Manifesto dos Movimentos Sociais por Ação Imediata contra a Seca e a favor da Reforma Agrária
Manifesto dos Movimentos Sociais por Ação Imediata Contra A Seca, A Favor Da Reforma Agrária e Territórios Tradicionais
Os movimentos sociais CETA, MTD e PASTORAL RURAL decidiram realizar contundentes ações de protesto em quatro regiões da Bahia (Sul, Lapa, Senhor do Bonfim e Cícero Dantas) para denunciar o descaso dos poderes públicos baianos e nacionais em relação (1) aos efeitos da seca, que já dizimou quase todo nosso rebanho; (2) a desmontagem da reforma agrária, recentemente equiparada a medida do Programa Brasil sem Miséria; (3) a aposta governamental no desenvolvimento excludente baseado na exploração mineral, agronegócio, monocultura de eucaliptos, em grandes obras de infraestrutura para exportação de matérias-primas, estádios de futebol etc., e, por fim, a fragilidade do apoio à produção de alimentos da agricultura familiar e reforma agrária.
Apenas denunciar, porém, não basta. Apresentamos reivindicações gerais em pautas unificadas às diversas autoridades nacionais e estaduais, procurando informar à sociedade os motivos que nos impele à ação. Do governo esperamos respostas às reivindicações, diálogo e negociação.
Não aceitamos que a política Nacional de Reforma Agrária seja equiparada às medidas emergenciais do Programa Brasil sem Miséria. Ela deve ser tratada como elemento estratégico de um projeto de desenvolvimento econômico e social para o campo brasileiro. Nosso país não pode pensar seu desenvolvimento apenas pela ótica do agronegócio, das grandes obras projetadas por empreiteiras, da mineração, da celulose, energia etc., a exemplo do que ocorre com a Bahia. Neste estado, dos R$ 63 bilhões de investimentos públicos e privados previstos para ocorrer entre 2013 e 2015, 65% do total estão alocados nos setores de energia, mineração e papel-celulose.
A política de Reforma Agrária hoje sofre um duro golpe com a edição de portarias e instruções normativas que visa sepultar qualquer promessa de distribuição de terras aos trabalhadores rurais no Brasil. Por essas normativas, a reforma agrária está sendo inviabilizada como instrumento da soberania alimentar e política dos camponeses e se tornando mais alinhada com o modelo de desenvolvimento excludente em curso, baseado na expansão do agronegócio, na concentração de terras e recursos naturais, conforme projetos públicos e do capital.
É nesse contexto que se inserem obras como a transposição do Rio São Francisco, a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, o Porto Sul, em Ilhéus, o estaleiro naval na Baía do Iguape, as extensas áreas destinadas ao plantio de eucalipto, a exploração mineral em diversos territórios de identidade da Bahia e do Brasil, sobretudo a exploração de ferro, urânio etc. e, mais recentemente, os parques eólicos.
A titulação de territórios indígenas está ameaçada pela possibilidade de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 215, que busca retirar o poder do Executivo em demarcar territórios e transferi-lo ao Congresso Nacional, dominado por ruralistas e organizações contrárias à reforma agrária. Assim se organizam para retirar direitos já consagrados e negar a dívida histórica e social para com os povos indígenas e quilombolas.
Nossas comunidades no semiárido concebeu a ideia de convivência com os biomas caatinga e cerrado, desenvolvendo tecnologias apropriadas para a permanência das famílias na região, mesmo com longos períodos de estiagem. No entanto, o Estado tem tratado a questão da seca como um problema superficial e não tem formulado, ao longo dos anos, políticas sérias de tratamento da questão, ao contrário, tem fomentado a indústria da seca, beneficiando oligarquias locais e regionais, o que hoje pode ser percebido através da implantação de cisternas de plástico, em que o principal beneficiado é a empresa de Fernando Coelho, atual Ministro da Integração Nacional, a qual, em sociedade com o mexicano Carlos Slin, o homem mais rico do mundo, construirá 300 mil cisternas de plástico ao custo de 1,5 bilhão de reais. O Estado brasileiro não enfrentou até agora a tragédia socioeconômica que representa a perda de quase todo os nossos rebanhos e sementes nativas, por morte ou venda a preços irrisórios. É necessário que os governos revejam suas políticas emergenciais, lentas e ineficazes.
Os fundos e fechos de pasto da Bahia, comunidades tradicionais que ocupam áreas abertas para a criação de animais à solta, enfrentam, além da seca, o avanço das cercas de fazendeiros e empresas sobre suas terras. Esses frequentemente utilizam o expediente da grilagem de terras e a violência armada e legalizada. O governo do Estado da Bahia não respeita a diversidade de formas de uso da terra e não promove o reconhecimento dessas posses tradicionais, o que facilita a entrada de mineradoras e de grileiros. Além disso, de forma autoritária, quer impor uma limitação ao direito dessas comunidades de requererem a titulação de seus territórios ao estabelecer como data limite para tanto o dia 31 de dezembro de 2014, conforme o projeto de lei encaminhado à Assembleia Legislativa estadual.
Apesar desse cenário desanimador, nós dos movimentos sociais e povos e comunidades tradicionais nos mantemos em luta. Seguimos ocupando terra e órgãos públicos, fazendo retomadas, marchas, atos públicos, propondo novos caminhos e sugerindo políticas públicas estruturantes e necessárias à garantia de nossos direitos e autonomia.
Reivindicamos que a REFORMA AGRÁRIA não seja confundida com a condição de Programa Brasil sem Miséria, mas seja vista como uma política pública de desenvolvimento econômico e social e que se contraponha ao modelo de inserção no capitalismo mundial levado a cabo pelo governo brasileiro. Para tanto, é necessário que o órgão responsável seja fortalecido e equipado humana e financeiramente.
Reivindicamos o reconhecimento e titulação dos territórios tradicionais de indígenas, quilombolas, fundos e fechos de pasto e demais comunidades tradicionais.
Reivindicamos o não desmantelamento das propostas populares de convivência com o semiárido e sim a ampliação das ações, a exemplo da mobilização popular para a construção de cisternas de placa e demais alternativas, de políticas públicas de assessoria técnica e educacional continuada.
Movimento dos Acampados e Assentados e Quilombolas da Bahia
Movimento dos Trabalhadores Desempregados
Pastoral Rural
Movimento dos Pequenos Agricultores
Articulação Estadual de Fundos e Fechos de Pasto
Povos Indígenas
Colaboração de Ruben Siqueira, CPT/BA, para o EcoDebate, 30/04/2013
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