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Artigo

Operação Gargalo, artigo de Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

[Correio da Cidadania] Semana passada, defendi a criação de centros integrados para a fiscalização dos desmatamentos e de problemas correlatos na Amazônia. Estes centros seriam distribuídos por toda a região e atacariam os diversos problemas simultaneamente e de maneira coordenada, com forte trabalho de inteligência e rápido poder de ação e deslocamento. Esta semana, prossigo com o tema e proponho uma ação específica, seja para os centros, seja para algum órgão policial: a Operação Gargalo.

O foco da ação seria o escoamento da madeira ilegal proveniente da Amazônia e baseia-se num princípio muito simples: toda a madeira vinda de lá, seja ela legal ou ilegal, precisa, de alguma forma, escoar para os centros consumidores. E, neste processo, há alguns gargalos geográficos, que facilitariam a fiscalização.

É impossível controlar todas as centenas de estradinhas de terra que rasgam a região amazônica. Porém, após as árvores serem inicialmente processadas, o transporte para os centros consumidores nacionais, localizados principalmente no Sul e Sudeste, tem que passar por alguma das estradas principais que ligam o norte do Brasil ao restante do país. Como há poucas destas estradas em condições razoáveis de tráfego, a idéia é que órgãos de fiscalização – como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Ibama – atuassem em conjunto nestas estradas. Para evitar fugas ou desvios por vias alternativas, alguns dos melhores pontos de fiscalização seriam na travessia de grandes rios, visto que, nestes locais, as opções são ainda mais reduzidas. São particularmente interessantes para esta ação os rios Paraná e seus formadores, Grande e Paranaíba, bem como os rios Tocantins e Araguaia, sendo os primeiros mais próximos dos centros consumidores e os últimos dos locais de produção.

A fiscalização, porém, deveria ser feita em vários pontos ao longo das estradas, inclusive nos estados consumidores e, além da madeira, também poderia atacar outros problemas ambientais paralelos como o tráfico de animais silvestres, por exemplo. Deveria contar ainda com unidades móveis, novamente para evitar que os caminhoneiros aprendessem os pontos e passassem a evitá-los.

Um outro gargalo no escoamento são os portos, por onde sai a madeira com destino internacional. Aqui o estrangulamento é mais forte ainda, pois, atuando apenas nos dois portos grandes o suficiente para permitir o atracamento ou a passagem de grandes navios (Belém e São Luís), controla-se toda a saída de madeira da Amazônia brasileira. Não há, nestes casos, a possibilidade de rotas alternativas ou desvios. E justamente por ser tão fácil é que se torna mais enigmático (e escandaloso) o porquê de não haver uma fiscalização contínua nestes locais.

Com as idéias que tenho apresentado, quero mostrar que o problema da fiscalização na Amazônia tem soluções viáveis e que não dependem de somas mirabolantes de dinheiro, nem de projetos megalomaníacos. Justamente por isto, o fato de a situação não melhorar reflete um problema anterior (e principal): a falta de vontade política. Em nível municipal e estadual, na maior parte dos casos não há interesse em se combater o desmatamento ou, pior, há grande interesse econômico, por parte de poderosos, no desmatamento.

É comum que as próprias forças por trás da destruição estejam entranhadas nos poderes públicos nestes níveis. Em nível federal, não há muito interesse também, pelo peso político do setor ruralista como um todo e pela aliança que o presidente Lula (e os governos anteriores também) estabeleceu com ele. Com este caldo de cultura, fermenta-se também uma política de corrupção na fiscalização, que impede que ações mais efetivas sejam tomadas. Não é rara ainda a intimidação física e psicológica de pessoas idealistas e dos profissionais de órgãos públicos que tentam fazer algo efetivo, como demonstram vários casos de ameaças, agressões e assassinatos.

E não ajudam em nada declarações como as recentemente dadas por Mangabeira Unger, a maior autoridade de um dos principais programas para a Amazônia, o Plano Amazônia Sustentável. Para o ministro, o regime legal de proteção do meio ambiente “não foi construído para valer”, mas como “retórica para aplacar não a nós mesmos, mas, sobretudo, os estrangeiros”. O ministro clama por uma flexibilização da legislação ambiental e critica o que vê como um excesso de leis ambientais. Tudo dentro da perspectiva governamental de enxergar o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento.

Isto também casa muito bem com o fato de que a legislação ambiental tem sido (ainda bem) o principal incômodo do governo e do setor privado em sua sanha de aprovar toda e qualquer mega-obra na Amazônia com o mínimo de restrições e o máximo de velocidade possíveis, independentemente de seus impactos sociais e ambientais. Mas se a situação já está ruim e as leis atuais desrespeitadas, que dirá se elas forem flexibilizadas? Será o início de uma ‘licença para desmatar”.

Voltando à fiscalização, dentro das ações propostas na Operação Gargalo, poderia ser feito ainda um trabalho conjunto de inteligência envolvendo a Polícia Federal e o Banco Central, para rastrear e fiscalizar o dinheiro advindo de crimes ambientais, uma forma de atacar o problema pela base. Não nos esqueçamos que Al Capone não foi preso por seus inúmeros crimes mais bárbaros, e sim por sonegar imposto de renda.

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews (Escócia).

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Correio da Cidadania.

[EcoDebate, 03/09/2008]