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Artigo

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, artigo de Stephen Grant Baines

(UnB) Stephen Grant Baines é professor do Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília

Nos últimos anos está havendo uma campanha de informações falsas, veiculadas através da mídia por uma meia dúzia de rizicultores (que ocuparam parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e vêm expandindo suas lavouras), junto com alguns políticos e empresários roraimenses, para desinformar a opinião pública a respeito desta Terra Indígena – questão re-acirrada por declarações de alguns militares à imprensa, e violências e agressões de alguns rizicultores contra os índios, culminando numa ação movida por fazendeiros e pelo governo do estado visando anular ou modificar sua demarcação, concluída em 1998 e homologada pelo governo do presidente Lula em abril de 2005.

Entretanto, o voto pela manutenção da demarcação em área contínua, proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto em 27 de agosto último, foi um sinal positivo de que o Judiciário está respeitando os direitos constitucionais dos povos indígenas. O ministro, que é o relator da ação que contesta a demarcação no Supremo Tribunal Federal (STF), respaldando-se em argumentos sólidos, confirmou que “a extensão da área demarcada é compatível com as coordenadas constitucionais”, e que as características geográficas contra-indicam uma demarcação em ilhas.

O ministro afirmou que “são nulas as titulações conferidas pelo Incra” a não-índios, pois as terras “já eram e permanecem indígenas”. Constatou que “os rizicultores que passaram a explorar as terras indígenas somente a partir de 1992 (…) não têm qualquer direito adquirido à respectiva posse”, por serem as posses antigas o resultado de “inescondível esbulho”, em que “os índios foram de lá empurrados, enxotados, escorraçados”. Assinalou que “a presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensas áreas de solo fértil, imprescindíveis” às suas atividades produtivas, além de impedir seu acesso a rios e degradar o ambiente.

O ministro demonstrou que, conforme a Constituição Federal, o ato de demarcação foi meramente declaratório de uma situação jurídica preexistente de direito originário sobre as terras. Esclareceu que em Roraima há terra para todos, considerando que a população do estado não chega a 400 mil habitantes, e para os cerca de 350 mil não-índios há quase 11 milhões de hectares de terras disponíveis, enquanto a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com uma área de 1,747 milhão de hectares, é habitada por cerca de 18 mil indígenas. Ressaltou o ministro o “falso antagonismo” na idéia de que demarcação de terras indígenas atrapalhe o desenvolvimento do País, e demonstrou também que as terras indígenas no Brasil são terras da União, e nada impede a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em faixas de fronteira.

A bandeira do nacionalismo brasileiro vem sendo levantada para colocar em questão a demarcação desta Terra Indígena por meio do argumento falso de que a ocupação indígena põe em risco a soberania nacional, buscando retroceder os direitos indígenas às suas terras. O objetivo destes ataques aos direitos indígenas sobre suas terras é de beneficiar a apropriação privada de terras da União. Pierre Clastres e outros antropólogos revelam que não há nenhum perigo, conforme argumentam alguns militares, de um separatismo indígena, pois as sociedades indígenas das planícies baixas sul-americanas sempre recusaram o Estado, tendo formas de organização sócio-política diferenciadas daquelas do Estado-nação, o que descarta argumentos de uma suposta ameaça à soberania nacional. Ao contrário, os povos indígenas em áreas de fronteira defendem a soberania nacional.

As Terras Indígenas são terras da União sobre as quais os índios têm direitos originários e, segundo a Constituição (artigo 231), destinam-se à sua posse permanente. E o Exército tem acesso a essas terras para fiscalizar as fronteiras. Para alguns militares, em relação à Raposa Serra do Sol, o que está em jogo é o interesse sobre as riquezas minerais, florestais e hídricas e, também, sobre aquelas existentes em outras Terras Indígenas em faixas de fronteira. A visão militar predominante é de entregar o patrimônio público para a exploração econômica, visando povoar as Terras Indígenas com não-indígenas para entregá-las às grandes empresas. Confiamos que a decisão final do STF confirme os direitos constitucionais dos povos indígenas, respeitando a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua.

Stephen Grant Baines é professor do Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília (UnB) desde 1989. graduado em Árabe e Estudos da Religião na Leeds University (Inglaterra), o professor é mestre em Antropologia Social pela University of Cambridge (Inglaterra) e doutor em Antropologia pela UnB. Baines atua na área de Antropologia com ênfase em Etnologia Indígena. Realizou pesquisas etnográficas com os Waimiri-Atroari (1982-1985) e estuda os Makuxi e os Wapichana na fronteira Brasil-Guiana desde 2001.

[UNB Agência/EcoDebate, 18/09/2008]

One thought on “A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, artigo de Stephen Grant Baines

  • Antonio Alvaro Guedes

    Este nome lembra de algum porta aviões da quarta frota. É amor demais aos “índios”.
    Por que terras contínuas e ainda por cima na fronteira. É querer fazer, mais uma vez, o brasileiro de bobo. Se a demarcação se der de forma contínua, em menos de dez anos será uma área de guerrilha. Parece coisa da CIA.

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