Após o desastre nuclear de Fukushima, Japão recua em relação à ideia de um futuro não nuclear
Usina de Fukushima, após o desastre nuclear. Foto no Der Spiegel
Após a catástrofe nuclear de Fukushima, o Japão dirigiu sua atenção para as fontes de energia renováveis. No entanto, serão necessários anos para o desenvolvimento de tais tecnologias. Enquanto isso, o país está importando uma quantidade cada vez maior de combustíveis fósseis e cogitando retomar o seu projeto de energia nuclear. Matéria de Wieland Wagner, em Der Spiegel, publicada pelo UOL Notícias.
Yasuyuki Ikegami tem sido muito solicitado desde o desaste ocorrido na usina nuclear de Fukushima. Ikegami, que é especialista em energia marinha, passou anos estudando maneiras de gerar eletricidade a partir da energia das ondas e das marés. Um ano após o desastre nuclear do Japão, a pesquisa dele está mais em voga do que nunca.
A catástrofe levou os japoneses a se concentrarem nas tecnologias de energias renováveis. O país já foi um dos pioneiros nessa área, mas isso foi antes de os japoneses terem se dedicado de corpo e alma à energia atômica.
Ikegami tem exibido protótipos no seu centro de pesquisas na cidade de Saga, no sudoeste do Japão. Desde o desastre de Fukushima, várias prefeituras estão competindo para que as regiões marítimas ao largo das suas costas sejam escolhidas como áreas de testes desses projetos. Mas Ikegami teme que o entusiasmo do Japão pela energia alternativa possa em breve se dissipar.
Os temores dele devem-se, em parte, ao fato de o primeiro-ministro Yoshihiko Noda ter recentemente feito com que dois reatores da usina nuclear de Ohi, no oeste do Japão, cujo funcionamento havia sido interrompido, voltassem a operar. A medida abalou as esperanças de que houvesse uma rápida adoção das fontes de energia renováveis no Japão, apesar de centenas de milhares de pessoas terem saído às ruas de Tóquio na semana passada para protestar contra a energia nuclear –um fato surpreendente em um país como o Japão, que sempre viu essa fonte de energia com bons olhos.
O governo já está avaliando a possibilidade de recolocar outros reatores nucleares em operação. Antes do acidente de Fukushima, o Japão satisfazia cerca de 30% da sua demanda por eletricidade com a energia nuclear, enquanto que as fontes de energia renováveis respondiam por aproximadamente 10% do suprimento total. Mas, se a energia hidroelétrica não for incluída na lista, as fontes de energia renováveis irão corresponder a apenas cerca de 1% do total.
Lições tiradas do desastre
No entanto, as luzes não se apagaram no Japão após Fukushima e durante um breve período o país pareceu estar extraordinariamente preparado para tirar lições do desastre. Pouco depois da crise do petróleo, no início da década de 70, executivos de companhias e cientistas apresentaram ideias concorrentes para que o país pudesse economizar energia elétrica e desenvolver fontes alternativas de energia.
O debate intensificou-se devido a uma nova lei que entrou em vigor no dia 1º de julho. Ela exige que os nove monopólios regionais de energia elétrica do Japão comprem a energia derivada de fontes renováveis a preços comparativamente elevados de produtores privados e que adicionem essa energia às suas redes de distribuição.
Ryuzo Furukawa, 40, também tornou-se subitamente um especialista muito solicitado. Este professor gosta de conhecer os visitantes no Laboratório Ecológico da Universidade Tohoko, na cidade de Sendai, no norte do país. Em busca da arte perdida da procura de um estilo de vida sustentável, Furukawa realizou uma ampla pesquisa junto a cidadãos japoneses de mais de 90 anos de idade. “Para conservarmos energia, nós temos que ressuscitar os valores de boa vizinhança”, conclui ele. Em cidades como Sendai, por exemplo, o professor deseja criar instalações públicas nas quais os moradores possam recarregar juntos os seus telefones celulares e aprimorar a apreciação coletiva do valor da eletricidade.
Enquanto isso, Ikegami, o especialista em energia marinha, deseja seguir o exemplo da União Europeia, que conta com uma estação experimental para o aproveitamento da energia das ondas e das marés ao largo da costa da Escócia. No Japão, os pescadores locais frequentemente impedem a aprovação de tais instalações experimentais. Por causa disso, a produtora japonesa Kawasaki Heavy Industries, por exemplo, também tem que testar a sua tecnologia para a utilização da energia marinha na costa da Escócia, e não no litoral do Japão.
“A energia marinha proporciona à indústria japonesa novas oportunidades de crescimento”, argumenta Ikegami, observando que companhias de construção naval, como a Mitsubishi, poderiam aplicar seus conhecimentos na construção de usinas para geração de eletricidade a partir das ondas do mar. Segundo Ikegami, o Japão não tem tempo a perder, especialmente porque a sua rival, a China, há muito começou a desenvolver tais tecnologias.
A terra dos vulcões e das fontes termais
Os japoneses também estão levando as energias solar e eólica novamente a sério. Um consórcio japonês pretende construir a maior instalação de energia eólica do mundo ao largo da costa de Fukushima.
Ao contrário do governo nacional, a prefeitura de Fukushima, onde o acidente nuclear ocorreu, tem repudiado oficialmente a energia nuclear. Como o oceano é muito profundo na área, as turbinas eólicas serão instaladas sobre plataformas flutuantes.
“Megasolar” é outra expressão que tem circulado no país desde o desastre de Fukushima. Em várias regiões, os políticos locais estão descobrindo a construção de parques solares como um novo setor econômico. Os analistas estimam que a capacidade de energia solar do Japão possa ser quadruplicada, chegando a 19 gigawatts até 2016. Companhias japonesas como a Sharp também esperam se reposicionar globalmente com usinas solares de grande dimensão. Assim como os alemães, os japoneses sentem-se pressionados pela concorrência chinesa de baixo custo no setor de usinas nucleares menores.
A energia geotérmica também está se transformando em uma parcela importante do conjunto de fontes de energia do Japão. A terra dos vulcões e das fontes termais conta com o terceiro maior potencial geotérmico do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Indonésia. Para se beneficiar desse recurso energético abundante, o governo japonês pretende abrir mais parques nacionais no norte do país para o desenvolvimento da energia geotérmica.
Mas provavelmente serão necessárias décadas para que as tecnologias alternativas fiquem suficientemente maduras para substituir a energia nuclear, afirma Atsushi Tsutsumi. Este professor de engenharia industrial prefere concentrar-se no aumento da eficiência energética. No seu escritório na Universidade de Tóquio, Tsutsumi utiliza um conjunto de diagramas complicados para explicar a sua tecnologia, que possibilita a recaptura e a reutilização da energia térmica que é perdida em processos como a produção do etanol. O seu novo método já está sendo utilizado em uma fábrica no sul do Japão.
Entretanto, as companhias e os governos municipais frequentemente carecem de uma estrutura legal concreta e de incentivos fiscais para possibilitar o investimento em novas formas de energia e tecnologia. “O Japão necessita de uma filosofia”, afirma Tsutsumi. Somente no mês que vem, quase um ano e meio após o desastre de Fukushima, o governo do Japão pretende revelar sua nova estratégia energética para o futuro, cobrindo um período que vai até 2030.
Pouco espaço para debate
Especialistas em Tóquio estão atualmente discutindo qual deveria ser exatamente o pacote de fontes de energia utilizado pelo Japão. O ministro do Meio Ambiente, Goshi Hosono, apoia um plano segundo o qual a parcela reservada à energia nuclear diminua para 15%. Mas quem estaria disposto a acreditar nele, especialmente após sua proposta anterior de limitar o tempo de vida útil das usinas nucleares a 40 anos? Tóquio está agora cogitando arquivar esse limite e adotar períodos de vida útil mais longos. No futuro, decisões quanto à vida útil dos reatores serão tomadas por uma nova agência de segurança nuclear, que deverá começar a funcionar neste ano.
Ao contrário da chanceler alemã Angela Merkel, os políticos japoneses jamais anunciaram uma abolição gradativa da energia nuclear. Tudo o que eles fizeram foi cancelar temporariamente essa tecnologia polêmica –usando uma abordagem bastante japonesa que enfatiza a harmonia coletiva e deixa pouco espaço para debates.
O lobby nuclear, que inclui desde as poderosas empresas de energia elétrica até a mídia subserviente, e que é conhecido no Japão como a “vila atômica” (“Genpatsu Mura”), vem simplesmente atuando com mais discrição por saber muito bem o quanto o desastre de Fukushima e as suas consequências afetaram o povo japonês.
Segundo estimativas oficiais, cerca de 160 mil moradores foram obrigados a abandonar as áreas contaminadas pela radiação e muitos não poderão retornar durante décadas. Notícias periódicas sobre casos de contaminação de alimentos também têm feito com que o medo da população persista.
Isso faz com que vários municípios e comunidades hesitem em concordar com a reativação de mais usinas nucleares. Segundo pesquisas de opinião, mais da metade dos japoneses se opõe à reativação das usinas nucleares. O governo espera reverter essa tendência com a reativação dos reatores da usina de Ohi. O primeiro-ministro Noda chegou a ignorar as advertências dos sismólogos de que a usina de Ohi pode estar situada sobre uma falha tectônica ativa.
Milhares de manifestantes contra a energia nuclear protestam regularmente perto do gabinete de Noda em Tóquio. Mas os políticos japoneses ainda não aprenderam a levar a sério os seus cidadãos preocupados. No dia de um recente protesto, Noda manifestou surpresa com o “grande barulho” lá fora, segundo o jornal “Asahi Shimbun”.
Preocupação com as folhas de balanço
O premiê está com pressa. Os oponentes da energia nuclear suspeitam que Noda esteja determinado a desmentir a alegação deles de que é possível sobreviver ao verão japonês sem a eletricidade gerada pelos reatores nucleares.
Os japoneses geralmente usam seus aparelhos de ar-condicionado a toda potência nos meses de julho e agosto. Os especialistas preveem que, nos horários de pico, a demanda por eletricidade possa exceder perigosamente a capacidade na área de Osaka. Mas, mesmo após os pequenos passos que o Japão deu no sentido de retomar o uso da energia nuclear aos níveis anteriores, o fornecimento anda complicado. Empresas e residências continuam enfrentando problemas durante um enervante verão marcado pela economia de energia elétrica.
Muitas fábricas compraram seus próprios geradores para protegerem-se de apagões. Outras esperam evitar gargalos na produção com a adoção de turnos de trabalho nos fins de semana. Alguns executivos estão cogitando transferir suas fábricas para o exterior.
O governo teme também que as usinas nucleares que tiveram as operações interrompidas quebrem as folhas de pagamento das principais empresas de energia elétrica. A Companhia de Energia Elétrica de Tóquio, a operadora do reator que foi destruído em Fukushima, foi praticamente nacionalizada. A companhia está se deparando com pedidos de indenização no valor de bilhões de euros. As empresas de energia elétrica também estão reclamando dos custos crescentes das importações de petróleo e gás natural, que elas utilizam para alimentar suas usinas convencionais de geração de eletricidade. Muitas dessas usinas foram reativadas apressadamente após o acidente de Fukushima.
A parcela referente ao gás natural liquefeito como fonte de energia elétrica do Japão aumentou recentemente para quase 40%. Mas são os consumidores que vão acabar arcando com o prejuízo, e a Companhia de Energia Elétrica de Tóquio já está planejando impor aumentos substanciais das suas tarifas.
A dependência crescente desta nação insular da energia importada está gerando também temores quanto à segurança nacional. O Japão, que possui poucos recursos minerais próprios, importa mais de 80% do seu petróleo do Oriente Médio.
“Abundância de emprego”
As usinas convencionais de geração de energia elétrica do país estão atualmente operando a plena capacidade. Serviços de manutenção importantes foram adiados. “Nós imploramos a todos os deuses do mundo para que nos proporcionem temperaturas favoráveis, e rezamos para que não haja problemas técnicos”, diz Makoto Yagi, presidente da Companhia de Energia Elétrica Kansai, que cobre o oeste do Japão.
Ao expor cenários terríveis de um verão sem energia nuclear, Yagi desempenhou um papel fundamental para a reativação dos reatores de Ohi. Muitos moradores da cidade de 8.500 habitantes, com suas grutas cobertas por florestas, estão aliviados pelo fato de a usina nuclear –a única grande empregadora da região– ter voltado a operar.
Por outro lado, Jiku Miyazaki, 68, é há muito tempo um inimigo da usina nuclear de Ohi. Após o desastre de Fukushima, este monge budista e sua mulher, Soshin, passaram a sentir-se suficientemente confiantes para manifestar abertamente as suas preocupações. Em ocasiões passadas eles tiveram que arrecadar verbas para ajudar membros da congregação de seu templo, muitos dos quais trabalhavam para a companhia. A cidade inteira depende de subsídios do governo e da Companhia de Energia Elétrica Kansai.
Embora o monge pretenda continuar fazendo advertências sobre os perigos da energia nuclear, ele sabe também que fatos estabelecidos têm mais força do que apelos morais. O monge passa com a sua minivan em frente aos belos edifícios que Ohi pôde construir com o dinheiro advindo da sua indústria nuclear. “Esta é a prefeitura”, diz Miyazaki, apontando para um enorme edifício que, em certos países, poderia abrigar o parlamento.
Miyazaki continua dirigindo por ruas bem pavimentadas até chegar ao centro cultural e ao complexo esportivo adjacente, ambos construídos com verbas da indústria nuclear. “Muita gente na minha congregação nutre secretamente dúvidas quanto à energia nuclear”, diz Miyazaki. “Mas essas pessoas temem ainda mais perder os seus empregos”. Entretanto, o monge acredita que haverá uma abundância de emprego em Ohi durante as próximas décadas. “Se eles suspenderem a operação dos reatores, demolirem as instalações e se livrarem de todo o lixo nuclear, haverá muitos empregos.”
Tradutor: UOL
EcoDebate, 01/08/2012
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