Desenvolvimento econômico: mito ou realidade? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O eminente economista brasileiro Celso Furtado, no livro “O mito do desenvolvimento econômico”, considerava que os países da periferia do sistema capitalista seriam incapazes de reproduzir o padrão de consumo dos países ricos, pois o padrão de desenvolvimento afluente não seria generalizável para a maioria da população mundial:
(…) que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegam efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso (Furtado,1974, p. 19).
O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida, é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana. (…) a ideia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. (…) Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito (Furtado, 1974, p. 75).
Estas palavras foram publicadas em 1974, ano em que a população mundial atingiu 4 bilhões de pessoas e os países desenvolvidos tinham menos de um bilhão de habitantes. Para Celso Furtado, o desenvolvimento seria uma realidade para os países do Primeiro Mundo, mas um mito inalcançável para os países do Terceiro Mundo, pois com a pressão sobre os recursos naturais não haveria como satisfazer toda a demanda global.
Contudo, o desenvolvimento econômico – baseado na ampliação dos níveis de consumo conspícuo –continuou crescendo e se ampliando, mesmo depois da crise do petróleo da década de 1970. De 1974 a 2012 o PIB mundial cresceu 3,5 vezes (dados de Angus Maddison), enquanto a população mundial passou de 4 bilhões para 7,1 bilhões de habitantes, sendo que a “novidade dos anos 2000 foi o crescimento mais rápido dos países emergentes” (Alves, 2013). Nos países em desenvolvimento a esperança de vida ao nascer passou de 55 anos em 1970 para 66 anos em 2010 e a mortalidade infantil caiu de 105 mortes por mil nascimentos para 50 por mil, no mesmo período. Houve também avanços na educação e nas moradias.
Desta forma, o crescimento econômico mais acelerado dos países em desenvolvimento tem possibilitado o crescimento da chamada “nova classe média emergente”. Por exemplo, o estudo da firma de consultoria Mckinsey “Winning the $30 trillion decathlon: going for gold in emerging markets” (2012) mostra os avanços no aumento do mercado consumidor global, tendo sido publicado para mostrar para as empresas produtoras de bens industrializados e serviços como conquistar os novos consumidores das novas classes com poder de compra no mundo.
Utilizando o critério de renda de 10 dólares diários (em poder de paridade de compra – ppp), a McKinsey calcula que a “classe consumidora” era de 300 milhões de pessoas, em 1950, representando 12% da população mundial de 2,5 bilhões de habitantes. Em 1970 – pouco antes da publicação do livro de Celso Furtado, a “classe consumidora” era de 900 milhões de pessoas, representando 25% da população mundial de 3,7 bilhões de habitantes. Em 2010, a “classe consumidora” chegou a 2,4 bilhões de pessoas (quase o tamanho de toda a população mundial em 1950), representando 35% da população mundial de 6,8 bilhões de habitantes. Em 1974 havia pouco mais de 300 milhões de automóveis (carros, caminhões e ônibus) no mundo, passando para 1 bilhão em 2010 e devendo chegar a 1,5 bilhão de automóveis em 2025, cinco vezes mais veículos nas ruas e estradas em 50 anos.
Para 2025, a projeção da McKinsey é que a “classe consumidora” atinja 4,2 bilhões de pessoas, representando 53% da população mundial projetada para 7,9 bilhões de habitantes. Portanto, as estimativas apontam para uma “nova classe média mundial” superior a 50% da população global de 2025, número maior do que toda a população do Planeta em 1974, quando Celso Furtado escreveu o seu livro sobre o mito do desenvolvimento econômico.
Em termos de valores, o consumo mundial em 2010, calculado pela McKinsey, era de 38 trilhões de dólares, sendo 26 trilhões nos países desenvolvidos e 12 trilhões nos países emergentes. Mas para 2025, estima-se o consumo mundial de 64 trilhões de dólares sendo quase a metade (30 trilhões) para os países em desenvolvimento. Portanto, a “nova classe média emergente”, dos países antigamente definidos como Terceiro Mundo, terá um poder de consumo maior do que o montante atual da capacidade de compra dos consumidores dos países desenvolvidos. Os 30 trilhões de dólares das “classes consumidoras” dos países periféricos, previstos para 2025, será maior do que todo o PIB mundial em 1974.
As grandes empresas dos Estados Unidos, Europa, Japão e Coreia do Sul estão de olho neste amplo mercado consumidor. Mesmo as empresas dos BRICS também estão lutando para conquistar fatias crescentes deste mercado. A China tem usado parte de suas reservas internacionais de 3,3 trilhões de dólares para apoiar a expansão de suas empresas. A Índia tem dado todo o apoio aos seus grandes conglomerados – como a Tata Motors.
Ou seja, a competição é grande para abocanhar pedaços desta multidão de consumidores, ávidos por comprar habitação, água potável, banheiro, saneamento e produtos de limpeza e higiene, luz elétrica, geladeira, TV, DVD, CD, TV-HD, fogão, máquina de lavar roupa, móveis, microondas, moto, bicicleta, carro, relógio, roupa, comida industrializada, telefone, celular, TV a cabo, internet, educação, saúde, lazer, viagens, etc.
Portanto, parece que Celso Furtado estava errado ao considerar o desenvolvimento econômico mundial e o acesso ao consumo conspícuo um fato inalcançável e um mito. O relatório do Índice de Desenvolvimento Humano 2013, do PNUD, mostra que foram os países do sul que mais tiveram ganhos no IDH. A parcela da população mundial que vive na situação de extrema pobreza caiu pela metade – de 43% em 1990 para 21% em 2010. O relatório também prevê que até o final da próxima década a maior parte das pessoas de classe média estarão vivendo em países antes considerados pobres.
A expansão do capitalismo chegou a níveis inimagináveis e a “classe consumidora” deverá ser maioria da população mundial até 2025 (não só a McKinsey, mas outras firmas de consultoria internacional, como a Goldman Sachs e a PwC, também fazem projeções semelhantes). A expansão do consumo mundial em países como China, Índia, Indonésia, Vietnam e Turquia já é uma realidade e só tende a crescer, pois une o desejo de lucro das empresas com a vontade de consumir das pessoas.
Todavia, parece que, infelizmente, Celso Furtado estava certo ao dizer: “se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso”. O progresso humano tem provocado o regresso ambiental. Assim, a realidade tem sido mais forte do que o mito, para a tristeza da Mãe Natureza que tem pagado um preço muito alto para sustentar a generalização do consumo entre setores crescentes da crescente população mundial.
Referências:
FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974
ALVES, J.E.D. Progresso humano e regresso ambiental. EcoDebate, Rio de Janeiro, 2012
ALVES, J.E.D. Países ricos perdem a maioria no PIB mundial em 2013, EcoDebate, Rio de Janeiro, 2013
ALVES, J.E.D. G7 versus E7: a vez dos países emergentes? EcoDebate, Rio de Janeiro, 2013
ALVES, J.E.D. A redução das desigualdades de renda entre as regiões do mundo. EcoDebate, RJ, 2013
McKINSEY. Winning the $30 trillion decathlon: going for gold in emerging markets, 2012.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 20/03/2013
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É de extrema importância salientar que Celso Furtado tratava em 1974 de um paradoxo que estamos vivendo. Se é uma realidade que a classe média e o consumo aumentaram enormemente, também é verdade que a ameaça à natureza, ao ambiente aumentou, assim como as doenças crônicas causadas pela poluição do progresso. A pressão antrópica sobre o ambiente só tem aumentado, assim como a entropia. Se não investirmos em novas fontes energéticas e novas formas de transporte, talvez a projeção para 2025 seja das piores.
Considero as medidas minimizadoras das agressões ao meio ambiente, tais como as citadas no comentário supra (criação de novas fontes energéticas e novas formas de transportes) importantes contribuições ao equilíbrio do sistema planeta Terra, desde que o fator desencadeante desse desequilíbrio – a superpopulação humana – seja reduzido a nível tolerável pelo sistema.
Excelente artigo. O mundo está vivendo um grande dilema, pois enquanto cresce a classe média mundial também cresce a degradação da natureza. Até quando este sistema vai funcionar neste desequilibrio?????
Sds, Leo
Olá Carlos,
Obrigado pelos comentários. Concordo com voce que mais cedo ou mais tarde o cenário internacional de aumento da classe média e redução da pobreza pode ser revertido, devido a troca da sinergia pela entropia. A questão é saber quando e como esta disjunção vai acontecer.
Abs, José Eustáquio
Olá Valdeci,
Agradeço mais uma vez os seus comentários sempre muito contundentes. Também acho que precisamos pensar no decrescimento demo-econômico do mundo. Porém, no curto e médio prazo é praticamente impossível acabar com o crescimento populacional e econômico. Mas isto é possível no longo prazo, desde que começemos a planejar e atuar desde já. Precisamos aprofundar as transições demográfica e energética, dentre outras medidas para diminuir as atividades antrópicas.
Abs, José Eustáquio
Quando vejo estes dados de crescimento econômico e de crescimento do consumo fico cada vez mais preocupada. Até quando vai o egoismo humano autodestruidor?
O pior é que o desenvolvimento continua sendo um ideal a ser atingido pelo governo, pelos trabalhadores e pela população em geral que não escutam o grito desesperado da natureza e das outras espécies vegetais e animais que estão sendo esmagadas e extintas.