Sistema Agroflorestal (SAF): Sistema imita a natureza
Condução combina cultivos consorciados de diferentes estratos – No Sítio Felicidade, no Núcleo Rural Taquara (DF), o clima é sempre agradável e a paisagem é diferente do que se costuma ver nas outras unidades rurais da região. A casa é rodeada por muitas plantas, principalmente flor-do-mel (Tithonia diversifolia), também conhecida como margaridão, por árvores frutíferas e outras espécies. O diferencial é que o agrônomo Maurício Rigon Hoffmann Moura, conduz seu sítio usando o Sistema Agroflorestal (SAF). Por Elza Troncoso, para o Jornal de Brasília, DF, 29/02/2008.
Filho de produtor rural gaúcho, convencional, Maurício Hoffmann jurava que não iria seguir a profissão do pai Roberto. Seu desejo era trabalhar com informática, mas os caminhos percorridos acabaram levando-no de volta à terra, só que para uma ação diferente da que aprendera anteriormente com o pai. Desde 2001, quando passou a gerenciar o sítio, adotou as agroflorestas.
“Eu percebi que não é necessário degradar para viver”, argumenta. A idéia até então vigente, a única que conhecia, era a produção em escala, visando ganhar o máximo que se conseguisse sem nenhuma preocupação ambiental.
Quando ele começou a trabalhar a terra com agroflorestas, o Sítio Felicidade tinha 30 ha com soja, 10 ha de pasto para gado de leite e 1 ha com dez estufas onde eram cultivadas várias espécies de hortaliças. Os reflexos da condução da área pelo sistema convencional, segundo o agrônomo, era a existência de erosões de mais de um metros de profundidade e apenas três nascentes na área. Com o uso do Sistema Agroflorestal, hoje tem quatro nascentes no sítio e a fauna nativa está mais rica, com a volta de animais como lobo-guará, cateto, jibóia e bugio, que passeiam pela área.
Começo
Quando iniciou a condução de experimentos agroflorestais em seu sítio, Maurício Hoffmann formou pequenas áreas, de cerca de 1 hectare por ano. “O que muda é o desenho, colocando o máximo possível de espécies por área. Eu coloco 40 espécies por hectare, Ernst consegue colocar 80 e até 100″, explica o agrônomo”, revela.
Outra característica do sistema é o adensamento, estabelecendo-se mais de dez plântulas de árvores por metro quadrado, no primeiro ano. Ernst, a quem ele se refere, é o geneticista suíço Ernst Götsch, que conduz uma fazenda na Bahia pelo sistema agroflorestal no modelo que Maurício segue e dá consultoria a quem quer seguir o mesmo sistema.
“Algumas das espécies cultivadas são foco de produção e outras são para compor a agrofloresta”, explica Hoffmann. Ele esclarece que quando se forma uma área de agrofloresta, ela é planejada para se manter produtiva por 50 a 100 anos e para produzir em diversos estratos (camadas formadas pelas alturas das diferentes espécies vegetais consorciadas).
“No primeiro ano produzem as anuais (hortaliças, milho, mandioca); no segundo as bianuais (mamão, abacaxi, banana) e no terceiro ano as fruteiras (citros de enxertia, café, banana, maracujá). Posteriormente, as nativas (pequi, baru, jatobá, mutamba, palmeiras e outras árvores) para produção de alimento e biomassa, e também, as essências florestais”, esclarece.
“Raramente compro muda, por isso, tenho baixo custo. Compro quase só as perenes. Das nativas e florestais, colho as sementes aqui, em outras propriedades e na cidade”, revela. Ele faz o plantio de mudas e de sementes e explica que as plantas formadas de mudas duram entre dez e 20 anos. Já as que nascem a partir de sementes, duram de 80 anos (laranjeira) a 100 anos (mangueira).
Um desenho para cada área
Não existe um modelo-padrão para formar agroflorestas. Trata-se de um princípio de condução das áreas rurais, mas os desenhos mudam de acordo com a destinação, a função da área e as condições encontradas. Em 2001, Maurício Hoffmann formou agrofloresta em uma área de tinha somente braquiária e antigas laranjeiras, em solo compactado. Colocou ali capim elefante, mandioca, guandu, árvores nativas e de floresta.
Colheu mandioca no primeiro ano e, mensalmente, podava o capim para forrar e adubar o solo. Com o tempo, a cobertura vai crescendo e a tendência é que o capim desapareça. Os que restam, estão fracos e esparsos. Ano passado, fez clareiras e plantou banana – uma espécie de floresta, com dez metros de altura.
Em outras áreas, formou a floresta com duas filas de hortaliças (folhosas e frutos), depois, abacaxi e banana. Ao lado, jambo, leguminosas e plantas nativas de Cerrado. Houve áreas que estavam muito degradadas devido à criação de gado em braquiária, submetidas à regeneração, há um ano e três meses. Foi plantado ali um misto de leguminosas – guandu, crotalaria, feijão-de-porco, feijão bravo, paulínea e espectabilis – a lanço. Posteriormente, ele vai roçar a área e plantar agroflorestas. “Vou entrar com abóbora, banana, milho de pipoca e espécies nativas e florestais”, revela.
Outra formação de agrofloresta que Hoffmann usa é a horta em círculo ou mandala, onde planta bananeiras e faz um círculo de hortaliças, rodeado por frutíferas anuais, em seguida as bianuais e as essências nativas e florestais.
Independentemente do modelo usado, o que se nota é que a estrutura do solo muda conforme a floresrta cresce. Maurício recolhe um torrão e mostra que a estrutura do solo se apresenta em forma de grumos, com macro e microporos, mostrando-se em excelentes condições de permeabilidade, o que é ideal para qualquer cultivo.
Custos são variáveis
Há formas diferenciadas que recebem a denominação de Sistema Agroflorestal. De forma genérica, King e Chandler definem os SAFs como “sistemas sustentáveis de uso da terra que combinam, de maneira simultânea ou em seqüência, a produção de cultivos agrícolas com plantações de árvores frutíferas ou florestais e/ou animais, utilizando a mesma unidade de terra e aplicando técnicas de manejo que são compatíveis com as práticas culturais da população local”.
A formação das agroflorestas no Sítio Felicidade estão sendo feitas parcelada e constantemente. Há mais de 20 experimentos de tamanhos diferenciados, a partir de 20 metros. No total, são três hectares de agroflorestas para produção agrícola e mais quatro hectares de agrofloresta para criação de gado e produção de espécies nativas.
“Os experimentos nunca são iguais”, explica Hoffmann. Os fatores que determinam o desenho, segundo ele, são as espécies, as ferramentas ou maquinário usados no manejo da área, o relevo e o ambiente (capim, floresta ou capoeira).
Custos
Os custos para formação de uma agrofloresta variam, principalmente, de acordo com a destinação da área. Nos 4 ha para pecuária, Maurício gastou R$ 500 por hectare, pois foi feito o plantio de espécies nativas com as sementes jogadas a lanço.
“A área mais cara que vi foi uma de produção de plantas ornamentais para a qual fiz consultoria. Ficou em R$ 150 mil o hectare, porque as mudas das espécies ornamentais são muito caras”, relata Maurício.
Ele revela que ganhos costumam recuperar o investimento rapidamente. “Se partir de horta, leva um ano para ressarcir o investimento. Se for com leguminosas e frutas, dois a três. Áreas que custaram R$ 40 mil para a formação de cada hectare, pode gerar ganhos de R$ 80 mil em dois anos”, esclarece.
Nos modelos que Maurício Hoffmann conduz os cultivos em seu sítio e já orientou outros em assentamentos, são formadas áreas para produção de hortaliças nos primeiros 120 dias e, posteriormente, frutíferas, essências nativas e florestais.
Para contar com produção constante de hortaliças, neste primeiro ciclo, o agrônomo recomenda que seja feito o plantio de um canteiro a cada semana.
Uma das vantagens deste sistema de produção é o baixo uso de insumos externos, proporcionando assim ao agricultor pouca necessidade de recursos financeiros.
Manejo é diferenciado
Nas áreas de agrofloresta, as plantas frutíferas começam a produzir a partir o segundo ano
A principal dificuldade para condução dos sistemas agroflorestais, segundo Maurício Hoffmann, é a mão-de-obra escassa e desqualificada. Essa forma de conduzir o sistema produtivo pode exigir elevada utilização de mão-de-obra, dependendo do modelo utilizado. Para quem enfrenta esse problema, ele recomenda a escolha de modelos menos exigentes.
Áreas com hortaliças e leguminosas podem precisar de até oito manejos no primeiro ano, depois, reduz essa quantidade. Mas isto varia, de acordo com as espécies e o objetivo do plantio. “Quanto mais manejo, maior a deposição de material orgânico, com conseqüente melhoria do solo e maior produtividade”, esclarece. Ele diz que hoje utiliza estratégias e espécies para reduzir essa prática agrícola e baixar os custos.
Os sistema agroflorestais também podem ser mecanizados. Isso é possível no preparo do solo e na implantação dos sistemas, adaptando-se máquinas agrícolas. “Aqui, adaptei algumas, mas para colheita em fruteiras ainda não existem máquinas e isso é feito manualmente.
“Nessa linha que trabalho não uso agroquímico porque não precisa”, argumenta Maurício Hofmann. Os produtos de seu sítio são orgânicos, com certificação da Ecocert.
“Na minha maneira de entender a natureza, vejo todos os insetos, fungos, bactérias, plantas e animais com uma função a desempenhar quando necessário. Os plantios agroflorestais reproduzem o objetivo da vida, assim, todos os seres vivos auxiliam o mesmo a evoluir”, afirma Maurício. Ele diz que os monocultivos são uma transgressão ao objetivo da vida, não obedecem as leis naturais e provocam o empobrecimento dos ambientes. Os seres vivos, chamados pragas, doenças, plantas daninhas, percebem isto e trabalham para corrigir o erro, criar vida e abundância”, assegura.
Diversificação traz benefícios
A diversificação é uma das vantagens dos sistemas agroflorestais. A produção é variada e, por isso mesmo, quando o preço de um produto vai mal, um outro pode estar em alta. Isso porporciona maior equilíbrio para o bolso do produtor.
A maior parte da produção desses sistema é comercializada em feiras ou entregues em domicílio. No Sítio Felicidade, além das hortícolas e frutas que produz, Maurício Hoffmann possui 25 caixas de abelhas africanizadas para produção de mel e já criou galinhas. “A galinha aduba e melhora a estrutura do solo, quando conduzida em manejo agroflorestal, e o que produz na área serve de alimento para ela”, revela o agrônomo.
Para Maurício, todas as plantas são boas. Ele tenta até acabar com o estigma de que a braquiária é ruim. “Todas as plantas são boas. Cada uma trabalha em um nível de energia – ela materializa o que recebe. Junta luz, carbono, água e transforma em açúcar, amido e biomassa”, explica o agrônomo. Portanto, todas elas são benéficas e cumprem sua função na natureza e no sistema agroflorestal.
Imitando a natureza que, periodicamente, promove uma seleção das espécies, o manejo agroflorestal também faz esse formato de condução. Maurício mostra um pé de mutamba com cerca de 12 metros de altura, que foi plantado em 2000. Sobe na árvore e vai podando os galhos para abrir uma clareira para que uma pupunheira possa crescer.
Enquanto isso, comenta que a natureza é mesmo perfeita. “Se você observar nas florestas, vai ver que tem árvores cujos galhos são cortados por fungos, serra-pau (uma espécie de besouro) ou por erva de passarinho (uma parasita que suga a seiva da planta). Você vai ver que outras espécies estão vindo e necessitando que o caminho seja aberto”, relata o agrônomo.
Após a poda dos galhos, os mais finos são cortados para adubar a terra nos locais de solo mais fraco e para beneficiar as espécies de interesse. Os galhos mais grossos são usados na lida da fazenda, como cabo de ferramentas e outras funções.
Aprendizado prático
A família de Maurício Hoffmann chegou ao DF em 1985 para plantar soja. Posteriormente, a lavoura deu prejuízos e os pais de Maurício, passaram a cultivar hortaliças com a ajuda dos três filhos. O agrônomo conta que eles foram pioneiros de cultivos em estufas e no sistema de hidroponia.
Em 1996 Maurício começou a cursar Agronomia, na UnB, mas logo depois foi para a Unesp de Jaboticabal (SP). Ele conta que percebeu que a Agronomia convencional não atendia ao que ele desejava. Dois anos depois, descobriu a agricultura orgânica e, em 2000 conheceu Ernst Götsch, durante encontro sobre agroflorestas. “Foi a linha mais completa e complexa que conheci sobre a forma de olhar a natureza e a atividade produtiva”, justifica.
Na universidade, Maurício montou experimentos sobre agroflorestas. Em 2001 trancou a faculdade, fez estágio com Ernst Götsch e voltou para o sítio no DF, onde começou seus plantios. “Meu pai não concordava comigo, mas sempre respeitou o que eu queria fazer”, explica.
Em 2003 ele voltou para a UnB e formou-se em 2004. O pai foi morar em Santa Catarina e Maurício passou a conduzir o Sítio Felicidade por meio de sistemas agroflorestais.
O mestre
Ernst Götsch conheceu o Brasil na década de 70. Ele trabalhou na África, América Central, onde conheceu sistemas de policultivo tradicionais que lhe serviram de modelo para o início de suas pesquisas. Preocupado com a destruição das florestas tropicais, acabou se mudando para o Brasil, onde vive há 30 anos.
Ele tem uma fazenda na Bahia, onde conduz um processo intensivo de experimentação e observação. Os modelos ali são montados conforme disponibilidade e qualificação da mão-de-obra. São modelos que fogem da ciência agronômica e extensão convencional, mas que têm mostrado bons resultados. Maurício conta que quando Ernest começou a condução das agroflorestas em sua fazenda, tinha três nascentes, hoje tem 18. Ele revela, também, que as fazendas vizinhas à dele têm vassoura de bruxa (praga do cacaueiro) em praticamente todas as lavouras e as de Ernest são livres da praga).
“Nos 400 ha da fazenda são observadas manchas de nuvens constantemente, porque as florestas mantêm um microclima constante.
A partir de 1980, Ernst começou a prestar consultoria a projetos agroflorestais e gerou conhecimento de ecossistemas chamados por quem o segue como Sistemas Sucessionais Biodiversos. Ele se caracteriza pela diversidade e alta quantidade de plantas por metro quadrado. Trata-se de um sistema novo e ainda pouco estudado pelas instituições de pesquisa no Brasil.
Modelo garante sustentabilidade
Os sistemas florestais se adaptam muito bem à agricultura familiar, pois a demanda de mão-de-obra não tem sazonalidade como nas monoculturas. Sua distribuição é uniforme durante o ano porque os tratos culturais e a colheita ocorrem em épocas diferentes.
A diversidade da produção e sua distribuição ao longo do ano proporcionam ao produtor um fluxo de caixa mais favorável, principalmente pelas receitas obtidas com os cultivos de ciclo curto e maiores lucros por unidade de área cultivada, além de maior estabilidade econômica pela redução dos riscos e incertezas de mercado.
Outra vantagem é que a necessidade de capital financeiro é menor que em sistemas de fruticultura convencional, pois as agloflorestas se baseiam, principalmente, no uso dos recursos locais disponíveis.
Para obter maior rentabilidade, é aconselhável que a escolha das espécies cultivadas se apóie em um estudo de mercado, para saber os produtos de maior aceitação.
Maurício Hoffmann lembra que o preço atual da alface é o mesmo de 1996, quando seu pai estava na atividade, mas os custos de produção triplicaram. Para ele, isso é uma prova de que rentabilidade do setor agrícola tem sido muito baixa nos últimos anos. “Em sistemas de monocultivo, os riscos de frustração financeira tem sido grandes. Pefiro investir em sistemas de baixo investimento financeiro e com retorno mais estável”, revela o agrônomo.
Já as culturas perenes dos sistemas agroflorestais são produtoras de uma gama variada de matéria-prima, como madeira, látex, resinas, gomas, corantes ou de alimentos, óleos, palmito e frutas. Esses produtos podem ser industrializados e gerar maiores oportunidades de emprego no meio rural.
Sítio Felicidade – BR-020, Km 54, Núcleo Taquara, Planaltina (DF). Mauricio Hoffmann – 9978-4762 e mauriciohoffmann@bol.com.br.