Bendita é entre as florestas: Caatinga, artigo de Cristiano Cardoso Gomes
Quando se fala em florestas, a maioria das pessoas logo lembra a Amazônia, outras veem a memória a Mata Atlântica, alguns o Cerrado e um ou outro, se lembra da Caatinga.
Não é raro questionar se a Caatinga é floresta ou mata. Não é difícil ver pessoas surpreendidas quando se diz que a Caatinga é uma floresta. A Caatinga é Mata sim. Inclusive na própria epistemologia do nome, quando os reais autóctones dessa nação (os índios) definiram em Tupi esse tipo de vegetação como Mata Branca, em função da mesma perder as folhas e ficar com aspecto acinzentado e esbranquiçado.
Não é raro exibir a Caatinga no período que está sem folhas, relacionando sua imagem a aridez e a fome, a um ambiente estéril, pobre, miserável e de baixa diversidade.
A apologia é sempre para uma vegetação degradada, esgotada, paupérrima, cuja solução é transpor rios e assistir o povo com bolsas. Raramente diz-se que a Caatinga é o único domínio vegetacional (bioma) exclusivamente brasileiro, e seu potencial e pouco demonstrado.
A Caatinga é reconhecida pela Conservation International como uma das 37 grandes regiões naturais do planeta, pois apresenta um conjunto único de espécies e características ecológicas, sendo então considerada como uma das regiões de altíssima prioridade para a conservação. Já a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconheceu a Caatinga como um ecossistema importante para a conservação, incluindo-a como uma Reserva da Biosfera. O programa de Reserva da Biosfera procura meios de reconciliar a conservação da biodiversidade com o seu uso sustentável, e estimula que países proponentes se responsabilizem em manter e desenvolver essa reserva.
Mesmo sofrendo os efeitos da antropização e das longas estiagens, a Caatinga possui uma rica diversidade ainda a ser estudada, inclusive no que se refere ao conhecimento local sobre os recursos vegetais, bem como, os usos que as populações humanas faziam, fazem e poderão fazer dos recursos (SAMPAIO & GAMARRA-ROJAS, 2002).
Apesar dos altos níveis de biodiversidade – incluindo 932 espécies de plantas, dos quais 318 são espécies endêmicas, 187 tipos de abelhas, 240 espécies de peixes, 62 famílias e 512 espécies de aves e 148 espécies de mamíferos – a caatinga é mal protegida (GIULIETTI et al., 2004). A Caatinga representa o menor número de áreas protegidas, e a menor área protegida total de qualquer outro bioma brasileiro (LEAL et al. 2005).
Nesse ano, o semiárido e o domínio vegetacional têm sido impactados por uma grande estiagem, e enquanto a terra racha e os agricultores têm o olhar perdido diante de uma severa seca, a Caatinga esverdeia e reflete o sol. Enquanto governadores, ministros e até a presidente buscam combater a seca como um exército ensandecido, a caatinga flora e frutifica como se quisesse falar.
A vegetação foi e sempre será ao sertanejo, um banco, seja à alimentação de seus animais seja da extração de frutas, fibras, cascas, retirada de lenha para cocção de seu alimento ou produção de carvão.
Querendo ou não, certo ou errado, sustentável ou insustentável a vegetação é usada. Contudo, os urbanoides tendem a querer não enxergar e condenar o uso, limitando-se a legislar, proibir e dificultar esse uso.
É fácil ser ecologista e defensor ambiental quando se tem comida na mesa. Difícil é assumir a importância do uso racional da Caatinga. Nesse ano de seca a vegetação sustentará rebanhos, e famílias sobreviverão em função da oferta de vários produtos. A Caatinga dará o pão e não permitirá que os animais e as famílias findem pela falta de alimento.
Os governantes precisam não só agir combatendo e mobilizando-se no caos, pois seca não se combate se convive. A seca não pode ser vista como um problema, pois o problema são os homens que não respeitam um ciclo natural nem a força da natureza. A seca é cíclica e só em considerar isso, já se pode pensar em atenuar seus impactos. E mesmo com toda feracidade climática, o domínio vegetacional da Caatinga resplandece nos quinhões do semiárido. Em contraponto a nossa arqueológica calamidade cíclica, acima da linha do equador há muitos invernos rigorosos, e nem por isso escuta-se falar em calamidades alimentares.
No ano em que os cultivos agrícolas pouco ou nada produzem, a Caatinga demonstra sua resiliência, expondo a sociedade que não há seca que tombe árvores formadas, que ali estão para dá frutos diversos.
Há trinta anos estudiosos diziam que em 20 ou 30 anos a Caatinga estaria dizimada, nesse período muito foi destruído, contudo, a população quase dobrou, o parque industrial ampliou e o PIB e o consumo de energia quadruplicaram, com tudo isso ainda resta quase 40% da vegetação e a caatinga ainda é responsável por 30% da matriz energética nordestina.
Isso nada mais é, do que a demonstração cabal de que caso haja planejamento, essa dádiva que é a Caatinga resistirá e poderá ampliar ainda mais a sua oferta, sobretudo se utilizada com princípios de produção sustentáveis.
A caatinga é um recurso natural e precisa de políticas efetivas tanto para a preservação como para conservação. O uso de florestas precisa ser pautado na escassa assistência técnica, é preciso incentivar financeiramente e tecnicamente o manejo da vegetação e a recuperação de áreas degradadas e pastagens abandonadas.
Dezenas de estudos e anos de experiência de técnicos, empreendedores, organismos nacionais e internacionais, atestam que é possível manejar a Caatinga com responsabilidade e sustentabilidade.
Os sertanejos fazem isso há séculos. Mesmo sem o uso regular da Caatinga, os sertanejos sabem as raízes que podem alimentá-los, as plantas que dão energia, que dão peso aos animais, as espécies indicadas para silagem, as que tratam enfermidades, as plantas nativas e as espécies indicadas para usos específicos, sendo a vegetação um grande shopping de produtos.
Assim, quando vejo uma carroça de mandacaru, não vejo a dizimação dos mesmos, mas, um método secular de manejo. Enxergo a ciência e a inteligência presente no sertanejo (a) e percebo que apesar da erodibilidade do conhecimento e da maçante campanha de detonação da Caatinga, que a caracteriza como um ambiente hostil, os sertanejos sabem sacar sustentavelmente da natureza os recursos para salvar a si e a sua criação.
Quando um sertanejo (a) mostra como usar esses recursos, devemos construir estratégias de uso sustentável. Precisamos criar meios de garantir e ampliar a eficiência e a sustentabilidade dos recursos naturais e não espalhar em redes sociais que estão acabando com os mandacarus, que é uma desgraça, que tudo está condenado, que é o fim. Pelo contrário, é o começo, o caminho e a saída. É assim que se convive, pois isso é conviver. O que é bem diferente do combater, tática comumente usada pelo Estado.
Estratégia é conviver, e é isso que deve ser valorizado, buscado e realizado. A vegetação nos ofertam meios diversos, basta saber colher.
É por subsidiar, ser resiliente, biodiversa, múltipla e única, que a Caatinga é bendita entre as florestas.
Bibliografia citada:
CONSERVATION INTERNATIONAL, 2003. Grandes Regiões Naturais: as últimas áreas silvestres da Terra. Encarte em português. 36p. Disponível em formato eletrônico: http://www.conservation.org.br/publicacoes/files/ capa_grandes_regioes.pdf
GIULIETTI, A. M., ET AL. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma Caatinga. Pages 48–90 in J. M. C. Silva, M. Tabarelli, M. Fonseca, and L. Lins, editors. Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2004.
LEAL, I.R., DA SILVA, J.M.C., TABARELLI, M., AND LACHER T.E.JR. 2005. Changing the course of biodiversity conservation in the Caatinga of Northeastern Brazil. Conservation Biology 19: 701-706.
SAMPAIO, E. V. S. B. & GAMARRA-ROJAS, C. F. L.2002. Uso das plantas em Pernambuco. En: TABARELLI, M., SILVA, J. M. C. (org.) Diagnóstico da biodiversidade de Pernambuco. 633-645. Editora Massangana. Recife.
Cristiano Cardoso Gomes é Engenheiro Florestal e Licenciado em Ciências Agrícolas, Mestrando em Ciências Florestais pela UFRPE.
EcoDebate, 02/05/2012
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