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Artigo

Sustentabilidade: mantra ou escolha moral? uma abordagem ecológico-econômica, artigo de Clóvis Cavalcanti

 

RESUMO

Qual é o tamanho ótimo da escala econômica que a natureza pode admitir? A questão requer que se esteja falando de uma situação em que a economia seja vista como subsistema do ecossistema. É assim que a economia ecológica percebe a realidade e é nessa óptica que se configura o conceito de sustentabilidade ecológica. O impacto ambiental do crescimento sobre os recursos e sumidouros da natureza tem que ser contido dentro de limites. A noção usual de sustentabilidade, porém, dá a impressão de se ter convertido numa espécie de mantra da atualidade, sem maior compromisso. Mudanças no sistema econômico são inevitáveis como forma de adaptação às restrições que o processo econômico confronta. Cabe indagar o que é que se deseja sustentar e em que escala de tempo. À sociedade cumpre escolher a mudança a se fazer: uma escolha moral.

Palavras-chave: Sustentabilidade, Escala ótima da economia, Limites ecológicos, Modelo extrair-produzir-descartar.


ABSTRACT

What is the optimum scale of the economy compatible with nature? This question asks for consideration of the economy as a subsystem of the ecosystem. Ecological economics adopts that perspective permitting that the concept of environmental sustainability be established. This implies that the environmental impact of growth on the source and sink functions of nature be contained within limits. The usual notion of sustainability, however, gives the impression of having been transformed into a kind of today’s mantra, without serious obligations. Changes in the economic system are unavoidable as a means of adaptation to the restrictions that the economic process encounters. This requires knowing what it is to be sustained and in within which time scale. The duty of choosing the changes to be made must be ascribed to society: a moral choice.

Keywords: Sustainability, Optimum scale of the economy, Ecological limits, Extraction-production-discarding model.


 

 

“Fazer as leis da economia se conformarem às leis biofísicas,
não importando quão trivialmente verdadeiras sejam as últimas,
não é tarefa trivial!”
(Herman Daly, 2007, p.3)

 

Crescimento e insustentabilidade

É generalizada a noção de que se necessita de crescimento econômico acelerado para atendimento das necessidades básicas da população. A insistência sobre essa necessidade tem tomado corpo ainda maior com a crise econômica mundial deflagrada em 2008 – cujo início teria sido exatamente uma bolha de crescimento. Sobre a questão, por exemplo, a comedida e vetusta revista britânica The Economist, por sua coluna Bagehot (2011, p.62) comenta: “Sem crescimento, um bocado das reformas da coalizão [do governo da Grã-Bretanha] não funcionará. Isso seria trágico”. Porém, crescer como? Que ritmo de crescimento é suportável numa economia? E qual é o tamanho ótimo da escala macroeconômica diante da capacidade de suporte que a natureza apresenta? Bom, isso pressupõe que se esteja falando de uma situação em que a economia (atividade econômica) seja vista como subsistema do ecossistema. É nessa óptica – que a economia ecológica postula e que não faz parte da visão dominante dos economistas convencionais – que se configura o conceito de sustentabilidade ecológica. Aqui faz sentido falar no impacto ambiental irrecorrível do crescimento econômico sobre os recursos e os sumidouros da natureza. Ou, o que é a mesma coisa, refletir acerca da dimensão da pegada deixada sobre a natureza pelas atividades humanas à luz do potencial de uso que a última oferece. Tema paralelo à questão, trabalhado pela ecologia política, é a identificação de quem se apropriará dos benefícios do crescimento e de quem paga pela destruição dos recursos ambientais (Martínez Alier, 2007).

Ao mesmo tempo, a noção de sustentabilidade dá a impressão de se ter convertido numa espécie de mantra da atualidade. É repetida quase à exaustão em todo tipo de discurso relacionado com desenvolvimento (e crescimento) econômico. Como assinala Leonardo Boff (2011), “Hoje em dia é de bom tom falar de sustentabilidade”. Só que a sustentabilidade que se tem em mente vem sem compromisso claro quanto ao que representa na essência. Pior: é associada a um modelo de economia que tem como finalidade única se alcançarem propósitos de progresso material ilimitado, supondo – muitas vezes, por uma enorme simplificação do raciocínio (cf. Solow, 1974, p.11, por exemplo) – que eles não comprometem a base de recursos da natureza. É como se nada, nenhuma ação humana alterasse a realidade biofísica do ecossistema em que se encontra inserido o sistema econômico. Daí, a adesão universal ao discurso ou retórica do desenvolvimento sustentável (ninguém defende, é óbvio, um desenvolvimento insustentável). Porém, pondera Boff (2011), “a sustentabilidade como substantivo exige uma mudança de relação com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade”.

Sobre isso, fui procurado em 2009 por uma universitária do Rio Grande do Norte, Jessicleide Dantas, que me fez a seguinte pergunta: “Como o senhor entende o desenvolvimento sustentável?” Respondi: “Na verdade, só pode haver desenvolvimento que seja sustentável. Pois se ele é insustentável, vai acabar. Não é, portanto, desenvolvimento, mas alguma coisa como um espasmo da sociedade. O desenvolvimento sustentável é aquele que dura. Quem o sustenta em primeiro lugar é a natureza, o ecossistema, do qual dependemos para tudo. Dessa forma, para que possa sustentar-se, ele tem que levar em conta as regras e os limites da natureza. Sem descuidar do bem-estar humano, dos valores da cultura, da realização plena da cidadania”. Expliquei mais: “No fundo, trata-se de minimizar o uso da natureza, com obtenção de máximo bem-estar social”. Um consumo mínimo para um máximo de felicidade, como na filosofia do budismo (cf. Schumacher, 1973, cap.4).

Jessicleide Dantas argumentou: “Como sabemos, na eterna busca por crescimento econômico, o homem esqueceu do equilíbrio necessário à sociedade para crescer de modo sustentável. Será que um dia teremos uma sociedade com essa configuração? Quais as experiências que poderíamos apontar nesta direção?”. Esclareci: “Nunca existiu uma ‘eterna busca por crescimento econômico’. De fato, a civilização tem 5.000 anos e o crescimento só começou a acontecer nos últimos 250 anos.1 Hoje se pensa e age como se o crescimento econômico fosse a regra para a Humanidade. Nunca foi. Crescimento significa necessariamente esgotamento de recursos, destruição de alguma coisa do meio ambiente. Não existe nenhum exemplo de sociedade desenvolvida que seja ecologicamente sustentável, simplesmente porque as sociedades desenvolvidas (Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, Japão etc.) chegaram a esse nível há menos de 250 anos. Sustentáveis, podemos dizer, foram as sociedades indígenas no Brasil que tinham 12.000 anos de existência quando os portugueses chegaram aqui”. Quem garante que a sociedade americana vai ser como é hoje no ano 2250? Ou a chinesa? Ninguém garante, nem mesmo daqui a vinte anos! E daqui a doze mil?

 Caberia então a pergunta de se é possível equilibrar crescimento econômico ilimitado (“espetáculo do crescimento”, como dizia tolamente, a meu ver, o futuro presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ou, como na pergunta de Jessicleide, “crescer de modo sustentável”) com um meio ambiente que não se deteriore ou entre em colapso. Na perspectiva econômico-ecológica, a resposta é não. Crescimento implica sempre menos meio ambiente. De fato, o planeta (o ecossistema global) não cresce; se a economia cresce – e ela é parte do planeta –, obviamente menos meio ambiente restará. Quanto mais gente na Terra, quanto mais produção econômica, quanto mais artefatos construídos, tanto menos natureza. Em outras palavras, como falam os economistas – embora, estranhamente, não o reconheçam no caso –, existe aí um “custo de oportunidade” ambiental.

 

Desenvolvimento, economia e natureza

O que pode, sim, acontecer é um desenvolvimento ambientalmente sustentável. A questão é que desenvolvimento (que significa mudança, evolução, progresso) não é crescimento (que se entende como aumento ou expansão). O tema é bem elaborado por Daly (1990), para quem crescimento é aumento quantitativo da escala física, enquanto desenvolvimento significa melhoria qualitativa ou florescimento de potencialidades. Amartya Sen (1999) conceitua o desenvolvimento como “expansão das liberdades”: mais cidadania. Algo parecido ao que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) dizia no Relatório do Desenvolvimento Humano de 1990: desenvolvimento humano é um processo de alargamento das escolhas das pessoas. “Uma das mais críticas destas é viver uma vida longa e saudável, ser educado e ter acesso aos recursos requeridos para um padrão decente de vida” (Draper III, 1990, p.1). Isso, de modo irrecorrível, não implica crescimento material; mas pode, sim, incluí-lo. Sen, Prêmio Nobel de Economia de 1998, e o diretor do Pnud (William Draper III) foram claros. O mesmo pode-se dizer de Celso Furtado (1967, p.19), para quem desenvolvimento consiste no “aumento persistente da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social”. Nessa acepção, desenvolvimento significa mais do que simples crescimento da economia ou acumulação de capital, porque, além de representar o incremento da capacidade produtiva, implica também a irradiação do progresso para o grosso da sociedade. Assim, “o conceito de desenvolvimento compreende a idéia de crescimento, superando-a” (Furtado, 1967, p.102).

Pela óptica da natureza, não faz nenhum sentido falar-se em crescer – note bem: crescer – de forma sustentável. Essa possibilidade simplesmente não é parte dos processos naturais. Com efeito, no ecossistema, processos de crescimento contínuo – que são sempre exponenciais – terminam inevitavelmente em desastre. Param, causando estragos. Como o vapor que se acumulou em reatores da usina de Fukushima Dai-ichi, no Japão, e os fez explodir tragicamente em março de 2011. Ou como no exemplo (clássico) oferecido pelo engenheiro Carlos Gabaglia Penna (2008), professor da PUC-Rio falecido em 2011:

Imaginemos que um lago contenha uma espécie de alga que, ao cobrir toda a superfície do corpo d’água, sufocará a vida nele existente. A comunidade de algas dobra de tamanho a cada dia. Suponhamos que, em 30 dias, as algas tomarão o lago todo. No 21.º dia, as algas cobrem tão somente 0,2% da superfície (menos de 0,0001% no 10.º dia). Em apenas mais oito dias, já [se] terá coberto a metade e, no dia seguinte, o lago estará completamente tomado pelas algas, eliminando o oxigênio disponível da água.

Desenvolver-se de modo sustentável, pelo contrário, é possível. Isso é o que acontece com o ser humano e todos os organismos vivos: crescem; param de crescer; e nunca deixam de desenvolver-se (sustentavelmente) – até o fim inevitável. Sen (1999) e Furtado (1967), com seus raciocínios, permitem admitir-se a condição de sustentabilidade – embora não estivessem tratando dela quando escreveram suas obras.

A realidade do desenvolvimento evidencia um embate quase insolúvel entre a agressiva promoção econômica e o indefeso patrimônio natural. Se a ecologia fosse levada realmente a sério como instrumento para o bem-estar duradouro da sociedade, muitas ações no plano econômico estariam totalmente em perigo. É que a natureza fornece a escala do que a sociedade pode fazer. Enquanto isso, no modelo econômico que rege a formulação das políticas econômicas e as ações de desenvolvimento em todo o mundo, os recursos do ecossistema não são tratados como uma restrição; eles simplesmente não aparecem nos cálculos. Basta ver, por exemplo, aquilo que os economistas adotam em seu raciocínio normal com o nome de “função de produção”. Trata-se de uma relação entre os montantes de fatores produtivos (capital, K, e trabalho, L, os únicos que aparecem efetivamente nos cálculos dos economistas) empregados na realização da atividade econômica e os correspondentes volumes obtidos de produto (Y). Essa função pode ser entendida como uma receita. Tem a forma Y = f (K, L). E vale para a economia como um todo, para setores de atividades, para grupos de firmas. Nela se omite completamente o insumo natureza (ou recursos naturais, N). No raciocínio da teoria neoclássica do crescimento econômico – essa associada a nomes como o de Robert Solow (1957), Prêmio Nobel de Economia de 1987, e que prevalece nas análises – admite-se uma função de produção do tipo “rendimentos constantes de escala”, sendo a denominada função Cobb-Douglas (em homenagem a seus proponentes) a que efetivamente aparece nos modelos. Tal função pode se expressar matematicamente da seguinte forma:

Y = λKªLb.

A constante (positiva) l exprime o fator tecnológico. E os expoentes a e b, as respectivas fatias de K e L no produto (Y), sendo a + b = 1. Isso é macroeconomia (e microeconomia) básica. Uma visão simplificada ao extremo do mundo real. O que ela quer dizer é que, com x unidades de capital e y unidades de trabalho, obtêm-se z unidades do produto. Ou seja, é como se uma pessoa (fator trabalho, L) pudesse fazer um bolo Sousa Leão (o produto, Y) usando tão só (fator capital, K) sua cozinha, uma colher de pau e uma vasilha com nada dentro (omite-se N)! Como isso seria possível, sem massa de mandioca, ovos, sal, açúcar, manteiga, leite de coco (os recursos naturais) que tornam o Sousa Leão tão gostoso? Estranho. No dizer de Nicholas Georgescu-Roegen, excluir N da função de produção significa ignorar a diferença entre o mundo real e o Jardim do Éden, como lembram Daly (2007, p.134) e Veiga (2005, p.129).

A situação que se cria sem N dá ao sistema econômico a consistência de um sistema isolado – ou seja, sem entorno com o qual se relacione. Ele independe da natureza; nada o constrange. Admitindo-se que a economia não possua a condição de sistema isolado (de onde viria sua eletricidade?), vai caber uma mudança de perspectiva que mostre a macroeconomia como subsistema aberto, encaixado no ecossistema natural finito, o meio ambiente (ver Cavalcanti, 2010). Na termodinânica – capítulo da física que estuda as transformações energéticas –, o único caso concreto de sistema isolado é o universo. Os demais sistemas ou são fechados (como a Terra, que admite entradas e saídas de energia) ou abertos (como o corpo humano, uma floresta, um rio, nos quais, além de energia, matéria também entra e sai). Pensar a economia como sistema isolado é o mesmo que imaginar um organismo tendo apenas sistema circulatório (no qual o que vai circular é dinheiro, um meio de troca, um símbolo, que, per se, nada vale do ponto de vista da satisfação das necessidades humanas). Aí não haveria trato digestivo – que é o que, ao processar recursos (os ingredientes do bolo), dá sustento ao organismo.

A realidade do raciocínio econômico, com tal abstração, permite que se conceba o mundo sem ecossistema. Ou que se considere o último como uma externalidade. Sim, o meio ambiente existe; mas fica lá em outro plano (galáxia, planeta). Quando muito, pensa-se o ecossistema como espécie de berloque ou balangandã, como penduricalho da economia; como uma dispensa ou almoxarifado de onde se saca o que se queira e onde se joga todo lixo (Cavalcanti, 2010). Daí no modelo da teoria econômica dominante inexistir preocupação com o meio ambiente, recursos naturais, poluição e depleção. Mas o fato concreto é que se precisa encarar o processo econômico enquadrado dentro do sistema – a natureza – que o envolve. É isso o que estudo recente da consultora de economia McKinsey (Dobbs, 2011), surpreendentemente, propõe. Assim, o ecossistema não pode ser pensado como externalidade. Sua condição é a do todo maior a que a economia deve inexoravelmente reportar-se. Ou seja, com tal visão, passa-se a pensar o sistema econômico com aparelho digestivo: nele, matéria e energia (de alta qualidade, ou baixa entropia, a verdadeira riqueza do mundo) são engolidas, viram artefatos e terminam derradeiramente como dejetos (de alta entropia). Quer dizer: o que nós produzimos mesmo, em última instância, é lixo – nada de riqueza duradoura. Um carro zero é pré-sucata. A suposta riqueza (contida em Y) que ele representa é só uma transição entre as dádivas da natureza e os dejetos finais que para a natureza escoam. Nessa transição, a “riqueza” proporciona gozo da vida, bem-estar, um fluxo imaterial – assim como a taça do bom vinho que, ao ser bebida, deixa de existir (a língua estala, mas o vinho não volta; virou lixo).

 

Extração, produção, descarte

A economia, em suas dimensões físicas, aquelas que respondem por comida, roupa, habitações etc. dos humanos é feita de coisas, de populações, de máquinas, edifícios, artefatos de todo tipo. Tudo isso é o que os físicos chamam de “estruturas dissipativas”, mantidas contra forças de desordem, declínio ou entropia por um throughput (transumo) ou fluxo metabólico do ambiente. Essa compreensão possui implicações ambientais e econômicas como as decorrentes, por exemplo, do princípio do balanço de massa e energia que prevalece na natureza: a quantidade de matéria e energia que entra em um processo é exatamente igual à quantidade que sai. Ou as relativas à importância da energia na estrutura e dinâmica de coevolução de sistemas ecológicos e econômicos. Ou as que decorrem da aplicação à economia dos alicerces da termodinâmica dos sistemas vivos afastados do equilíbrio (far-from-equilibrium living systems) (Prigogine, 1969; Branco, 1999). Um sistema físico fechado – caso da natureza – deve satisfazer a condição de conservação de massa. Daí, com crescimento econômico, necessariamente a extração de recursos ambientais aumenta. E eleva-se ao mesmo tempo o volume de lixo depositado na litosfera: mais externalidades negativas estão sempre sendo geradas. O processo cava buraco e ajunta matéria degradada. Ou seja, produz um fluxo metabólico entrópico (Daly, 2007, p.9), como sugere a Figura 1. Essa simplifica grandemente a realidade. Mas expõe com nitidez o caráter do processo que se realiza no sistema econômico moderno. Um processo linear, do tipo extrai-produz-descarta. Nele, a reciclagem é mínima (zero, de fato, no caso de recursos não renováveis como petróleo e minério de ferro). Por ele, entende-se o que Georgescu-Roegen (1971, p.19) quis dizer quando escreveu que “máquinas de lavar, automóveis e superjatos ‘maiores e melhores’ devem levar a ‘maior e melhor’ poluição”.

 

 

Pela Figura 1 pode-se ver que o que a economia moderna faz, na verdade, em última análise, é cavar um buraco eterno que não para de aumentar (extração de matéria e energia de baixa entropia). Cumprido o processo do transumo, os recursos terão virado inevitavelmente dejetos – matéria neutra, detritos, poeira, cinzas, sucata, energia dissipada – que não servem para quase absolutamente nada (matéria e energia de alta entropia). Amontoam-se formando um lixão, também eterno, que não para de crescer. Assim, a extração de recursos e a deposição de lixo deixam como legado uma pegada ecológica cada vez maior. Uma ilustração do processo é oferecida – de forma casual, na verdade –, por um livro que tem outros propósitos: trata de meios de transporte inusitados (McPhee, 2006, p.185s). O livro descreve um trem de carvão mineral nos Estados Unidos que, a cada oito horas, 365 dias por ano, leva 115 t do minério de uma mina em Powder River Basin, no Estado de Wyoming, à usina termelétrica Plant Scherer (a maior usina de carvão do mundo) no Estado da Geórgia, a 2.880 km de distância. O comboio é formado por 133 caçambas e tem um comprimento de 2,5 km. Vai cheio e volta vazio. Como resultado, de modo incessante, esburaca-se o chão em Wyoming, ficando lá, no solo, um vazio eterno e crescente. Na Geórgia, um monte de detritos (eterno também) não para de crescer. Pela Primeira Lei da Termodinâmica, a massa do buraco de Wyoming é igual à massa do monte da Geórgia. Tudo isso para quê? Para que a população do leste do país conte com suprimento seguro (sustentável?) de eletricidade, garantindo assim o padrão esbanjador de vida de seu American Way of Life. O fato, cru, aqui exposto, não diz respeito somente a recursos esgotáveis, como os combustíveis fósseis. Recursos renováveis passam pela mesma ameaça, na medida em que suas taxas de extração superem as de reposição. Foi o que aconteceu com a água (doce) do mar de Aral, no Uzbequistão-Cazaquistão, levando a que o corpo líquido aí existente ficasse reduzido quase à metade – um terrível desastre ambiental. Acontece com bancos pesqueiros explorados acima de sua renovação – caso do bacalhau canadense de Newfoundland (Canadá), do atum azul do Mediterrâneo, das lagostas de Pernambuco.

 

 

 

No Brasil, o que se fez com a Mata Atlântica (Dean, 1996) depois de 1500 é bem um exemplo de como recursos renováveis – espécies da fauna e da flora, biodiversidade, enfim – viram não renováveis. É óbvio, pois, que uma economia em expansão (e mesmo uma que não cresça, mas que usa recursos não renováveis) causa mudança contínua e desequilibra de algum modo o ambiente. O fato não é tratado nas análises convencionais da ciência econômica porque o mercado não registra essa mudança de maneira apropriada (as informações sobre depleção e degradação de recursos, constituindo externalidades do processo econômico, não são refletidas nos preços de mercado. Mas isso não quer dizer que inexistam). Para dar conta do problema é que o WWF (2010) produz bienalmente seu Relatório Planeta Vivo, um documento em que a pegada ecológica é contraposta à biocapacidade. Elaborado em colaboração com a Sociedade Zoológica de Londres e a Global Footprint Network, o documento utiliza o Índice do Planeta Vivo para medir a saúde de quase oito mil populações de mais de 2.500 espécies. Esse índice mundial demonstra uma redução de 30% desde 1970. O declínio é mais acentuado nas regiões tropicais, onde se verifica uma queda de 60% em menos de 40 anos. Ou seja, o modelo extrai-produz-descarta ruma no sentido contrário ao da sustentabilidade. É como a pesca que compromete a reprodução dos cardumes (cf. Veiga, 2010, p.11).

 

Escalas de sustentabilidade

Rigorosamente, uma economia de base industrial estará sempre beirando a insustentabilidade, se já não estiver inteiramente dentro dela. Essa é, de fato, a posição de Georgescu-Roegen – “inconveniente”, como a define José Eli da Veiga (2005, p.121) – para quem crescimento, mesmo zero, representa sempre depleção “e, portanto, encurtamento de expectativa de vida da espécie humana”. Tal conclusão está exposta com rigor científico, se bem que nem sempre com elegância literária, no livro The Entropy Law and the economic process (Georgescu-Roegen, 1971). Aí, Georgescu-Roegen (1971, p.303), por exemplo, falando da mecanização da agricultura, afirma que, contrariamente ao que alguns de seus entusiastas creem e propagam, ela tem um preço. Suas vantagens só podem ser obtidas “comendo-se mais depressa o ‘capital’ de baixa entropia com o qual nosso planeta é dotado”. Georgescu-Roegen conclui: “Esse, deveras, é o preço que já pagamos e continuamos a pagar não somente pela mecanização da agricultura, mas por todo progresso técnico”. Avançando na argumentação, ele oferece uma visão para se refletir (Georgescu-Roegen, 1971, p.304): “Passando por cima de detalhes, podemos dizer que cada bebê nascido agora significa menos uma vida humana no futuro. Mas também cada Cadillac produzido em qualquer tempo significa menos vidas no futuro”.

Não haveria, então, saídas? Tendo lido com admiração Georgescu-Roegen (1971), base do pensamento ecológico-econômico, assistido a suas aulas, ter sido seu vizinho de sala na Universidade de Vanderbilt, Estados Unidos, em 1970, traduzido uma conferência que ele pronunciou no Recife em julho de 1973 e aceito sua argumentação vigorosa, minha resposta deveria ser negativa. No entanto, acredito que é possível enfrentar o desafio. Situações de mais ou menos (in)sustentabilidade que dão alento à ideia de se encontrarem saídas razoáveis para o desejo de progresso da humanidade podem ser concebidas. Uma delas, que apareceu recentemente, é a de “prosperidade sem crescimento” (Jackson, 2009). Baseado na constatação de que pôr em dúvida o dogma do crescimento constitui um ato de lunáticos, idealistas ou revolucionários, o economista britânico Tim Jackson insiste que, a despeito disso, o crescimento deve ser questionado. O problema é que a ideia de uma economia que não cresça é anátema para o economista; do mesmo modo que supor uma economia de crescimento contínuo é anátema para o ecologista (Jackson, 2009, p.4).

Na visão bem elaborada de Jackson (2009, p.4-5), o que importa é o fato de que prosperidade não quer dizer crescimento do PIB (e da economia), uma vez que significa, antes, construir uma sociedade mais justa e melhor; significa alcançar o bom viver e o contrário da adversidade e da aflição. Pensar na prosperidade sem crescimento, por sua vez, é também uma imposição dos limites da natureza, um tema que Jackson reconhece ser fator de controvérsias. Porém, entre outras coisas, a gravidade da mudança climática e o “pico do petróleo” (oil peak) obrigam a que se reflita sobre a insustentabilidade de um modelo cujo desfecho pode ser o colapso da civilização. Aliás, sobre isso, Celso Furtado manifestava preocupação semelhante com três décadas e meia de antecipação, ao enunciar que o desenvolvimento entendido como a “idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos” é simplesmente irrealizável. As razões para tanto seriam de ordem ecológica: o sistema da natureza não suportaria a destruição implícita na proposta (Furtado, 1974, p.75). Daí porque, segundo Furtado (1995, p.76), “Generalizar [a civilização industrial e o modelo de vida engendrado por ela] para toda a humanidade, o que é a promessa do chamado desenvolvimento econômico, seria apressar uma catástrofe planetária que, de toda forma, parece inevitável se não se muda o curso dessa civilização”.

 

 

 

Outra saída seria procurar situações diferentes, reais, em termos de sustentabilidade, na experiência de distintas sociedades, para ver o que elas sugerem. Pensando nisso, no início dos anos 1990, ocorreu-me comparar estilos de vida (Cavalcanti, 1995). Quando meço minha pegada ecológica e a comparo, por exemplo, com a da empregada de meu sítio (Josefa Severina, uma pequena proprietária que mora na zona rural do município de Gravatá, em Pernambuco, e trabalhou para mim entre 1976-2011), fica evidente a insustentabilidade de meu padrão e a grande sustentabilidade do dela. Fazendo a mesma coisa com uma vizinha minha de sítio (Severina de Dezinho, mulher de 65 anos, que teve nove filhos, só foi receber luz elétrica em casa em 2005 e se identifica como a pessoa mais feliz do mundo), indago-me sobre a relação de benefício-custo do processo que permite meu bem-estar e o daquelas mulheres, especialmente da segunda.Voltando à questão de confronto de estilos de vida, o que fiz no começo dos anos 1990 foi comparar os índios brasileiros e os cidadãos americanos (Cavalcanti, 1995, 1997). Usei como referência os critérios de consumo de energia, características econômicas, de demografia, cultura e cosmovisão de ambos os grupos. Com tal propósito, consultei material disponível, especialmente de economistas, antropólogos e etnocientistas. O resultado sintético se exibe na Figura 2. Ou seja, é possível construir uma escala de sustentabilidade cujo valor mínimo (isto é, máxima insustentabilidade) corresponde ao American Way of Life do tempo presente e cujo máximo (ou mínimo de insustentabilidade) estaria entre os indígenas que viviam no Brasil em 1500 e vivem hoje em grupos isolados na Amazônia. O paradigma americano corresponde a consumo inconsciente e exagerado, a desperdício; o dos indígenas brasileiros, a frugalidade, a sobriedade, a parcimônia termodinâmica (Cavalcanti, 1995, p. 171). Seriam dois extremos da realidade do planeta.

Partindo da Figura 2, torna-se possível ordenar sociedades quanto a seu presumível grau de sustentabilidade. É o que faz a Figura 3, na qual a medida da distância entre os pontos que correspondem a diferentes grupos não possui significado cardinal. É só uma ordem de grandeza de casos concretos de sustentabilidade. Isso, com mais precisão, é o que faz o WWF (2010) – com emprego de valores numéricos baseados em métodos rigorosos. Convém lembrar que o primeiro Relatório Planeta Vivo do WWF é de 1998. A ideia tosca da minha comparação (de 1992, publicada em 1995) foi de sugerir que há possibilidades ou saídas para o enfrentamento do desafio de como promover a arte da vida, a prosperidade, o bem-estar dos povos, tendo noção de que a economia estará sempre “comendo” natureza, como na imagem de Georgescu-Roegen (1971, p.303). E que, para fazer isso, tem-se que respeitar limites. Limites que são biofísicos, do ponto de vista dos recursos naturais, que é o que interessa para a discussão da sustentabilidade. Mas sem esquecer limites éticos, porque nem sempre o que é ecologicamente possível é moralmente desejável – como pescar filhotes de lagosta, uma atividade proibida no Brasil, ou desrespeitar as quotas de captura do nobre atum azul do Atlântico e do Mediterrâneo, fixadas pela International Commission for the Conservation of Atlantic Tuna (ICCAT). Sustentabilidade, enfim, quer dizer manutenção do sistema de suporte da vida; significa comportamento em obediência às leis da natureza (Cavalcanti, 1995, p.165).

 

 

 

Os limites da economia

Crescimento material (aumento quantitativo de artefatos) é, sem dúvida, de enorme necessidade para muitas situações de desenvolvimento humano genuíno, sobretudo em certos estágios de evolução das sociedades (caso óbvio da República Democrática do Congo, da Libéria ou do Haiti, por exemplo, em 2011), em que a composição do PIB precisa incluir parcela grande de comida, vestuário e habitação. Aplicando a situações dessa índole os instrumentos da teoria econômica convencional, pode-se dizer que os benefícios adicionais (“marginais”, como dizem os economistas) do crescimento aí superam folgadamente os custos adicionais do processo. Como se sabe, o campo da microeconomia, que trata de como comparar custos e benefícios de atividades no sistema econômico, diz quando a expansão de atividades deve parar. Uma atividade, ao se expandir, desloca outras atividades. Provoca “custos de oportunidade”. A regra é parar quando os custos novos se igualam aos novos benefícios obtidos (custo marginal = benefício marginal). Ou seja, não vale a pena gastar mais R$ 1 em pizzas quando esse mesmo real proporciona maior satisfação em outra coisa. Numa biosfera finita, aumentar a produção de bens essenciais, com seus correspondentes custos ecológicos extras, justifica-se pelos grandes benefícios sociais adicionais que trarão aos que deles carecem. À medida que se passa para bens menos essenciais, porém, a comparação se debilita. Benefícios marginais tendem a cair (uma lei da economia); enquanto isso, custos marginais (outra lei) sobem. Dessa forma, crescendo a produção, a tendência é para que, em algum momento, benefícios marginais decrescentes e custos marginais ascendentes se igualem. Daí por diante, custos novos superarão benefícios adicionais. O crescimento terá se tornado antieconômico (Daly, 2007, p.17). Não faz mais sentido.

Um caso de crescimento ruim é quando se usam processos de produção à base de combustíveis fósseis ou que causam degradação irreversível a sistemas naturais raros: são custos altíssimos para retornos que podem ser frustrantes. O projeto do Porto de Suape, em Pernambuco, cujo carro-chefe é uma refinaria de petróleo, oferece uma ilustração disso. O projeto prevê a construção de enorme termelétrica a óleo combustível. A maior parte das políticas econômicas correntes no mundo inteiro se baseia amplamente na suposição subjacente de um crescimento material sem fim, não importa do que seja. Contudo, não faz sentido aceitar aumentos da economia obtidos a qualquer preço. No Brasil, com a prioridade máxima do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ideia é crescer de toda forma. E não basta crescer; é preciso acelerar o ritmo da expansão. Alterações ambientais graves, como na Amazônia, por meio de usinas hidrelétricas (Belo Monte é bom exemplo), daí decorrem. Se houver “barreiras ao crescimento” criadas pela imaginação, que se mudem leis de proteção ambiental derrubando-se tais “barreiras”, como o Código Florestal. Michel Camdessus (1990), quando diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), ofereceu um rationale para isso: “Nosso objetivo é o crescimento. Na minha visão, não existe mais nenhuma ambigüidade acerca disso. É para o crescimento que nossos programas e sua condicionalidade são dirigidos”. Atores econômicos privilegiados dizem o mesmo, como um analista do Deutscher Bank, Paul Sankey, que declarou pouco antes da explosão da crise mundial dos últimos três anos: “O mercado quer crescimento, crescimento, crescimento”.3 Mais que isso, fala-se mesmo, com frequência, em “crescimento sustentável”4 – o que, rigorosamente, constitui uma impossibilidade biofísica, haja vista que não há nada na natureza que cresça continuamente de forma saudável (Georgescu-Roegen, 1971; Pearce, 1988; Penna, 2008).

 Alega-se ainda, como elemento da sabedoria convencional, que pobreza se combate com mais crescimento. Tal como uma maré crescente que faz subir todos os barcos, os benefícios do crescimento irão, no fim de contas, derramar-se sobre os pobres. Porém, a experiência mostra o conteúdo falacioso dessa suposição.5 Por sua vez, mais e mais crescimento pode ser algo desejável; todavia, que nível de crescimento será possível ou aceitável? Esse é um problema que remete à determinação da escala ótima sustentável pelo ecossistema. Supõe-se normalmente que problemas de depleção de fontes de energia e de recursos, de poluição e outros limites ao crescimento possam ser eliminados pelo progresso tecnológico. Há situações – como a da gravidade do problema da água no mundo atualmente, por exemplo, ou a da mudança climática e a da perda de diversidade biológica – para as quais o progresso tecnológico termina sendo irrelevante. Deveras, como aumentar o estoque de água do planeta, fazer a temperatura global parar de subir ou neutralizar os efeitos da extinção de espécies? A grande economista britânica Barbara Ward (1976), entre outros autores, comenta que as necessidades de inúmeros pobres não podem ser satisfeitas pelo livre jogo de mercado, uma vez que esse é sensível ao poder de compra, e um sistema de mercado totalmente desprovido de controle por instituições de justiça, partilha e solidariedade torna os fortes mais fortes e os fracos mais fracos. Daí não se poder esperar que, deixado a si próprio, o mercado seja capaz de gerar sustentabilidade do ponto de vista humano, beneficiando duradouramente os pobres de agora; ou preservando a produtividade do ecossistema para benefício de longínquas gerações futuras. Enfim, são limites ambientais, tecnológicos e econômicos que impõem a busca consciente de sustentabilidade, a busca de um futuro seguro, sem ameaças de colapso.

 

Conclusão

Desenvolvimento sustentável (responsável) se concebe como um processo socioeconômico em que: (i) se minimiza o uso de matéria e energia (depleção), contendo o avanço do buraco da Figura 1; (ii) se minimizam os impactos (lançamento de dejetos) ambientais, ou seja, a formação do monte da Figura 1; (iii) se maximiza o bem-estar ou utilidade social, sem ameaça de retrocessos; e (iv) se atinge uma situação de eficiência máxima no uso dos recursos – de modo semelhante ao modelo de funcionamento da natureza, ou seja, na Figura 3, ir na direção da máxima sustentabilidade do estilo de vida frugal dos índios brasileiros, fugindo do esbanjamento do modelo dos Estados Unidos, das elites, dos super-ricos. Desses modelos, de fato, qual pode ser reproduzido sem estresses ambientais severos? Como explica o venerando economista do desenvolvimento Paul Streeten (1995), o significado da sustentabilidade que interessa à espécie humana – pois é sua sobrevivência que está em jogo, não a do planeta – consiste em manutenção, reposição e crescimento dos ativos de capital, tanto físicos quanto humanos; na manutenção das condições físicas ambientais dos constituintes do bem-estar; no fortalecimento da resiliência dos sistemas terrestres, capacitando-os a ajustar-se a choques e crises; e em evitar transferir dívidas de qualquer caráter, ecológicas ou financeiras, para gerações futuras. Fazer o oposto disso é promover a inustentabilidade.

Mudanças no sistema econômico são inevitáveis como forma de adaptação às restrições que o processo econômico confronta e não pode mais ignorar. Poderão ser mudanças conscientes (transição para nova era em sintonia com os limites da natureza) ou mudanças abruptas (respostas caóticas a alterações nos sistemas de sustentação da vida). Cabe aqui indagar o que é que se deseja sustentar. Padrões de vida (bem-estar) ou os meios que asseguram a realização humana? Fonte única de tudo, a natureza (por meio do fluxo metabólico entrópico que proporciona o transumo) tem que ser considerada em primeiro lugar. O desafio é saber qual a escala ótima da economia que garante sua sustentabilidade pelo ecossistema. Essa escala ótima é a escala sustentável. Ela corresponde ao máximo de economia compatível com a disponibilidade de recursos da natureza (ar, água, solo, minérios, fotossíntese etc.). Certamente, não é qualquer escala que serve. Do mesmo modo que é possível determinar (a) quantos passageiros podem viajar seguros num avião Airbus 320; (b) qual seria o tamanho ótimo de uma classe de estudantes; (c) quantas pessoas podem morar bem num apartamento de dois quartos; (d) quantas caberiam numa cidade como o Recife, sem causar estresses excessivos ao ambiente; (e) quantos espectadores podem ser acomodados no estádio da Ilha do Retiro.

Além disso, o tamanho da economia depende da escala de tempo que se utilize. Durante quanto tempo uma economia pode crescer a 8% ao ano? O Brasil, em 2010, por exemplo, tinha uma economia de 1,8 trilhão de dólares; a 8% a.a., seria de 8,4 trilhões em 2020. Isso é possível? Até quando? É básico saber a que perspectiva temporal se deve reportar o conceito de desenvolvimento sustentável. A perspectiva instantânea? Uma de longo prazo, de séculos ou milênios? Não esquecer que a civilização maia, exemplo que merece citação, durou 2.900 anos. E que nossa civilização industrial moderna só tem 250, enquanto a dos aborígines australianos tem 60 mil anos. O caso é claro, mas as opções são abertas. Não se pode voltar à vida dos indígenas brasileiros. Pelo menos, essa não seria uma escolha consciente da sociedade atual. Mas um retorno desse tipo imposto por razões ecológicas não é impensável. Talvez seja o caso de refletir sobre um pensamento de Henry Thoreau (1906):

Este mundo é um lugar de negócios… Se um homem que ama os bosques caminha por eles durante a metade de cada dia, arrisca-se a ser visto como um vagabundo; mas se dedica todo seu dia à especulação, destroçando esses bosques e deixando a terra pelada antes que haja chegado sua hora, é estimado como um cidadão industrioso e empreendedor.

Cabe à sociedade escolher que tipo de pessoa vale a pena prezar – uma escolha moral.

Fazenda do Tao☯, 10 de dezembro de 2011.

 

Notas

1 Keith Sill (2008) mostra dados que revelam crescimento praticamente nulo da renda por pessoa no mundo do ano 1 AD até 1750.

2 Nauru é um país-ilha minúsculo do Pacífico; foi uma montanha de fosfato até 1915, transformada hoje em imensas crateras, sem nenhum futuro. Um desastre completo (ver McDaniel & Gowdy, 2000).

3 Na revista Newsweek, 12.5.2008, p.5.

4 Como no comentário de Bagehot (2011, p.62), sobre iniciativas do governo britânico (ajuste das finanças públicas), enfatizando o propósito de se “colocar a Grã-Bretanha num caminho de crescimento sustentável”.

5 No Brasil, o número de pessoas que não têm acesso a saneamento básico (situação que ilustra um quadro de extrema pobreza), em 2010, era muito maior do que toda a população do país em 1940 (ano em que nasci). Nos Estados Unidos, entre 1979 e 2007 – anos de bom crescimento da economia americana, como se sabe –, enquanto a renda média do 1% de domicílios mais ricos crescia de 275%, a dos 10% mais pobres “aumentava” de 20% (The Economist, 29. out. 2011, p. 10).

 

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Clóvis Cavalcanti é mestre, pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco, professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco.  @ – clovati@fundaj.gov.br

 
Estudos Avançados
versão impressa ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.26 no.74 São Paulo 2012
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142012000100004

EcoDebate, 11/05/2012

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