecer o respeito, o compromisso, o cuidado, o senso de humor.
O mundo daqueles que vivem com autenticidade as relações afetuosas de amizades é plenificado de maneira construtiva. Tudo se torna agradável e gratificante. A percepção é desenvolvida de forma conjunta, chegando ao ponto de tornar perceptível o cair de uma folha da árvore, a felicidade em partilhar mutuamente o nascer e o pôr-do-sol. Não é que sejam às mil maravilhas, mas é que se aprende a verdadeira felicidade do respeito e compromisso mútuo.
Quando a visão de um mundo e de uma vida perfeita e pronta passa a ser encarada de maneira progressiva, sem aceleração nem regressão, mas de maneira cautelosa e processual, aos poucos as coisas vão tomando seu posto e tudo vai se ajeitando. Quando as coisas estão no lugar certo tudo se cria, cresce e se solidifica.
A maior dificuldade encontrada numa relação de pessoas é quando se pensa que para ser amigo (a) basta apenas que se diga que se é amigo. Algo como: somos amigos. Pronunciar alguma coisa de forma verbal não significa que se tenha feito a caminhada experimental e experiencial. Assim, todo cuidado é pouco entre uma ou mais pessoas ao afirmar que a relação vivenciada seja considerada de amizade. Na verdade para que se possa considerar uma (as) pessoa (as) como amiga não é forçosa a pronuncia de que se é apenas amigo, mas ter a humilde audácia de adentrar no processo que até aqui descrevemos.
Quanto mais se vive em processo, mais se solidifica, porque a solidez humanamente falando é alcançada, buscada. Assim também é a experiência de amizade, quanto mais se permite de maneira sadia estar em processo é que vai sendo alcançada a solidez na amizade.
Passemos, pois, a valorizar significativamente o processo sem substituí-lo pela fórmula pronta. Muitas pessoas se consideram amigas só porque se veem há algum tempo e também conversam há um bom tempo, mas isso não dá a garantia de amizade. A amizade é envolvente, exige reciprocidade e honestidade, não busca os próprios interesses, pois os interesses são mútuos e verdadeiros.
A amizade sadia é também valorização da humanidade. Ela é uma ação concreta e não é superficial. Precisamos praticar as relações de amizades e não fantasiar que vivemos relações de amizades. Sejamos mais autênticos e concretos e não meros especuladores, forçando que as ilusões sejam reais. Deus nos ajude que as nossas amizades sejam mais sadias e se solidifiquem cada vez mais.
Gilmar Passos é escritor, teólogo e poeta . Contato: gilmpasssos@hotmail.com
EcoDebate, 19/11/2013
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