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Artigo

Eles matam elefantes, artigo de Paulo Delgado

 

[Correio Braziliense] Felipe Juan Froilán Marichalar y Borbón, 13 anos, neto mais velho do rei da Espanha e um dos herdeiros do trono, atirou acidentalmente em seu próprio pé no jardim da casa de seu pai, em Soria, no norte do país. No hospital em Madri, onde foi operado e se recuperou, recebeu a visita da avó, a rainha Sofia, que não quis dar a opinião da Casa Real sobre o fato de o neto ter se ferido com um tiro de espingarda, num país que proíbe a posse e o manuseio de armas de fogo por menores de 14 anos. Pediu ao povo compreensão para as atitudes de um adolescente. A Guarda Civil comunicou que, mesmo tendo havido uma infração à lei, não abrirá qualquer tipo de inquérito.

Na semana seguinte seu avô, o rei Juan Carlos I, há 37 anos no trono, fraturava o quadril ao quarto dia de uma caçada a elefantes, prevista para durar uma semana, em Botswana, na África. Os custos dessa semana de safári politicamente incorreto de Sua Majestade são muito superiores ao salário médio anual dos seus súditos de classe média. Numa Espanha atolada em desemprego e cortes de despesas públicas não é nada bom saber que o chefe da monarquia, instituição arcaica que muitos de seus compatriotas pedem a extinção, mata elefantes na África. Quantos elefantes serão necessários morrer para que o rei se dê conta da vida dos outros? O rol de constrangimentos que a Casa Real causa aos espanhóis não para aí: o rei é um dos fundadores e presidente de honra do WWF, a organização de defesa do meio ambiente que tem como símbolo o panda, o simpático urso chinês, ameaçado de extinção.

No início do século 20, depois de mudar de partido e perder sua terceira eleição para a Presidência dos EUA, Theodoro Roosevelt veio ao Brasil aplacar a melancolia na busca do Rio das Dúvidas, na selva amazônica. A imprensa do Mato Grosso, por onde começou a jornada, registrou que “com grande entusiasmo e magnífico tempo prosseguem as caçadas realizadas pelo senhor Theodor Roosevelt e outras pessoas gradas”. Antes, porém, de completar dois meses no país, andar 1.500km e contrair a malária que o matou prematuramente em Nova York, Roosevelt realizou seu maior feito. Com uma bala certeira, com ponta de aço, atirando “a uma distância de 60 metros, usando minha espingarda favorita, uma Springfield pequena, com a qual já havia abatido muitas espécies africanas, desde o leão até o elefante”, derrubou de uma árvore uma onça pintada, para depois comê-la no jantar. O Canadá, segundo país em extensão territorial, é rico, multicultural, bilíngue, e se organiza como monarquia constitucional, parte do Reino Unido. Encontrou na folha espalmada do bordo, muito parecida com a de plátano, o rosto da nação e fez dela sua bandeira há menos de 50 anos. Árvore originada no Japão, o bordo altera suas cores durante as estações do ano e chega vermelha ao outono, pouco antes de sua queda. Mas isso não quer dizer que o gigante do Polo Norte respeite a natureza como sugere sua harmoniosa bandeira.

Todos os anos, 500 ursos-polares, desses bem brancos como se fossem de pelúcia, são mortos com autorização do governo, para incentivar o turismo. Especialmente por milionários chineses que pagam 60 mil euros para, acompanhados de guias, fuzis e trenós puxados por cães treinados para seguir os rastros do rei do Ártico, fazer mais curta a tragédia de sua extinção. Os esnobes turistas competem com o aquecimento global que, ao fazer desaparecer as geleiras da capota terrestre, desequilibra o ecossistema do feroz animal. Assim, não tendo mais alimento suficiente para armazenar gordura que o proteja do inverno e lhe dê fertilidade, o urso polar vira presa fácil a caminho de se transformar em tapete. Mamífero adorado pelas pessoas que visitam zoológicos, engorda a lista do Fundo Mundial para a Natureza — o WWF, do rei espanhol caçador de elefantes — como um dos 10 animais do mundo em perigo de extinção iminente. Pelo visto, a despreocupada mania da nobreza de fazer da caça um dos seus privilégios ultrapassou a Idade Média. Para atualizar a maldade há quem defenda a coincidência entre a atividade de caçar e as estratégias de preservação da natureza. Para estes, nada melhor do que lembrar a desastrada decisão de Mao Tse Tung de fazer dos pardais os maiores inimigos das colheitas. Matar pardais ou forçá-los a voar sem mais pousar, até morrerem de exaustão, levou a China a um desequilíbrio ecológico devastador que atingiu pássaros e árvores e, aumentando a proliferação de pragas e gafanhotos, produziu a fome e a morte de milhões de pessoas.

Às vésperas da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que ocorre mês que vem no Rio, é bom saber que nada pode ser feito sem mudança de mentalidade. Porque as pessoas e a natureza muito se parecem: é mais fácil levá-las à tristeza do que à alegria.

PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.

EcoDebate, 15/05/2012

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