Empresário é denunciado por trabalho escravo urbano em Araguaína, TO
Trabalhadores na produção de sal mineral tinham contato direto com materiais corrosivos em ambiente fechado e insalubre. Não havia registro em carteira, além da jornada de trabalho ser exaustiva
O Ministério Público Federal no Tocantins (MPF/TO), por intermédio da Procuradoria da República no Município de Araguaína (PRM-Araguaína), denunciou o empresário Wanderson Virgínio por ter reduzido três trabalhadores a condições análogas à de escravo na fábrica de sal localizada na Vila Couto, próximo à BR-153, no município de Araguaína. Entre os serviços executados pelos empregados está a mistura e a colocação do produto em sacos, dentre outros necessários à implementação da atividade.
A fábrica que se encontrava sob administração de Wanderson tem como atividade principal a produção de sal mineral para criação de gado. Em diligência realizada em agosto de 2011, o Ministério do Trabalho e Emprego constatou com riqueza de provas que os três empregados da empresa eram explorados em situações sanitárias inadequadas, sendo submetidos a condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas. Eles também não tinham suas respectivas carteiras de trabalho devidamente anotadas e assinadas e não passaram por exame médico admissional antes que assumissem suas atividades.
A contratação de trabalhadores, o fornecimento de alimentação e o cuidado com as condições de trabalho dos empregados ficavam a encargo de Wanderson, que transmitia as ordens diretamente, inclusive a de trabalhar em silêncio, segundo os autos. Em depoimento ao Ministério Público do Trabalho e à Policia Federal, o empregador não nega o vínculo de emprego e tampouco as condições degradantes a que os trabalhadores eram submetidos.
A empresa operava em galpão rústico, sem iluminação e circulação de ar adequados. Não havia móveis ou armários que servissem para acondicionar os pertences pessoais ou utensílios utilizados pelos trabalhadores, uma vez que passavam ali o dia todo e muitas vezes também a noite. As instalações sanitárias eram inadequadas para uso, tendo em vista que não eram ligados ao abastecimento de água, nem guarnecidas com os mínimos utensílios de higiene. O local para higiene pessoal ou para a higienização era extremamente precário. Não havia material necessário à prestação de primeiros socorros. Em seus depoimentos, os trabalhadores declararam que trabalhavam até a meia noite, excedendo o limite permitido de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Eles também não recebiam repouso semanal remunerado.
Os trabalhadores não dispunham de equipamentos de proteção individual necessários à atividade, apesar da utilização e manuseio de substâncias perigosas como enxofre e sal. As vítimas revelaram que sentiam tontura e coceiras pelo corpo, pois o contato das substâncias era direto com a pele. O ambiente foi considerado insalubre, com alta temperatura e fechado, sem local adequado para armazenamento e realização de refeições e com substâncias venenosas suspensas no ar. O não fornecimento de água própria ao consumo humano agrava ainda mais a situação.
Não foi realizada a contratação dos serviços de técnico de segurança do trabalho ou de serviço especializado em segurança e saúde no trabalho industrial, nem fornecida capacitação sobre prevenção de acidentes com materiais químicos aos trabalhadores expostos diretamente. O denunciado teria conhecimento de todos os aspectos degradantes a que estavam submetidos os trabalhadores, mas permaneceu inerte frente a questões graves e que afrontam a dignidade humana.
A ação penal considera que as irregularidades perpassam o âmbito trabalhista para se juntar à condição degradante de trabalho, pois subjugam o trabalhador à indignidade e submetem-no a um cenário ofensivo ao mínimo ético exigido. Wanderson Virgínio encontra-se incurso, por três vezes, em concurso formal (artigo 70 do Código Penal) na tipificação penal do artigo 149 do CP, e em continuidade delitiva (art. 71 do CP – três vezes) no artigo 297, parágrafo 4º, também do CP.
Escravidão contemporânea – A configuração do trabalho escravo não exige especificamente que um ser humano seja submetido à propriedade de outro, como nos tempos de escravidão. O trabalho escravo contemporâneo tem conceito complexo e para sua configuração é suficiente que existam na relação de trabalho alguns elementos que afrontem a dignidade dos cidadãos.
Atualmente, o trabalho escravo está escondido, maquiado por trás de inúmeros trabalhos urbanos e rurais, que aprisionam muitos trabalhadores nas correntes da violência física e moral, nas situações de trabalho exaustivo, nas instalações em alojamentos degradantes, diminuindo e rebaixando os trabalhadores para uma condição semelhante a daqueles que viviam em regime de escravidão.
Fonte: MPF
EcoDebate, 31/10/2012
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