De pobreza e compaixão, artigo de Nei Alberto Pies
“Se eu dou comida a um pobre, chamam-me de santo, mas se eu pergunto porque ele é pobre, chamam-me de comunista” (Dom Helder Câmara)
[EcoDebate] A defesa das causas dos pobres é uma tarefa muito árdua. Exige-nos mais do que compreensão, discursos e teorias sobre a pobreza, mas, sobretudo, compromisso e compaixão. Somos muito preconceituosos para com o sofrimento e a situação indigna como vivem os pobres. Desconhecemos a sua realidade e não queremos mexer na raiz dos nossos problemas: a nossa forma de organizar o mundo. É muito forte entre a gente a ideia de que pobres são coitados, por isso desprovidos de sorte e de bens. Se não lutam, são preguiçosos. Se lutam e exigem mudanças tornam-se perigosos. Mesmo quando passam fome, insistimos em dizer que eles ainda deveriam ser capazes de sonhar.
Só a lucidez da razão e a sensibilidade podem tratar bem das questões da existência e convivência humanas. Na visão ocidental, desenvolvemos a ilusão de que só a razão nos dará respostas aos problemas humanos. Nem a razão ornamental (que serve de ornamento), nem a razão instrumental (ferramenta para transformar a realidade) são capazes de justificar o sofrimento e a realidade daqueles que excluímos socialmente (os pobres). Os pobres não são invenção, não são uma ideia. Os pobres são reais. Os pobres existem, e sofrem a violação da sua vida e dignidade.
Leonardo Boff, defensor incansável das causas dos pobres e oprimidos, afirma que são três as compreensões que se tem da pobreza. Uma primeira, clássica, é a ideia de que o pobre é aquele que não tem. A estratégia então é mobilizar quem tem para ajudar a quem não tem, através de ações assistencialistas, sem reconhecer a potencialidade dos mesmos. A segunda ideia, moderna, é aquela que descobre os potenciais do pobre e compreende que o Estado deve fazer investimentos para que ele seja profissionalizado e potencializado, com vista à inserção no mundo produtivo. Ambas as posições desconsideram, na visão de Boff, que a pobreza é resultado de mecanismos de exploração, que sempre geram enormes conflitos sociais. Boff acredita que é preciso reconhecer as potencialidades dos pobres não apenas para engrossarem a força de trabalho, mas principalmente para transformarem o sistema social. Os pobres, organizados e articulados com outros atores da sociedade, são capazes de construir uma democracia participativa, econômica e social. “Essa perspetiva não é nem assistencialista nem progressista. Ela é libertadora”.
Só a compaixão se reveste de libertação. A compaixão não é sofrer pelos outros, mas sofrer com eles. O sofrer com os outros permite colocarmo-nos no seu lugar. Ver a partir dos seus pontos de vista e das suas realidades. É também deixar-se transformar, permitindo que os nossos mais nobres sentimentos se traduzam em ações concretas a favor dos pobres, fracos e marginalizados.
Poucos vivem a compaixão. Muitos perderam a sensibilidade, o que os impossibilita de viver a caridade e o amor ao próximo. Outros preferem atribuir aos pobres a culpa pela sua situação de miséria e vulnerabilidade. Outros discursam democracia, não perguntando se esta propicia as mesmas condições e oportunidades a todos, como ponto de partida. Porque o ponto de chegada depende de cada um de nós. E muitos, em grande número, tratam como crime a atitude de quem luta por causas humanitárias, quando estas exigem uma mudança na estrutura e organização da sociedade.
“As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Leve-as no coração”, disse Dom Hélder Câmara. Este é o sentido maior da compaixão para com os pobres: não os defendemos por serem bons ou anjos, mas porque são parte de uma sociedade desigual, que não sabe lidar com eles.
O recém eleito Papa Francisco anuncia o seu desejo: “como eu gostaria de uma igreja pobre, para os pobres”. Desejemos também nós praticar a compaixão para erradicar a pobreza no Brasil e no mundo.
Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.
EcoDebate, 27/03/2013
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