Nova York: Plantações e jardins comunitários crescem em terrenos abandonados e telhados do Bronx
Horta no Bronx: projeto recupera espaços abandonados
Situada em meio a três conjuntos habitacionais do governo, a escola pública 55 é um retrato do sul do Bronx, distrito mais pobre da cidade de Nova York, que há várias décadas é sinônimo de violência, pobreza e desemprego.
Entre os alunos, 97% são provenientes de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza, a incidência de doenças é alta e as oportunidades são poucas. “Temos crianças de quatro anos de idade já sofrendo de diabetes”, diz o diretor da escola, Luis Torres.
Nos últimos meses, porém, a escola também se tornou a imagem de outra face do Bronx: a revitalização por meio de hortas e jardins comunitários que estão transformando a paisagem da região.
Os legumes e verduras orgânicos plantados por alunos de todas as idades representam não apenas uma alternativa de alimentação saudável em uma região onde há proliferação de cadeias de fast-food mas apenas um supermercado com alimentos frescos. São também uma forma de aumentar a renda das famílias – a produção será vendida para estabelecimentos locais – e integrar a comunidade.
O mesmo modelo é seguido em diversas outras partes do Bronx, onde hortas e jardins comunitários florescem em terrenos abandonados, telhados e até paredes.
“Os alunos cultivam os alimentos e vendem. Com as hortas, os pais e avós começam a vir até a escola. Falamos de lição de casa, de comportamento, aconselhamento. A comida se torna um denominador comum para outras questões”, disse à BBC Brasil o professor Stephen Ritz, idealizador da Green Bronx Machine, organização sem fins lucrativos responsável pela horta na escola pública 55 e em mais de 30 outros locais no Bronx.
“Além disso, estamos aumentando a renda das famílias em 15% ou 20%. As famílias no sul do Bronx têm em média seis membros e renda anual de 15 mil dólares (abaixo da linha de pobreza nos EUA)”, diz Ritz.
Oportunidades
Professor no sul do Bronx há 30 anos, ele conhece bem a região. “Há 17 mil pessoas vivendo aqui e apenas um supermercado. Muitos dos alunos são sem-teto. Vivem cercados por um ambiente de gangues, tráfico de drogas, prostituição. Há pouquíssimas oportunidades para os jovens”, afirma.
Ritz diz que o objetivo da Green Bronx Machine é mudar essa realidade transformando qualquer espaço abandonado ou subutilizado em hortas e jardins, ensinando aos jovens técnicas de agricultura urbana que possam se transformar em uma profissão e melhorando a saúde das comunidades.
Em algumas das hortas comunitárias do bairro, cultivadas por moradores voluntários, as frutas e verduras são distribuídas para a população carente.
Segundo o professor, o interesse pelo projeto é tanto que a frequência nas aulas saltou de 40% para 93%.
Um exemplo da empolgação gerada pelas hortas é a John V. Lindsay Wildcat Academy, escola destinada a dar uma segunda chance para adolescentes que fracassaram em todas as outras. Os 475 alunos têm em comum uma trajetória de expulsões, abandono das aulas e até prisões antes de ingressar na escola.
Lá, em um prédio industrial de cujas janelas é possível avistar a ilha de Rikers, onde fica o principal complexo penitenciário de Nova York, um grupo de estudantes cuida de uma horta hidropônica e recebe treinamento culinário.
Darrel Francis ensina estudantes e adultos a montarem suas hortas
O projeto, em parceria com a cadeia de supermercados online Fresh Direct, foi iniciado há apenas oito semanas, mas já é possível ver o impacto entre os alunos.
“Eu costumo me entediar rapidamente com as atividades, mas na horta é diferente. Já fiquei até quatro horas depois das aulas trabalhando aqui. Não me canso nunca”, disse à BBC Brasil a estudante Tamika McLean, 16 anos, aluna do segundo ano do ensino médio.
Tamika chegou à Wildcats após passar por várias outras escolas sem sucesso. “As escolas não eram ruins. Eu era. Estava em um buraco e não conseguia sair”, diz.
Além do trabalho na horta, ela faz um estágio remunerado, pago pela escola. “Antes eu não fazia nada o dia inteiro. Agora eu quero mais para a minha vida. Quero ir para a faculdade.”
Os estudantes também fazem jantares por encomenda e comandam um restaurante no local.
“Agora esses jovens têm empregos sustentáveis e treinamento. E mesmo que não se tornem agricultores urbanos, eles aprenderam a se alimentar de maneira saudável”, diz o diretor da Wildcats, Marc Donald.
Movimento
As hortas e jardins comunitários se inserem em um movimento maior de revitalização do Bronx. Lojas e hotéis de luxo têm se instalado recentemente no bairro, assim como muitos ex-moradores de Manhattan em busca de aluguéis mais baratos.
Dados do Censo mostram que, no ano passado, pela primeira vez em décadas, o número de pessoas que se mudaram para o Bronx foi maior do que o de moradores que abandonaram a área.
Nascido e criado no Bronx, Ritz diz que nos últimos 30 anos muita coisa mudou. “A população cresceu, a taxa de ocupação cresceu. Há menos prédios abandonados, os negócios estão florescendo. É o bairro da oportunidade”, afirma.
O idealizador da Green Bronx Machine diz que seus projetos servem de modelo para centenas de outras hortas. Servem também de inspiração para seus próprios alunos.
Darrell Francis, de 20 anos, atua ao lado de Ritz desde os 16, quando seu então professor apresentou a ideia de criar uma horta na aula de Ciências. Hoje ele instala jardins verticais e dá treinamento para outros estudantes e adultos.
“Antes eu não tinha nenhuma aspiração. A comunidade em que vivo é barra-pesada. Muitas pessoas sob influência de drogas. Gangues. Eu seria mais um deles. Mas esse programa mudou tudo”, disse Francis à BBC Brasil.
Ele afirma que pretende continuar o trabalho ao lado de Ritz.
“Quando o tempo dele passar, eu quero continuar seu trabalho, levar adiante sua visão. E fazer com que mais e mais pessoas tenham uma alimentação saudável.”
Matéria de Alessandra Corrêa, na BBC Brasil, reproduzida pelo EcoDebate, 26/06/2013
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