Depois de quase dois anos, vítimas do césio 137 voltam a receber remédios e pedem assistência médica para todos
Vítimas do césio 137 pedem ampliação da assistência médica
Em falta há quase dois anos, os remédios para as 60 vítimas diretas do césio 137 contaminadas há 25 anos em Goiânia, voltam a ser distribuídos este mês. Mas a associação das vítimas quer atendimento médico para todos os mil cadastrados no Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara), que pertence à Secretaria da Saúde do Estado de Goiás.
O fato, que ficou conhecido como o acidente do césio 137, ocorreu no dia 13 de setembro de 1987, quando uma cápsula contendo um pó que emitia luz azul brilhante foi aberta, de modo desavisado, por catadores de material reciclável em Goiânia. O brilho azulado encantou trabalhadores e familiares. Logo se espalhou também pela vizinhança. Em pouco tempo, as pessoas começaram a se sentir mal. Consultada a Vigilância Sanitária, foi constatado que a substância era o elemento químico césio 137, altamente radioativo.
Ainda hoje, o episódio se faz presente na vida dos acidentados e na memória da cidade. Vinte e cinco anos depois, as vítimas reivindicam assistência médica adequada, ressarcimento financeiro e pesquisa científica sobre as consequências da radiação a longo prazo. É o que pede Odesson Alves Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Césio 137 (AVCésio).
Odesson teve um dedo da mão direita amputado e outro da mão esquerda atrofiado por causa do contato com a substância. Era caminhoneiro e motorista de ônibus. Foi obrigado a se aposentar aos 32 anos. É irmão de Devair Ferreira, dono do ferro-velho onde a cápsula foi aberta, e de Ivo Ferreira, também contaminado.
Ele reclama que o Centro de Assistência aos Radioacidentados não vem cumprindo a função. O centro possui cerca de mil cadastrados, mas só 164 pessoas são acompanhadas pela instituição. Dessas, 60 são vítimas diretas do césio e devem receber medicamentos, mas isso não acontece desde novembro de 2010. O restante dos cadastrados não tem direito a assistência médica, apenas a ajuda financeira, no valor de um salário mínimo.
— O centro só existe porque existem os radioacidentados que precisam de assistência. Se ele não dá assistência, não precisa existir. Todos os envolvidos no acidente deveriam ter acompanhamento médico — reclama Odesson.
O diretor-geral do centro, André Luiz de Souza, disse que, desde a semana passada, a distribuição de medicamento para os 60 acidentados está sendo normalizada. Mas, segundo ele, isso não é o suficiente. Souza concorda com a reivindicação de assistência médica para todos.
De acordo com o diretor, as 164 vítimas que recebem acompanhamento do centro pertencem aos grupos 1 e 2, que estiveram em contato direto ou indireto com o césio. Os outros cadastrados pertencem ao grupo 3, composto por profissionais que auxiliaram no acidente, como policiais, bombeiros e pessoas que trabalharam na descontaminação da região e na remoção dos rejeitos.
A Lei 14.226/2002, do estado de Goiás, reconheceu que os integrantes do grupo 3 também devem receber assistência integral. Mas o centro, sozinho, não tem condições de fornecê-la. Souza disse que o Ministério Público de Goiás já tomou conhecimento de que a lei não está sendo respeitada.
— O que é de competência do centro, nós estamos fazendo — garantiu.
Discriminação
Em compensação, Souza afirma que o trabalho de descontaminação feito à época foi muito bom. Ele contou que, há cinco anos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez um estudo sobre as doenças que estão acometendo os envolvidos com o césio 137 e chegou à conclusão de que elas são as mesmas que acometem o resto da população, na mesma proporção. Mas o diretor pondera que é obrigação do poder público acompanhá-los para ver se surge algum sintoma diferente.
De acordo com o diretor, hoje a discriminação é o grande problema e não as doenças:
— Os acidentados são discriminados pela sociedade e, às vezes, até pela própria família. O estigma os torna mais vulneráveis e suscetíveis a transtornos psicológicos, conforme atestou pesquisa feita recentemente pela Secretaria da Saúde de Goiás.
Os perigos da radioatividade
De acordo com o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste, a radiação é uma forma de energia que se propaga no espaço, a partir de uma fonte emissora. Ela pode interagir com o corpo humano e alterar as estruturas celulares. A luz do sol é a forma mais comum de radiação.
A radioatividade é a emissão espontânea de radiação por determinados elementos químicos. Foi descoberta em 1896, pelo físico francês Henri Becquerel. Ele esqueceu uma rocha de urânio sobre um filme fotográfico virgem e constatou no dia seguinte um fato diferente: o filme foi marcado por raios emitidos pela rocha. A descoberta passou a ser estudada e utilizada para beneficiar o homem. Mas, se mal aplicada, pode ter efeitos irreversíveis.
Segundo relatório da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados sobre segurança nuclear, as consequências para os seres humanos são muitas e variáveis, dependendo dos órgãos e sistemas corporais atingidos. Conforme o caso, pode haver consequências também para os descendentes diretos.
A gravidade depende da dose absorvida, do tempo de exposição e da forma de exposição, se no corpo inteiro ou se localizada. Quando a dose de radiação é alta, muitos tecidos e órgãos do corpo são atingidos. Entre os sintomas, estão náuseas e vômitos, queda de cabelo, distúrbios do comportamento, alterações no sangue e lesões na pele.
Quanto menor for o intervalo de tempo entre a exposição e o início dos sintomas, mais grave é o quadro. É o que se chama de síndrome aguda das radiações (SAR). O câncer está entre os efeitos tardios. As manifestações hereditárias ou genéticas podem surgir como resultado de danos em células reprodutoras da pessoa que sofreu a radiação.
No caso dos acidentados de Goiânia, algumas pessoas já apresentavam náuseas e vômitos no mesmo dia do contato com o césio 137, em quadro típico de SAR. Além das quatro mortes, diversas pessoas sofreram amputações, falência de medula óssea e lesões cutâneas em consequência da radiação.
Matéria de Joseana Paganine, do Jornal do Senado / Agência Senado, publicada pelo EcoDebate, 26/09/2012
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