Anitápolis-SC e a degradante Corrida do Fosfato, artigo de Ana Echevenguá
“Em sede de matéria ambiental, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano”. Desembargadora Federal do TRF 1ª. Região Selene Maria de Almeida.
Alguns dados do paraíso
Anitápolis é uma pequena cidade da Grande Florianópolis-SC (dista somente 108 km da capital), com 582 km2, temperatura média entre 15ºC e 25ºC, localizada a 600 m acima do nível do mar. Vive basicamente da agricultura familiar (responsável pela subsistência de 80% da população que conta com menos de 4 mil habitantes).
Está grudada nos 87,4 mil hectares do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a maior unidade de conservação no Estado, que ocupa cerca de 1% do território catarinense.
Suas montanhas, a Mata Atlântica fechada, a abundância de recursos hídricos dificultaram seu povoamento. No entanto, hoje, tudo isso é um atrativo ímpar. Embora conte com infra-estrutura turística pequena, em Anitápolis, os amantes do turismo ecológico praticam rafting, rappel de cachoeira, trilhas na Mata Atlântica, jeepcross, motocross, montanhismo e passeios ecológicos.
Anitápolis possui o maior manancial hidrográfico de Santa Catarina. Os rios que cortam o seu território formam inúmeras cachoeiras: do Povoamento, da Prata, Maracujá, Branco e do Meio Serrinha. A mais conhecida é a Cachoeira da Usina, distante 500m da sede municipal. Transformada em área de lazer, a área da antiga usina tem várias formações de piscinas naturais para banho.
Quem não gostaria de viver numa cidade assim? Pequena, tranqüila, com a natureza abundante à volta…
A desgraça de Anitápolis
Toda essa riqueza natural ecologicamente equilibrada está com os dias contados. Por quê? Porque, infelizmente, Anitápolis foi agraciada também com uma gigantesca e fabulosa jazida de fostato, que representa 10% das reservas de fosfato que o Brasil dispõe.
E adivinhem quem vai ganhar muito dinheiro ao explorar essa maravilha? As multinacionais Bunge e Yara Brasil. O Grupo adquiriu a Serra do Rio do Pinheiro e promete investir – nos próximos três anos – R$ 550 milhões na construção de uma fábrica de fertilizantes na bela e intocada Anitápolis. Assim, esta sediará uma joint venture: a Indústria de Fosfatados Catarinense, com produção de 240 toneladas de ácido fosfórico e de 240 mil toneladas anuais de fertilizante. Isto representa 2,5% do consumo nacional de fertilizantes.
A postura dos “Detentores de Algum Poder”
O Governo atual está pra lá de satisfeito! No início de abril de 2008 (ano de eleições, período em que tudo acontece!), Santa Catarina firmou um protocolo de intenções com as multinacionais. Para estimular a instalação do empreendimento, concederá todos os incentivos fiscais necessários. E o atual governador garantiu asfaltamento das estradas da região para atender a demanda dos caminhões além de acesso asfaltado ao local do empreendimento.
Esqueci de falar da promessa de criação de 2 mil empregos diretos e indiretos. Isso – para muitos – é sinônimo do progresso invadindo a cidade por causa da jazida de fosfato!
O fosfato polui
O geólogo José Carlos Alves Ferreira, formado pela Universidade da Califórnia, ao tratar do fosfato afirmou que “a grande poluição que se vê hoje no Pantanal deve-se ao fosfato dissolúvel resultado do modelo agroquímico”. Por ser lixiviável e hidrossolúvel, ele vai diretamente para os rios e os contamina. Com isso, a extração do fosfato provocará, com certeza, a contaminação dos recursos hídricos da região, em especial, do Rio Braço do Norte. E, em decorrência, teremos chuva ácida.
A Bunge degrada
A Bunge possui um histórico comprovado de degradação ambiental. Recentemente, nos autos da Ação Civil Pública 200340000054510, a Desembargadora Federal do TRF 1ª. Região SELENE MARIA DE ALMEIDA, ao desconstituir um Termo de Ajuste de Conduta, entendeu que à ré Bunge Alimentos S/A não é permitido obter “maiores lucros à custa da destruição do que sobrou do cerrado do Piauí. Também não vale explorar o tema da miserabilidade da região e a necessidade de criação de empregos para justificar lucros maiores em detrimento do meio ambiente piauiense”. Para a Dra. Selene, “o desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos não é aceitável, pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros, utilizando-se de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada”.
Concluindo
A extração do fosfato em Anitápolis para produção de fertilizante e aplicação no cultivo insustentável do soja implica também a devastação de florestas para o cultivo desse grão. Prejuízo cá e lá. Complicação tão fácil de entender! – como diz nosso poeta Lulu Santos.
Para finalizar, pergunto: como foi o licenciamento desta fábrica? Quem vai fiscalizar essa produção? Afinal, vivemos num Estado aonde a fiscalização ambiental é zero. E no qual os “Detentores de Algum Poder” apostam todas as fichas no desenvolvimento a qualquer preço.
Acorda, Santa Catarina! Esta degradação não vai ficar pairando somente sobre o território de Anitápolis. Ela será regionalizada e atingirá Florianópolis através das águas que nos abastecem e que vêm daquela região. A Dra. Selene de Almeida está certa: quando se trata de meio ambiente, não cabem as intervenções tardias. A luta é pra ontem!
Obs.: este texto é uma homenagem ao meu amigo Judson Barros que luta praticamente sozinho contra a Bunge no Piauí. Sua ong Funaguas é que extraiu a decisão insólita que eu menciono acima. Seu lema é: “se depender de mim, o Piauí não vai levar na Bunge”.
Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, e-mail: ana@ecoeacao.com.br.