MPF/AL requer indenização de R$ 125 milhões por danos morais e materiais sofridos pelo grupo indígena Xucuru Kariri
Um dos representantes dos xucurus kariris. Foto do MPF/AL
União e Funai, rés na ação, estão há 19 anos em atraso quanto à demarcação das terras em Palmeira dos Índios. A omissão já resultou na morte de uma dezena de índios, nos últimos 20 anos
Desde 1943, no Brasil, a data de 19 de abril marca o Dia do Índio. Mas o que efetivamente é feito para se resguardar a cultura indígena? Muito pouco. O Ministério Público Federal (MPF) em Arapiraca (AL) propôs ação, nessa segunda-feira, 2 de julho, na Justiça Federal contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai), em que requer indenização de R$ 125 milhões por danos morais e materiais sofridos pelo grupo indígena Xucuru Kariri.
O autor da ação, procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, considerou a omissão das rés na demarcação das terras – já identificadas pelo governo federal como pertencentes aos índios – ao longo de 19 anos. A área está localizada no município de Palmeira dos Índios (zona rural) e consiste em 5.612 hectares.
“A demora na demarcação das terras tradicionais dos índios xucurus kariris traz a eles prejuízos irreparáveis, onde destacamos: os prejuízos culturais, a insegurança alimentar, a violência intertribal e a insegurança social decorrente do conflito de terra com os não-índios da região que se arrasta há mais de três séculos”, explica o representante do MPF junto às causas dos índios e minorias.
A afirmação de José Godoy quanto ao período de conflito (mais de 300 anos), a princípio, pode parecer exagerada. No entanto, é toda fundamentada em documentos, reunidos na ação. Ainda em 1700, a Coroa Portuguesa, por meio do Alvará Régio de 23 de novembro, concedeu “uma légua em quadro” (equivalente a 36 mil hectares) para sustentação dos índios xucurus kariris na região. Mas a determinação não foi cumprida.
Ao longo dos anos, foram registrados incêndios nas matas com a finalidade de afugentar os índígenas. O analista pericial do MPF/AL, antropólogo Ivan Farias, apresentou relatos de historiadores e antropólogos que mostram que os xucurus kariris ficaram amontoados nas terras mais pobres e inférteis do município.
Cenário atual – O grupo Xucuru Kariri é composto hoje de oito comunidades independentes, totalizando mais de três mil indígenas. São aproximadamente 600 famílias concentradas em Palmeira dos Índios. “São precárias as condições de sobrevivência desses índios. Falta alimentos pela ausência de espaços destinados à agricultura de subsistência. Cresce o número de homicídios, uma vez que é recorrente a disputa pela terra”, aponta o procurador.
Os índios dividem uma área já regularizada de 1.315 hectares. Já foi determinado pelo Ministério da Justiça o direito a outros 5.612 hectares (Portaria MJ nº 4.033/2010). De acordo com legislações antigas, emitidas pela Coroa Portuguesa e pelo Império Brasileiro, resta comprovado que os índios tinham direito a mais de 30 mil hectares.
Direito assegurado na CF – Está previsto no artigo 231, da Constituição Federal, que são reconhecidos aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Já o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleu o prazo de 5 anos para que as terras fossem demarcadas, a contar de 1988. Logo, o atraso da União em demarcar estas áreas vem desde 1993, cerca de 19 anos.
Entre os anos de 1988 a 2003, a Funai chegou a criar quatro grupos técnicos voltados à questão das terras dos xucurus karirirs, sem que nenhum relatório fosse sequer publicado. Somente em 2010, após a constituição do quinto grupo, foi publicado documento que reconhecia a existência da terra indígena Xucuru Kariri, por meio da Portaria do Ministério da Justiça nº 4.033/2010 – área de 6.927 hectares. Apesar do reconhecimento federal, nada de efetivo foi feito para a entrega definitiva da posse.
Dificuldades – José Godoy explica que, em decorrência da perda do contato com a terra tradicional, os índios enfrentam dificuldades em manter a sua forma de organização social. “Os xucurus kariris têm dificuldades de passar para as próximas gerações os seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições”, aponta.
Outro problema é a insegurança alimentar. De acordo com o Mapa da Fome entre os Povos Indígenas no Brasil (Instituto de Estudos Sócio-Econômicos e Universidade Federal do Rio de Janeiro), quase toda a população Xucuru Kariri passa fome em razão da insuficiência territorial e dos desmatamentos.
A falta de terras gera também o faccionismo interno. Segundo o antropólogo Ivan Farias, houve o esfacelamento do grupo étnico em diversas aldeias independentes entre si. “O conflito sociocultural entre famílias indígenas Xucuru Kariri culminou em uma dezena de mortes nos últimos vinte anos”, afirma Ivan Farias.
Essa violência fica caracterizada pelo depoimento, registrado em 2009, da xucuru kariri Antônia Urbano Ramos dos Santos, mãe de dois filhos ameaçados e de um terceiro assassinado. Ela declarou que “a família não pode frequentar a escola, sair para trabalhar, visitar seus familiares, ir ao posto de saúde, não pode sequer sair de casa… Vive sofrendo ameaças e teme perder o resto de sua família”. Na ocasião, Antônia recorreu ao MPF, em Arapiraca, para solicitar a intervenção do órgão para a aquisição de uma gleba de terra.
Cálculo da indenização – O procurador tomou como base a extensão da área já reconhecida pela União e Funai como pertencente aos xucurus karirs, ou seja, 6.927 hectares diminuída a parte de terra já entregue (1.315 hectares), totalizando 5.612 hectares. Esse número foi multiplicado pelo período de atraso (19 anos), chegando-se ao resultado de 106.628. Esse número foi multiplicado ainda pelo valor do arrendamento por um ano de um hectare de terra na região (R$ 1 mil). O valor passou então a ser de R$ 106 milhões e 628 mil.
Quanto aos danos morais coletivos, foi definido o valor de um milhão de reais por ano de mora, totalizando o total de R$ 19 milhões. De acordo com a ação, tais valores devem ser revertidos à comunidade indígena Xucuru Kariri, por meio de repasse ao conselho tribal da comunidade.
Liminar – Em sede de tutela antecipada, o MPF/AL requer que seja determinado à União e à Funai que concluam imediatamente a demarcação das terras indígenas Xucuru Kariri, nos seguintes prazos: 30 dias para a conclusão da demarcação física; 60 dias para a conclusão das avaliações de benfeitorias existentes em todos os imóveis incidentes na área; e seis meses para concessão da posse definitiva aos índios.
No caso do descumprimento dos prazos, foi previsto pelo representante do MPF a multa diária de R$ 10 mil reais, revertendo-se em favor do grupo indígena, valor a ser administrado pelo conselho tribal da comunidade.
Fonte: Ministério Público Federal em Alagoas
EcoDebate, 04/07/2012
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