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Artigo

Aprimorando o Globo Amazônia, artigo de Rodolfo Salm

[Correio da Cidadania] O Amazonia.vc, disponível no portal da Globo, é um aplicativo que exibe imagens de satélite com um bom poder de aproximação de toda a região Amazônica. Até aí nada demais, pois são as mesmas fotografias de satélites que já nos disponibilizam a Wikimapia, ou o Google Earth. As novidades são a sobreposição às imagens de símbolos representando eventos recentes de desmatamentos e queimadas individualizados detectados pelo INPE e a possibilidade de registrar “protestos” contra esses eventos através do Orkut.

A reportagem do Fantástico, que há duas semanas lançou o site “Globo Amazônia“, partiu da seguinte manchete: “A Amazônia está pedindo socorro e você pode ajudar”. Preocupa-me a sugestão da Globo de como fazê-lo: “Pelo computador [sem sair de casa] você pode vigiar e defender esse patrimônio da natureza”. Por outro lado, com pequenas alterações, que eu gostaria de sugerir mais abaixo, talvez este tipo de estratégia seja possível.

O funcionamento do aplicativo define rankings de duas naturezas. Aponta os locais de desmatamentos com o maior número de protestos e irá transformá-los em reportagens e foco da ação das autoridades. E classifica os internautas que protestam mais vezes, convertendo-os em celebridades instantâneas. O campeão e o vice daquele momento, Diogo e Adavilson, haviam realizado 15.413 e 15.331 protestos, respectivamente. Coitados, provavelmente adquiriram, por conta de tantos cliques, algum tipo de lesão por esforço repetitivo (LER). Enquanto escrevo este texto, 216 mil pessoas já instalaram o aplicativo e fizeram mais de onze milhões de protestos contra desmatamentos e queimadas. Mas o que significa isso na prática?

No que se refere ao meio ambiente, o Orkut pode ser muito útil para tirar dúvidas sobre reciclagem, jardinagem e compostagem, por exemplo (há várias comunidades dedicadas a isso). Mas nenhum dos debates que vi ali sobre a Amazônia me entusiasmou, seja pela superficialidade e descontrole das discussões seja pela apatia generalizada. E agora? Teríamos finalmente algo de realmente interessante e importante para a preservação da Amazônia ligado ao Orkut?

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Para responder melhor a esta questão, instalei o aplicativo Amazonia.vc no meu computador e fui testá-lo com meus “desmatamentos favoritos” do momento: nas serras que acompanham o rio Xingu, além do limite norte da Terra Indígena Kayapó, que pude testemunhar em andamento, na última viagem que fiz por este rio em julho deste ano, e sobre o qual escrevi em meu último artigo para o Correio. Para a minha decepção, estes desmatamentos não estão identificados no mapa interativo da Globo. Já temos então um primeiro problema, pois, se aqueles desmatamentos são recentes e não foram individualizados no mapa interativo, o sistema evidentemente subestima a devastação total. Assim pode não dar uma idéia completa da gravidade da situação.

Mas tudo bem, ainda havia áreas destacadas sujeitas a protestos com o símbolo de desmatamentos a apenas algumas dezenas de quilômetros do local onde procurei inicialmente, contra as quais eu poderia direcionar minha indignação. Para fazer meu protesto, escolhi um ponto bem próximo ao limite (possivelmente até mesmo dentro) da Terra Indígena Kayapó. Clicando sobre o seu símbolo, descobri que aquele desmatamento, no município de São Felix do Xingu (PA), detectado no dia 29 de julho de 2008, correspondia a uma área de 0,94 km², e que está nas proximidades da Estação Ecológica da Terra do Meio (não há referência alguma à terra indígena, bem mais perto). Apertei solenemente o botão “eu protesto”.

Para reforçar o minha indignação, tentei protestar novamente, mas o programa informou que eu só poderia me manifestar contra aquele ponto de devastação uma única vez. E era tudo o que eu poderia fazer por ele. Até aquele momento, 8.375 pessoas haviam protestado contra aquele desmatamento. Pode parecer muito para um lugar remoto, distante da beira do rio, já visto por pouquíssimas pessoas vivas, e que até agora andava totalmente esquecido. Mas é muito pouco perto do número pessoas que já se manifestaram eletronicamente contra outras áreas na região de Novo Progresso e Alta Floresta, no norte do Mato Grosso, onde são registrados os números recordes: mais de vinte mil cliques para cada evento de desmatamento.

Novas buscas realizadas no sistema, que mostraram que todos os desmatamentos destacados, em várias regiões da Amazônia, foram detectados no dia 29 de julho de 2008, me deixaram com uma dúvida. Uma vez que este seria o “desmatamento em tempo real”, todos aqueles anteriores ao programa foram assim, digamos, anistiados? Tudo bem, considerando-se que temos que começar em algum momento. Mas o que acontecerá com estes desmatamentos à medida que novas áreas devastadas forem sendo acrescentadas ao longo dos anos? Acumular-se-ão numa profusão emaranhada, que o software e seus usuários dificilmente poderiam tratar? Ou serão apagados impunes, junto com todos os seus protestos? Qual é o seu tempo de validade dentro deste conceito de tempo real?

Para quem viveu a ditadura militar e seus resquícios nos anos subseqüentes, quando ainda gritava-se na rua, em passeata, “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, é difícil dissociar a emissora da idéia de manipulação da informação, agindo contra o povo e pela manutenção do poder estabelecido. Entretanto, apesar do viés muitas vezes confuso, do ataque equivocado aos problemas ou mesmo da omissão na maior parte dos casos, a emissora tem apresentado recentemente iniciativas positivas para debates como o do aquecimento global (ver “Mundo de Valentina“, de Danilo Pretti Di Giorgi). Poderia o mapa interativo do portal Globo Amazônia ser mais uma delas?

Com pequenas melhorias em seu funcionamento, o Amazonia.vc poderia ser bem mais útil. A possibilidade de se fazerem protestos contra os fatores responsáveis pelo desmatamento, e não contra apenas os desmatamentos em si, seria mais interessantes para o debate. Alguns entre muitos exemplos possíveis de protestos mais aproveitáveis: contra a pavimentação da BR-163 e da rodovia Transamazônica, contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, das hidrelétricas do Madeira e contra a expansão da agropecuária e dos cultivos de soja sobre a floresta.

Além disso, imaginem se o usuário, além de registrar um protesto, pudesse redigir ou modificar um texto relativo a este desmatamento, da mesma forma como se faz com os verbetes da Wikipédia: “Esse desmatamento fica perto de onde eu moro”, “eu vi”, “quem pagou por este foi o empresário tal, que vive no Rio de Janeiro ou São Paulo”, “financiado pelo banco tal”, “esse subornou o IBAMA”, “tem amigos na PF”, “esse matou quem vivia ali”, “aquele é de um tal figurão famoso”, “do deputado, do senador, do governador”, “da família Roberto Marinho”… Está claro porque não vai acontecer? Que ninguém se engane, em sua forma atual está claro que, muito mais do que conter os desmatamentos, o objetivo da Globo é fazer com que mais e mais internautas fiquem grudados em seu portal na internet.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania.

[EcoDebate, 23/09/2008]