Zâmbia tem cada vez menos água
Foto: Nebert Mulenga/IRIN: rio completamente seco
Ainda hoje poucas pessoas associam água e florestas, ignorando a importância das florestas para o ciclo da água.
O desmatamento na Zâmbia, um dos maiores produtores de carvão vegetal da África, já afeta severamente o ciclo hidrológico, forçando moradores a adotarem práticas agrícolas insustentáveis nas zonas úmidas, conforme apontado por especialistas. No Brasil não estamos imunes ao mesmo problema. Por Henrique Cortez*, do EcoDebate.
Desde a década de 90, vários rios perenes, no distrito de Kaoma, tornaram-se sazonais e alguns até mesmo secaram permanentemente, enquanto que o nível da água no rio Luena, que corre através da cidade de Kaoma diminuiu significativamente.
O Departamento de Meteorologia da Zâmbia reconhece uma correlação entre os córregos secos e a produção de carvão, que cresce desde 1990.
Zâmbia é um dos 10 países com as mais altas taxas de desmatamento anual. A maioria das árvores é utilizada como lenha ou para produção de carvão.
Árvores, no entanto, através de suas raízes, permitem que a água da chuva penetre no solo, recarregando os aqüíferos, além de manter a umidade relativa do ar. Quando as florestas são removidas de uma região, ocorre uma grande perda de infiltração da água no solo e um aumento da evaporação, tornando o clima mais seco, prejudicando a recarga de rios, lagos e nascentes.
O desmatamento também afeta o ciclo do carbono na atmosfera, sendo responsável por 1,6 bilhões de toneladas de emissões de carbono a cada ano, um quinto do total mundial.
De acordo com o Centro Internacional de Pesquisa Florestal, isso é mais do que o total combinado do mundo, com a utilização intensiva de energia e transportes. Algumas estimativas colocam a contribuição do desmatamento para as mudanças climáticas quase ao mesmo nível que a utilização de combustíveis fósseis nos Estados Unidos.
As chuvas na cidade de Kaoma, por exemplo, tem diminuído ao longo das últimas três décadas. Entre 1960 e 1970 a cidade registrou uma precipitação média de 945 milímetros; a partir de 1971 a 1980 esta declinou ligeiramente para 943 milímetros, antes de diminuir para 839 milímetros entre 1981 e 1990. Até 2000, esse número tinha caído para 823 milímetros.
No entanto, o desmatamento não é o único culpado, disse Martin Mbewe, um gestor de projetos para a monitoração do ambiente global, do World Wide Fund for Nature [WWF] na Zâmbia. “A prática de cultivo em torno de sistemas de água de nascente, desmatando a vegetação ribeirinha, em geral, perturba a capacidade de exploração de água do rio e o predispõe para secar.”
Adaptação com conseqüências
Os moradores, que dependem da agricultura e da pesca como sua principal fonte de subsistência, têm sido forçados a enfrentar estas mudanças. Kaoma é uma grande produtora de milho na província.
Os agricultores têm recorrido a culturas “de safrinha” , principalmente nas zonas úmidas sazonais (charcos), que são normalmente criados por córregos semi-perenes.
Quando os rios começam a secar, as comunidades fazem barricadas temporárias, inundando de capim raso os córregos e lagoas temporárias, para aumentar a captura dos peixes que ficam presos. São usados até mesmo mosquiteiros, removendo todos os tipos e tamanhos de peixes, empobrecendo os recursos pesqueiros.
O desenvolvimento sustentável de práticas da aqüicultura e sistemas agroflorestais poderiam ajudar a aumentar a fertilidade das terras úmidas e reforçar a capacidade de exploração de água, auxiliando os agricultores, além de aumentar os níveis de segurança alimentar. Mas isto ainda não acontece.
Foto: Nebert Mulenga/IRIN
Pesca em charcos temporários
Em 2007, o governo zambiano lançou o Plano Nacional de Ação de Adaptação (NAPA), que delineia as medidas necessárias para enfrentar as mudanças climáticas em todos os setores críticos da economia, tais como saúde, agricultura e água.
Entretanto, os moradores de Kaoma continuam a mover-se de um trecho de uma zona úmida para o outro, em um ciclo insustentável, aparentemente, sem fim.
Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos em boa parte da África. Países como a Somália, Etiópia, Sudão e Chade já sofrem com a seca e a desertificação crescente. Agora já atinge países mais ao sul e, tradicionalmente, mais úmidos.
Nesse ritmo, até 2050, a África enfrentará um desastre humanitário sem precedentes.
*Com informações do IRIN (Integrated Regional Information Networks), UN Office for the Coordination of Humanitarian Affairs.
[EcoDebate, 03/10/2008]