Os efeitos colaterais do ‘capital volátil’ e a esperança dos royalties da mineração, artigo de Cristiano de Oliveira
Os efeitos colaterais do “capital volátil” e a esperança dos royalties da mineração
Cristiano de Oliveira1
[EcoDebate] “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá…”. Do poema escrito por Gonçalves Dias, no longínquo ano de 1843, em Coimbra, Portugal, cuja transcrição do primeiro verso se fez propositadamente, surgiu a inspiração para as considerações que se seguem.
A cidade de Conceição do Mato do Mato, localizada a apenas 160 km da capital mineira, vive momento singular em sua história. De certo modo, há certo otimismo com o progresso que poderá advir com a exploração de minério de ferro na região. Parcela dos cidadãos já despende a força laborativa para empregadores diversos que se instalaram na cidade e região e aparentam receber remunerações dignas.
No entanto, os primeiros sinais das mazelas decorrentes da implantação empreendimento já podem ser percebidos na região. Recentemente, assistiu-se na região a uma tentativa de “insurreição dos saberes sujeitados” (ARCELO, 2004) – caso das comunidades quilombolas – contra os efeitos colaterais do denominado “capital volátil”.
Felizmente, até onde se tem conhecimento, agentes públicos saíram em socorro a estas minorias que se insurgiram e de outras que têm sofrido os efeitos negativos da primeira fase do empreendimento minerário, tanto por meio da realização de audiências públicas quanto da adoção de medidas junto ao Poder Judiciário.
As entidades da sociedade civil organizada também têm acompanhado de perto os problemas e serão vitais para se estabelecerem diálogos entre os representantes do empreendimento e a comunidade, bem como veicularem demandas e reivindicações do gênero, contribuindo verdadeiramente para a construção do direito no Estado que o constituinte originário de 1988 intitulou democrático.
Feitas estas breves considerações, pretende-se realizar apontamentos sobre a denominada Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais – CFEM, também conhecida por royalty, precisamente em relação à mineração.
Sem adentrar na discussão acerca de sua natureza jurídica, acredita-se que os recursos a serem arrecadados com este importante mecanismo, previsto no art. 20, § 1º, da CR/88 e instituído pela Lei n. 7.990, de 1989, poderão, se bem empregados pelos futuros gestores, minimizar a “natural” degradação ambiental decorrente da exploração mineral e os inevitáveis impactos socioeconômicos que desta advirão.
No ano em que os cidadãos conceicionenses elegerão novos representantes políticos – Executivo e Legislativo –, parece salutar que os aspirantes aos mandatos se manifestem sobre o tema nas pautas ou programas de governo.
O tema merece debate, ainda que não se precise o momento exato em que haverá a venda do produto mineral, pois a CFEM ainda é calculada sobre o valor do faturamento líquido obtido por ocasião da alienação do produto, vale dizer, depois de deduzidos os tributos que incidem na comercialização, como a também as despesas com transporte e seguro, conforme art. 2º, da Lei n. 8.001, de 1990.
E por falar em despesas com o transporte, está notoriamente demonstrado que haverá significativa redução destas quando comparadas com os meios logísticos empregadas por outros empreendimentos do gênero em terrae brasilis, de maneira que a arrecadação com a CFEM poderá ser maior do que se espera.
Cabe lembrar, consoante se verifica do art. 3º, IX, da Lei n. 8.876, de 1994, que o órgão incumbido da normatização e da fiscalização sobre a arrecadação da CFEM é o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
De acordo com informação extraída do sítio deste órgão na rede mundial de computadores, os valores arrecadados a título de CFEM são repassados nos seguintes percentuais aos entes federados:
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12% para a União (DNPM, Ibama e MCT)
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23% para o Estado onde for extraída a substância mineral.
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65% para o município produtor. (DNPM, 2012).
Por outro lado, merece ser registrado haver forte entendimento de que a competência para a fiscalização da correta aplicação dos valores recebidos a título de royalties da mineração seria Tribunal de Contas do Estado, eis que constituem receitas originárias dos Estados e Municípios (THOMÉ, 2009).
Como se percebe, há grande possibilidade de os cofres públicos municipais receberem valores significativos, superiores às receitas auferidas com a arrecadação de tributos como IPTU, ITBI e ISS, por exemplo, e aos repasses voluntários feitos pela União e o Estado de Minas Gerais, e a correta aplicação deles merece ser colocada em pauta.
Se os empreendedores têm auferido ganhos astronômicos no mercado de capitais em razão da atividade minerária em nossa região, antes mesmo de o produto da lavra ser comercializado, também podemos sonhar – na verdade nos preocupar – com a destinação dos royalties em Conceição do Mato Dentro. A discussão não é precipitada, pois os efeitos socioeconômicos já podem ser percebidos. Enfim, enquanto em nossa terra ainda tem palmeiras, onde canta o sabiá, vamos ver o que o “capital volátil” irá nos legar.
Referências Bibliográficas
ARCELO, Adalberto Antônio Batista. A insurreição refém. Artigo publicado na obra Na companhia de Foucault: 20 anos de ausência. PASSOS, Isabel Friche & BELO, Fábio (Orgs.). Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2004. Disponível em: [http://www.pucminas.br/destaques/index_interna.php?pagina=1512 ]. Acesso em: 14.05.2012.
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm ]. Acesso em: 14.05.2012.
______. Lei n. 7.990, de 1989, que institui, para os Estados, Distrito Federal e Municípios, compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataformas continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, e dá outras providências. (Art. 21, XIX da CF). Disponível em: [
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7990.htm ]. Acesso em: 14.05.2012.
______. Lei n. 8.876, de 1994, que autoriza o Poder Executivo a instituir como Autarquia o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e dá outras providências. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8876.htm ]. Acesso em: 14.05.2012.
Departamento Nacional de Produção Mineral. 2012. Disponível em: [http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=60 ]. Acesso em 14.05.2012.
THOMÉ, Romeu. A função socioambiental da CFEM – compensação financeira por exploração de recursos minerais. Revista de Direito Ambiental. Vol. 55, jul/set. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
1Bacharel em Direito pela PUC-Minas (Serro). Especialista em Direito Processual. Assessor Jurídico.
EcoDebate, 18/05/2012
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