Mudança de hegemonia religiosa: o Brasil vai seguir os passos de Seropédica? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Brasil está passando por profundas mudanças no perfil religioso da população. Tem diminuído o número de pessoas que se declaram católicas, ao mesmo tempo que crescem aqueles que se declaram evangélicos, espíritas, testemunhas de Jeová, sem religião, etc.
Mas estas mudanças acontecem de maneira muito diferenciada. Em artigos anteriores, mostramos que a cidade de Chuí, no Rio Grande do Sul, tem maioria de pessoas sem religião. Já as cidades de Macuco e São José de Ubá, ambas no estado do Rio de Janeiro, apresentaram crescimento dos católicos, ao contrário dos outros 90 municípios fluminenses que tiveram redução do percentual de católicos entre 2000 e 2010.
Neste presente artigo, trataremos do caso da cidade de Seropédica (sede da Universidade Rural – UFRRJ), situada no pé da Serra das Araras, no Rio de Janeiro. Até inicio dos anos de 1990, Seropédica fazia parte do município de Itaguaí. No censo demográfico de 1991, Itaguaí tinha 55% de pessoas que se declaravam católicas e 21% de evangélicos. Portanto, os católicos eram maioria da população. Porém a perda de católicos nos anos seguintes foi muito grande em ambas as cidades.
Em Seropédica, houve quase um empate no ano 2000, com os evangélicos atingindo 35,9% e os católicos 38,8% (mas entre as crianças e jovens de 0 a 14 anos houve ultrapassagem dos evangélicos). As outras religiões perfaziam um percentual de 5,3% e os sem religião 20,1%. Na primeira década do século XXI a mudança continuou de maneira acelerada entre a população total do município, com os católicos caindo para 27,4% em 2010, os evangélicos subindo para 44%, as outras religiões para 6,3% e os sem religião subindo para 22,3%.
Nota-se que a queda maior dos católicos aconteceu entre os jovens e as mulheres. Na população (masculina e feminina) de 0-14 anos de idade os católicos tinham só 21,7% em 2010, perdendo para os sem religião que perfaziam 23,1% e os evangélicos que alcançaram 49,9%. Entre as mulheres os católicos eram 25,6% em 2010 e entre as mulheres de 0-14 anos eram apenas 19,9%. Portanto, entre 1991 e 2010, os católicos de Seropédica caíram de mais de 50% para cerca de um quarto (25%). Foi uma perda muito acelerada e que parece que não vai ser interrompida imediatamente, pois os católicos estão mais representados entre os idosos e os evangélicos mais representados entre as mulheres em período reprodutivo e as novas gerações. Independentemente da migração interreligiosa, haverá mudança apenas por conta da inércia demográfica.
Esta situação, provavelmente, vai ser discutida pelo novo papa e durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que vai reunir milhões de jovens católicos do mundo inteiro na capital fluminense, em julho de 2013. A Santa Sé está preocupada com a perda de hegemonia no maior país católico do mundo. Segundo o censo demográfico 2010 o percentual de católicos tinha caído para menos de dois terços no Brasil e para menos de 50% no estado do Rio de Janeiro. E a perda de fiéis tem sido maior entre as mulheres e jovens. Tocar o coração dos jovens é essencial para a hierarquia católica.
No bojo desta atividade da JMJ, a Igreja brasileira iniciou o processo de beatificação da menina carioca Odetinha (1930-1939). Abriu-se um processo para a comprovação dos milagres da jovem rica – que nasceu no mesmo ano da Revolução de 1930 – e que ajudava os pobres da região metropolitana do Rio. Naquela época, mais de 95% da população se declarava católica. Parece que a Arquidiocese do Rio pretende fazer de Odetinha uma inspiração para os jovens atuais. Será que vai conseguir?
Os próximos meses vão ser muito movimentados na igreja católica mundial e carioca. A igreja católica não tem conseguido se livrar dos escândalos de pedofilia, dos problemas com o banco do Vaticano e da luta interna revelada pelo chamado “Vatileaks”, conforme mostra reportagem da revista Der Spiegel. Ou como disse o próprio Papa Bento XVI na missa de quarta-feira de cinzas: “a Igreja está desfigurada pelas divisões em seu corpo eclesiástico”.
Estas são questões que precisam ser bem esclarecidas para os jovens e para todas as sociedades cristãs. Mas uma instituição tão forte e antiga como a Igreja Católica provavelmente não vai deixar de buscar uma solução para os seus maiores desafios. Como afirmou o teólogo brasileiro, Mário França: “A igreja muda ou acaba”. Provavelmente a igreja católica vai buscar novos rumos para se adaptar a este mundo pós-moderno. Porém, para a Santa Sé, o novo caminho a ser trilhado, certamente, não terá como modelo este adotado pelo município de Seropédica.
Referências:
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia, ABEP, Águas de Lindóia, novembro de 2012
http://174.121.79.98/~naotembr/anais/files/PE3%5B903%5D.pdf
ALVES, JED. Chuí: a capital brasileira dos sem religião. Ecodebate, Rio de Janeiro, 06/02/2013
HANS-JÜRGEN SCHLAMP. Diminishing Strength: Weakness and Vatican Intrigues Plagued Pope. Der Spiegel
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 01/03/2013
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acabei de ler, e a esplicação é muito facil para o aumento dos evangelicos em Seropedica, eu conheço la , lugar pequeno as margens da antiga Rio São Paulo como os cultos evangelico são normalmente a noite e quem não é fanqueiro não tem o que fazer ou para onde ir, vão cantar e dançar pra Jesus nas igrejas evangelicas, como por força do habito e do ritimo acabam gostando, logo se declaram sem saber nem porque evangelicos.
A Igreja Católica precisa de reformas sim, isso é fato, mas os “evangélicos” são tratados como um bloco único o que não é verdade, são centenas de Igrejas diferentes, que disputam fiéis entre si, hoje no Brasil as maiores mudanças de religião estão entre os próprios evangélicos. Casos isolados não refletem o todo.
Excelente artigo. A questão colocada pelo Dr. José Eustáquio é se o Brasil vai passar por uma transformação religiosa em ritmo parecido com o de Seropédica e outras cidades fluminenses. Evidentemente, é dificil saber o que vai acontecer no futuro. Mas o artigo alerta a igreja católica para ficar esperta se quiser manter os seus fiéis. O caso de pedofilia do padre Emilson Corrêa da paróquia Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, de Niterói, dificulta a credibilidade da igreja católica junto aos jovens e pode comprometer o futuro da instituição.
Sds, Mariana
Importante mesmo seria se a maioria das pessoas que vivem em dificuldade financeira, que são as principais vítimas, se libertassem dos grilhões das religiões. Esse objetivo será atingido através de trabalho que venha a ser desenvolvido pelas escolas, especialmente no ensino fundamental.
As crenças religiosas são um grande empecilho ao desenvolvimento social e político.
Concordo com o comentário do Sr. Valdeci Pedro da Silva. Quem sabe em uma sociedade evoluída as pessoas não necessitem mais de entes metafísicos “superiores” e sejam senhoras do próprio destino … Quem sabe se librem dos amuletos, crenças e supertições, e vivam a vida de maneira plena… É muito mais difícil viver sem o desnecessário conceito de Deus, porém é uma atitude mais corajosa, racional e honesta.