Mudanças de clima: quem tem medo de metas no Brasil? artigo de Rubens Born e Juliana Russar
[Correio Braziliense] O governo promete a divulgação do rascunho do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, para consulta pública, antes de seu lançamento, em novembro, pelo presidente Lula, em evento que antecederá a 14ª Conferência das Partes (CoP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Como signatário da UNFCCC, o Brasil está em débito há 14 anos, desde quando o Congresso Nacional ratificou a Convenção, fazendo-a ganhar, assim, status de lei no país.
Essa lei, em seu artigo 4.1 (b), obriga o país a elaborar um plano e uma política nacional “que incluam medidas para mitigar a mudança do clima, enfrentando as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, bem como medidas para facilitar a adaptação adequada à mudança do clima”. Somente em novembro de 2007, o Decreto nº 6.263 instituiu o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) para elaborar o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, cuja versão preliminar deveria ter ficado pronta até 30 de abril de 2008.
Mesmo não possuindo metas mandatórias de limitação ou redução de emissões, o Brasil, assim como outros países da UNFCCC, tem obrigações internacionais para cumprir seus compromissos no âmbito da Convenção. Na CoP-13, aceitou que, para melhor implementação da Convenção, os países em desenvolvimento devem adotar ações nacionais de mitigação que sejam mensuráveis, reportáveis e verificáveis para o pós-2012.
Pronunciamentos oficiais, originários dos ministérios das Relações Exteriores (MRE) e de Ciência e Tecnologia (MCT), rejeitavam compromissos na forma de metas, interpretando isso como cortes obrigatórios de emissões, até agora exigidos somente de países desenvolvidos. Metas nacionais não significam necessariamente corte de emissões em nova fase do regime multilateral. Por exemplo, poderia haver metas ou parâmetros de emissões por unidade de produto em determinados setores da economia. Metas ou objetivos mensuráveis significariam para o Brasil, em uma primeira etapa, compromissos para estabilizar emissões ou pelo menos reduzir a taxa de crescimento de emissões de gases de efeito estufa ou a taxa de perda de sumidouros e reservatórios de carbono (ou seja, de desmatamentos).
Sendo um dos maiores emissores do planeta, o Brasil não pode desconsiderar os argumentos científicos (necessidade de pico e declínio brusco das emissões globais na próxima década para impedir mudança climática perigosa), políticos (é signatário da Convenção), éticos (essa geração deve combater o problema) e de desenvolvimento sustentável (reduzir significa expansão de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis). Em uma ou duas décadas, o Brasil terá que se comprometer internacionalmente com limites de emissões. Órgãos governamentais, empresas, entidades da sociedade civil deverão estar preparados do ponto de vista institucional, tecnológico, econômico e cultural para fazer frente a esse desafio.
O Brasil estabelece metas para inflação, crescimento, superávit primário. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) guia-se por metas. Metas e objetivos mensuráveis são instrumentos de controle social, de transparência, que auxiliam a governabilidade e o rumo das políticas e das atividades socioeconômicas.
Por que o país não pode ter metas relacionadas a emissões de gases de efeito estufa? Que setores da sociedade resistem à adoção de compromissos para limitar as emissões de gases de efeito estufa no Brasil e por que o fazem? Teria o governo federal estrutura capaz de envolver estados e municípios nesse desafio, assegurando uma divisão justa, eqüitativa e efetiva das responsabilidades, limitações e reduções das emissões? Estariam a Casa Civil, o Ministério da Agricultura, o Ministério de Minas e Energia e demais ministérios dispostos a assumir compromisso com um plano que prevê medidas sérias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas a curto, médio e longo prazo? Por que setores privados, como os do agronegócio, de indústria e de energia manifestaram-se, nas consultas públicas para o Plano Nacional sobre Mudança de Clima, contra a adoção de compromissos nacionais de mitigação de gases de efeito estufa?
Um Plano Nacional sobre Mudança do Clima sério e responsável deve ter parâmetros (ou metas ou objetivos mensuráveis ou compromissos) para poder ser qualificado como plano, e não ser meramente uma declaração de intenções.
Rubens Born e Juliana Russar
Membros do Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz (Vitae Civilis) http://www.vitaecivilis.org.br/
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 23/09/2008.
[EcoDebate, 24/09/2008]