Agricultura orgânica de pequena escala ou agricultura industrial? artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves
Agricultura orgânica de pequena escala ou agricultura industrial? artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves
[EcoDebate] Li alguns artigos ou entrevistas com posicionamentos de atores influentes na discussão sobre sustentabilidade. Um deles sobre a inviabilidade da agricultura orgânica frente a agricultura industrial. O argumento é de que é necessário mais área com agricultura orgânica que com agricultura industrial, para produzir a mesma quantidade de alimentos e isso é incompatível com a sustentabilidade ambiental. Citando que estudos em fazendas na Inglaterra revelaram essa diferença de produtividade entre os dois processos de produção.
Não deve ser esse o argumento único de que a agricultura industrial seja a mais adequada ou deva ser reproduzida para diferentes regiões do mundo, sem considerar outros fatores em jogo. É evidente que os níveis de produtividade dos processos agropecuários orgânicos são menores que os industriais, se comparados no tempo real. No médio e longo prazo a produtividade dos processos orgânicos tendem a se manter, enquanto que a dos processos industriais tendem a reduzir. Os processos orgânicos pela característica de manter a vida do solo, preservar a matéria orgânica, a microfauna e microflora são menos sujeitos as intempéries e degradação de solos, principalmente dos fenômenos de erosão, muito comuns nos sistemas industriais. É só comparar a sustentabilidade da agricultura orgânica chinesa e indiana – experiência milenar de reprodução sustentável – com a agricultura “moderna” ocidental.
Os sistemas orgânicos tem um balanço energético de maior superávit que os sistemas industriais que são por exigência da natureza da escala de produção, altamente consumidores de energia na forma de combustíveis fosseis e de corretivos e fertilizantes minerais, muitos derivados de petróleo como os nitrogenados, ou fosfatados processados de rochas minerais que começam a ficar escassas em todo o planeta.
Esquecem esses analistas – lamentavelmente os que tem espaço na mídia – que mais de 70% dos alimentos produzidos no mundo tem origem na agricultura de pequena escala, aqui denominada de agricultura familiar, aquela que produz grande parte do que consome e de pequeno excedente em geral comercializado ou trocado em pequenos mercados. Essa é a realidade de grandes regiões na Índia e China com mais de 2/3 da população mundial e do continente africano, regiões em que o insumo mais importante é o esterco de animais.
Na Amazônia a situação é mais crítica pela indisponibilidade de minas de fertilizantes e corretivos e por uma deficiente logística de fornecimento desses insumos o que resulta em menos de 2% do consumo nacional. Cadeias produtivas importantes como da carne, leite, mandioca e diversos produtos industriais se sustentam as expensas do desmatamento da floresta amazônica. Não é exagero afirmar que na região o principal insumo são as cinzas da floresta e das capoeiras, com todos os problemas ambientais já conhecidos.
Se a tendência no mundo for o predomínio da agricultura industrial – pelo experiência de regiões que isso vem ocorrendo – teremos cada vez mais intensificado o êxodo rural, restando aos pequenos agricultores as favelas nas regiões metropolitanas com todas as mazelas da violência, falta de saneamento, insegurança, saúde precária e educação insuficiente, com intensificação da concentração da terra e da renda no controle de poucos.
Com a redução progressiva das pequenas propriedades em todo o mundo, haverá também uma redução da base genética de alimentos como frutos e grãos. Desde que o homem dominou a agricultura e ao longo de gerações, esses agricultores vem mantendo sob seu controle, como fieis depositários da natureza, uma diversidade espetacular de gemas de tubérculos, sementes de leguminosas, cereais, frutas, plantas medicinais, muitas ainda desconhecidas do pesquisadores.
A medida que a agricultura industrial avança no seu processo de fagocitose da agricultura familiar, a base genética da produção de alimentos é reduzida, pela planificação dos “modernos” programas de melhoramento genético, com lançamento de cultivares mais suscetíveis a pragas e doenças, portanto mais exigentes em agrotóxicos.
Pior que as multinacionais que controlam a produção de alimentos no mundo já podem ser contadas nos dedos das mãos. O que poderá acontecer com a segurança alimentar se algumas dessas multinacionais eventualmente falirem? E quando esse sistema de agricultura industrial vier a ruir com o previsível esgotamento dos fertilizantes minerais?
Penso que onde for possível produzir em larga escala, que se produza em larga escala, até o momento em que os recursos sejam disponíveis, inclusive melhorando a eficácia da utilização desses insumos “modernos”.
Mas não devemos minimizar a possibilidade de no futuro ter que recorrer cada vez mais aos processos de produção orgânica, valorizando as comunidades que voluntariamente se dedicam a agricultura orgânica ou até mesmo recorrendo a políticas públicas de assentamentos agrários destinados a esta vocação.
Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental
EcoDebate, 19/08/2013
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Como assim “POSSIBILIDADE de no futuro ter que recorrer cada vez mais aos processos de produção orgânica”??
A agricultura “moderna” tradicional é baseada em recursos não renováveis (pelo menos na escala humana de tempo), incluindo aí o solo. Porque acham que existe o tremo “fronteira agrícola?”. Logo, a produção orgânica, seja qual escala for utilizada na produção, é uma INEVITABILIDADE.
Computando as externalidades (desgaste do solo, desperdício de água, poluição, envenenamento da população, etc.), por óbvio a agricultura orgânica é mais produtiva.
Como será, então, a agricultura orgânica no futuro?
POSSIVELMENTE, algo parecido com o vídeo abaixo.
Internet of Farming
http://www.youtube.com/watch?v=X2wWTadsBDA