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Rio+20: Yvo de Boer defende a criação de objetivos de sustentabilidade

 

O holandês Yvo de Boer, 57 anos, é um dos nomes célebres nas negociações internacionais sobre mudança do clima e tornou-se popular especialmente nas rodadas mais efervescentes de Báli e Copenhague.

Dono de currículo quilométrico em cargos relacionados ao ambiente, à sustentabilidade e ao desenvolvimento, De Boer foi o secretário-executivo da convenção do clima, a UNFCCC, e mediou conflitos e tensões entre governos, na tentativa de se acertar um tratado global que continua sendo postergado. Em 2010 ele surpreendeu ao deixar o posto, mas não desistiu do tema. Ainda tenta colocar o mundo no trilho certo, agora sob a perspectiva da comunidade empresarial – De Boer tornou-se o homem da mudança climática e da sustentabilidade na gigante consultoria KPMG.

 

Foi então que começou a unir a prática em lidar com a esfera pública com o mundo dos negócios. Ao analisar os temas mais importantes da Rio+20, De Boer alerta que a simples mudança de status do Pnuma, o braço ambiental da ONU – e que hoje é apenas um programa -, não irá produzir grande impacto se a transformação não contaminar outros órgãos das Nações Unidas, como o Banco Mundial, por exemplo. “Um general de três estrelas que for promovido a quatro estrelas não se tornará automaticamente melhor apenas com a mudança de patamar”, diz. “Sempre aprendi que é preciso pensar antes na estratégia e só depois na estrutura.”

 

De Boer acredita que o processo para criar Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que pode ser fechado no Rio, será uma sinalização importante para a comunidade empresarial e poderia trazer os chefes de Estado à conferência. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu antes de embarcar para Nova York e participar do seminário “Desenvolvimento Sustentável – O caminho para a Rio+20”:

 

Confira a entrevista abaixo.

 

Qual é o significado da Rio+20 pela ótica dos negócios?

Converso com lideranças empresariais do mundo todo em meu trabalho atual e a mensagem recorrente que escuto é que os negócios precisam de uma perspectiva de longo prazo que tenha clareza e previsibilidade. O mundo dos negócios tem que entender em que direção as políticas de sustentabilidade dos governos estão indo, para que possam alinhar suas estratégias. É neste ponto que eu acho que a Rio+20 pode ser muito importante.

 

Com quais resultados?

Uma das coisas que provavelmente será acordada no Rio é uma série de metas, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um acordo sobre elas, ou sobre um processo que as crie, pode dar aos negócios uma perspectiva fundamental.

 

Os ODS poderiam ser um sinal para deixar as ideias mais claras? As lideranças empresariais estão bem confusas sobre o que esperar da Rio+20…

Bem, a preparação da conferência não tem sido mesmo muito clara. Mas o quadro que está emergindo nas últimas semanas é que provavelmente teremos um acordo sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e provavelmente se decidirá algo sobre a reforma no sistema das Nações Unidas para que funcione de maneira mais eficiente em relação à sustentabilidade. Pode até existir uma decisão sobre um novo Conselho de Desenvolvimento Sustentável, que possa dar direção às políticas internacionais de sustentabilidade.

 

E os ODS, como eles podem orientar as empresas?

Se a Rio+20 indicar uma meta de acesso à energia sustentável, por exemplo, e traduzir isso em compromissos nacionais, os negócios vislumbrarão o caminho das políticas públicas. Outro caso concreto, que dá direção: provavelmente haverá algo referente ao desaparecimento dos estoques de peixes nos oceanos. Hoje há uma ausência de regulamentação em relação aos oceanos globais.

 

O senhor mencionou a reforma na governança. O Pnuma deveria tornar-se uma agência especializada?

Sempre me ensinaram que antes se deve pensar em estratégia para depois pensar em estrutura. Penso que a mudança na estrutura deveria ser uma resposta às estratégias que eventualmente forem formuladas na Rio+20. Se tivermos uma decisão sobre ODS, aí, com base nessas metas, teria que se pensar no que fazer para estruturá-las. O que acho que está faltando nas Nações Unidas é uma resposta na agenda da sustentabilidade. O secretário-geral da ONU deveria receber um mandato mais forte para criar os ODS e mobilizar todo o sistema das Nações Unidas para o seu cumprimento.

 

Claramente há uma divisão entre Europa e África defendendo a criação de uma agência ambiental, e os Estados Unidos e alguns outros países discordando.

Só um upgrade no Pnuma não é o suficiente. Se você tem um general três estrelas e o promove a quatro estrelas, isso não o torna automaticamente um general melhor. É uma questão de integrar o Pnuma, o Banco Mundial, o Pnud (Programa da ONU sobre Desenvolvimento), de encontrar um meio para que todas as agências trabalhem juntas na implementação dos ODS. É mais uma questão das Nações Unidas do que apenas o upgrade do Pnuma.

 

O senhor acha que o sistema das Nações Unidas está se preocupando mais com essas questões?

As agências das Nações Unidas trabalham conforme as instruções que recebem dos governos. Acho que o desafio neste momento é conseguir um claro acordo no processo de formulação dos ODS, em se dar um mandato forte para que o secretário-geral mobilize todo o sistema da ONU para trabalhar nessas metas, e garantir que governos e capitais nacionais deem instruções coerentes para todo o sistema das Nações Unidas. O upgrade do Pnuma pode até ser útil nesse contexto, mas desde que seja parte de uma estratégia maior. Só transformando o Pnuma em uma agência não vai se conseguir nada.

 

O senhor acredita que a Rio+20 pode dar esse passe livre para o secretário-geral da ONU?

Sim, acho que é possível. Não acho que a Rio+20 vai finalizar os ODS, não acho que vai concluir a reforma da ONU, mas acredito que a conferência pode lançar o processo para que esses objetivos sejam formulados e lançar um processo para a reforma da ONU. Não tivemos muito tempo para nos preparar para decidir agora sobre essas questões, que são bem grandes.

 

O senhor não acha que esses podem ser resultados fracos? O senhor acha a Rio+20 importante?

É muito importante. Para os negócios é fundamental ter uma perspectiva política, que é o que está faltando neste momento. A Rio+20 é uma conferência importante tanto na esfera governamental como nos eventos paralelos, principalmente no que a comunidade empresarial está fazendo por ela mesma.

 

E sobre economia verde? Alguns países temem o conceito, outros dizem que é uma grande oportunidade. O que o senhor acha?

Acho que esta é uma discussão de palavras. Algumas pessoas estão falando em economia verde, outras em crescimento econômico sustentável, mas todos esses conceitos só ganharão significado verdadeiro se forem traduzidos em estratégias nacionais. Cada país tem que pensar como pode conseguir um crescimento econômico mais limpo, como pode contribuir para que os ODS sejam alcançados, e isso não tem como ser determinado em nível global, tem que ser nacional. A estratégia do Brasil será muito diferente da estratégia da Bélgica ou do Belize.

 

A Rio+20 está inserida em um cenário de crises, a econômica e a do multilateralismo, para o qual há cada vez mais críticos. Como o senhor analisa este momento?

As crises econômica e financeira estão ocupando a cabeça dos políticos e das lideranças empresariais e levando a pensamentos de curto prazo. Mas se nos debruçarmos sobre temas como comida, água, população, tínhamos que estar pensando em um horizonte mais amplo. A Rio+20 pode nos trazer de volta ao foco de pensar em questões com as quais deveríamos estar nos preocupando.

 

Uma das questões que se coloca agora é que com o aumento da população e a maior pressão sobre os recursos naturais, o consumo per capita terá que ser reduzido. As lideranças empresariais vêm pensando nisso?

Acho que a questão é de reduzir o consumo e também de mudar o padrão de consumo, e sinto que as empresas estão pensando em ambos. O primeiro ponto é usar os recursos que temos de modo mais eficiente. Cerca de 30% dos produtos da agricultura são perdidos entre o campo e o supermercado. Podemos ter ganhos significativos reduzindo esse tipo de perda. Em segundo lugar, há muito o que conquistar com reciclagem, já que estamos nos deparando com a escassez de recursos naturais. Em terceiro lugar, há mais produtos no mercado que são mais eficientes. Por exemplo, a Unilever desenvolveu um sabão em pó que exige uma única lavagem e não duas ou três, e assim se reduz o uso de água. Líderes empresariais vêm se preocupando em como tornar mais sustentáveis as cadeias de suprimentos. As empresas sentem que precisam responder à pressão sobre os recursos naturais.

 

Há preocupações hoje em dia sobre quais e quantos chefes de Estado e governo irão ao Rio. O senhor viveu este tipo de situação em Copenhague, em um momento histórico muito importante. Como o Brasil pode tornar esta conferência mais estimulante e atraente?

A presença dos líderes é muito importante porque força os negociadores a apresentarem resultados sérios e concretos. Mas os líderes só virão se houver algo que justifique que eles compareçam. O Brasil, como anfitrião da Rio+20, e junto com as Nações Unidas, tem que assegurar que existam resultados significativos para que os líderes venham. Por isso um acordo sobre o processo para formular os ODS é importante.

 

E sobre o conselho de desenvolvimento sustentável?

Bem, não é suficiente trocar apenas a placa na porta, tem que trocar quem está dentro. O que quero dizer é que dar um novo nome a um antigo conselho não muda nada. Tem que se mudar o mandato e as responsabilidades do órgão, para realmente ter um impacto. Espero que o foco não seja só no nome que está na porta.

 

Há também o problema de falta de liderança, não é?

Vimos isso também em Copenhague. Em função das crises econômica e financeira, muitos líderes estão preocupados com os problemas do curto prazo. E isso faz com que o horizonte seja muito confuso para a comunidade de negócios. É importante que os líderes façam o que foram escolhidos para fazer, que é liderar. E deveriam fazer isso no Rio.

 

A menos de 60 dias da Rio+20, há algo que o senhor sugeriria ao governo brasileiro?

A presidente Dilma Rousseff poderia dizer aos outros líderes que precisa que eles venham ao Rio porque é preciso dar uma mensagem forte ao mundo. O embaixador Luiz Figueiredo Machado e outros poderiam assegurar junto às Nações Unidas uma boa base nas negociações para garantir que os líderes venham ao Rio.

Entrevista no Valor Econômico, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4484.

EcoDebate, 26/04/2012

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