Especialistas criticam projeto de lei que pretende reformar a Lei Antidrogas e Fiocruz pede retirada da pauta
Brasília: Adolescentes usam pilastras como abrigo para fumar crack. Foto: Marcello Casal Jr./ABr
Representantes de organizações que atendem dependentes de drogas e de segurança pública criticaram ontem o Projeto de Lei (PL) 7663/10, de autoria do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS). O projeto altera a legislação atual antidrogas, permitindo a internação involuntária dos dependentes químicos por até seis meses e aumenta a penalidade para traficantes. O PL foi aprovado no plenário da Câmara em regime de urgência por 344 votos a favor, 6 contrários e 6 abstenções.
“Houve notas técnicas do Ministério da Saúde e da Secretaria-Geral da Presidência da República que avaliaram negativamente o projeto. Existe uma forte reação de entidades sanitárias ligadas aos direitos humanos sobre o que esta lei pode trazer”, disse o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luís Fernando Farah de Tófoli, durante audiência pública ocorrida ontem (2) na Câmara de Deputados
A audiência foi para debater o projeto que acrescenta 33 novos dispositivos à Lei de Drogas (Lei 11.343/06), que instituiu o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad). No dia 1º4, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recomendou a retirada da pauta do projeto.
A polarização entre os defensores da internação involuntária e os que são contrários ao procedimento foi criticada pelo representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, Rodrigo Godoy Fonseca. Ele acha que a internação involuntária deve ser o último recurso. “Se a pessoa não recebe atendimento quando o problema começa, a necessidade de um atendimento mais forte vai aumentar. O acesso ao tratamento tem que ser fácil e estar disponível”, disse ao defender maior investimento nas redes de atendimento e nos centros de Atenção Psicossocial (Caps). “A cidade do Rio de Janeiro tem uma população de 6 milhões e somente cinco Caps. As equipes prestam um bom trabalho, mas são insuficientes”, completou.
A presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), Maria Tereza Uille Gomes, disse que o projeto retrocede ao não fazer a distinção entre o usuário e o traficante e criticou o aumento da pena para o tráfico. “O que hoje se vê é a condenação por tráfico, principalmente de mulheres, com uma quantidade pequena de drogas, e que acabam presas como traficantes. Quando o projeto propõe aumentar a pena para o usuário, ele retrocede”, declarou.
A opinião foi compartilhada pelos representantes do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Dário Henrique Teófilo Schezi, e da organização não governamental (ONG) Viva Rio, Sebastião Santos, para quem a legislação vai acabar criminalizando as pessoas pobres e impedir o devido tratamento dos dependentes químicos. “Pessoas pegas com pequenas quantidades, mas como eram negras, pobres e estavam em comunidades de periferia, foram tratadas como traficantes. Em sua maioria, são pessoas sem passagem criminal que entram [nos presídios] usuárias, tem que escolher um lado, uma facção, e saem formadas na escola do crime”, disse Santos.
O deputado Osmar Terra defendeu o projeto e disse que, junto com o relator o deputado federal Givaldo Carimbão (PSB-AL), fez modificações em alguns itens, mas defendeu o aumento da pena mínima de cinco para oito anos para os traficantes. “Tiramos a classificação de drogas, mas deixamos um aumento na pena mínima que passa de cinco para oito anos. Quanto mais tempo um traficante ficar fora de circulação, menor o numero de drogas e menos pessoas vão adoecer,” disse.
Fiocruz pede retirada da pauta de projeto de lei que pretende reformar a Lei Antidrogas
Integrantes do Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aprovaram por unanimidade uma recomendação para a retirada da pauta do Projeto de Lei (PL) 7.663/2010, de autoria do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), que pretende reformar a Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas). Para a instituição, o projeto fortalece a estigmatização e o preconceito em relação aos usuários de drogas ao manter a criminalização do consumo e as políticas de internação compulsória e involuntária.
O projeto foi aprovado no plenário da Câmara em regime de urgência por 344 votos a favor, 6 contrários e 6 abstenções, e está na pauta para votação.
Para o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Paulo Amarante, a iniciativa é um retrocesso, pois não ouviu os especialistas e profissionais que lidam com a área da saúde pública. “O projeto aumenta a criminalização do usuário ao tratar a política de uma maneira muito conservadora nesse campo, ainda preconizando a ideia da abstinência, por exemplo”, disse.
O pesquisador declarou ainda que o texto apresenta metódos higienistas, por meio do estímulo ao recolhimento compulsório. “A experiência tem demostrado que as pessoas que são internadas compulsoriamente voltam ao uso da droga. Além disso, ele irá aumentar a aplicação de penas por porte de drogas para consumo próprio, uma solução que tem se mostrado fracassada. Essa politica de ”guerra as drogas” acaba sobrecarregando as prisões e os resultados são piores”, ressaltou.
Segundo Amarante, experiências bem sucedidas demonstram que durante o tratamento as pessoas podem administrar o uso de determinadas substâncias mais pesadas, que produzam maior dependência, migrando para outras mais leves, o que se chama de “redução de danos”. O projeto desconhece essa linha, “hoje uma das mais bem aceitas no mundo, na medida que devemos reconhecer que quem faz uso de alguma droga é porque aquilo lhe causa prazer, satisfação, então a retirada é muito difícil e pode ter consequências em outras áreas da vida”, disse.
O deputado Osmar Terra propõe o pagamento das comunidades terapêuticas de caráter religioso com recursos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), além da criação de um Cadastro Nacional de Usuários de Drogas. Em contraposição, Amarante defende investimentos na rede pública de saúde e nos centros de Atenção Psicossocial (Caps), que têm poucas unidades. Segundo ele, o cadastro é uma estigmatização pois trata os usuários como criminosos e, “dependendo de como eles entram nessa listagem, podem ficar marcados para o resto da vida”.
Também contrário ao texto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) declarou que o projeto reúne todos os equívocos e ilusões de nossa história no que diz respeito às políticas públicas para drogas. Segundo o órgão, a sua aprovação potencializará os efeitos perversos das abordagens tradicionais na área, aumentando o número de prisões e o tempo de privação da liberdade. O projeto poderá ainda aumentar as condenações, criando uma indústria de internações compulsórias, aumentando de forma exponencial a despesa pública e violando os direitos elementares de pessoas em situação de fragilidade social.
Matérias da Agência Brasil, publicadas pelo EcoDebate, 03/04/2013
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