Um deserto verde no sul da América Latina, artigo de Miguel Enrique Stédile
Imagine uma área do tamanho de 500.000 campos de futebol plantados com uma única espécie de árvore. Uma floresta? Não, um deserto verde. Sem pessoas, sem água, sem outras plantas. Em poucos anos, assim será a paisagem do Rio Grande do Sul, estado do extremo sul do Brasil, onde três empresas concentram a produção de celulose, com danos sociais e ambientais.
O Rio Grande do Sul, assim como Uruguai e Argentina, faz parte de uma sistema ecológico conhecido como Pampa, com uma biodiversidade única, que inclui centenas de aves e mamíferos, que só podem ser encontrados neste sistema. No subsolo desta região, está uma das maiores reservas de água da América do Sul.
E justamente por estas características, este território foi escolhido pela empresa sueco-finlandesa Stora Enso para seus projetos de produção de celulose. O Eucalipto, base da celulose, plantado no Brasil pode ser colhido em sete anos. Na Escandinávia, uma árvore para produção de celulose precisaria de, pelo menos 50 anos, para alcançar o estágio para fabricação de papel. Nos próximos 5 anos, o eucalipto deverá ocupar meio milhão de hectares neste estado.
Três empresas controlam o plantio e a produção de celulose no Rio Grande do Sul. Porém, todas elas são praticamente uma só. Além da Stora Enso, as outras duas empresas são Aracruz Celulose e Votorantim Celulose e Papel – VCP. Porém, Stora Enso e Aracruz fazem parte de uma joint-venture, a Veracel, e a VCP é acionista da Votorantim.
Utilizando incentivos fiscais do governo brasileiro, estas empresas têm adquirido milhares de hectares de terras, expulsando famílias de pequenos agricultores desta região. No norte do Brasil, no estado de Espírito Santo, a Aracruz já havia expulso os povos indígenas de uma região, roubando 10 mil hectares de terras.
A aquisição de terras também viola a lei brasileira, que proíbe que empresas estrangeiras comprem terras na área de fronteira. Para isso, Stora Enso criou uma empresa-fantasma, supostamente de brasileiros, para comprar terras em seu nome.
Nas cidades onde já estão instaladas, as empresas violam direitos dos trabalhadores. Homens, mulheres e jovens trabalham sem equipamentos de segurança no corte das árvores. Para que a empresa não precise pagar a seguridade social, os trabalhadores são demitidos após 3 meses e contratados novamente por salários mais baixos.
Além dos problemas sociais, a monocultura de celulose deverá trazer sérias conseqüências ambientais. No Uruguai, onde a empresa finlandesa Botnia e a espanhola Ence possuem 360 mil hectares, já há registros de falta de água, pois se estima que um eucalipto consuma 20 litros de água por dia. Segundo a revista Science (23/12/2005), o plantio de eucalipto no pampa argentino reduziu 52% dos fluxos de água e secou 13% dos rios.
No Rio Grande do Sul, segundo pesquisas da Universidade Federal, o eucalipto irá consumir 20% mais água do que chove no estado. Como a árvore causa desertificação e acidez do solo, não se sabe que conseqüências terá para as 3 mil espécies de plantas do pampa.
Por fim, tudo isto será feito sem que as empresas precisem sequer pagar impostos. Isto porque 97% da produção de celulose destas fábricas é destinada para a exportação. No auge do neoliberalismo, o governo brasileiro criou uma lei que isentava de impostos os produtos exportados.
Até o ano de 2006, o projeto das empresas seguiu silenciosamente, sem qualquer debate com a sociedade. Naquele ano, o silêncio foi rompido pelo protesto de mulheres da Via Campesina que ocuparam uma área de plantio de eucaliptos no Rio Grande do Sul. No ano seguinte, as mulheres regressaram, agora ocupando diferentes áreas de eucaliptos.
E em 2008, outra vez e sempre no 08 de março, elas regressaram. Desta vez, denunciando a compra de áreas ilegais pela Stora Enso. A reação foi violenta.
A área da Stora Enso foi cercada pela polícia, todos os jornalistas foram impedidos de registrar a ação. Com bombas de gás lacrimogênio e gás pimenta, a Polícia agrediu as 900 camponesas. Médicos e advogados não puderam entrar na área. Todas foram mantidas deitadas e com armas apontadas para a cabeça por horas. A alimentação só foi permitida doze horas depois.
Mesmo assim, a história segue. Desde a primeira ação, as camponesas despertaram a sociedade para os riscos das fábricas de celulose. Agora, suas ações tem permitido uma maior articulação com movimentos camponeses e ambientais da América do Sul. Assim como o capital não tem fronteiras, as camponesas brasileiras ensinam que a luta também não pode ter.
Miguel Enrique Stédile integrante do Movimento Sem Terra e da Via Campesina – Brasil
Boletim número 134 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
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Colaboração de Norbert Suchanek, Rio de Janeiro, Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, colaborador e articulista do EcoDebate.
[EcoDebate, 24/09/2008]