‘Monitorar os oceanos é urgente’, entrevista com José Henrique Muelbert
José Henrique Muelbert é coordenador do painel para a implementação do Sistema Global de Observação dos Oceanos (Goos, na sigla em inglês), uma rede mundial de monitoramento de oceanos apoiada por vários organismos internacionais. Ele afirma que o mundo precisa urgentemente monitorar parâmetros como a temperatura e a quantidade de nutrientes e oxigênio dos mares, para dar respostas e prestar serviços à sociedade. “Monitorar a temperatura dos oceanos, por exemplo, ajuda na previsão de ciclones e eventos extremos. Não é diletantismo científico”, brinca.
A entrevista é de Karina Ninni e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 21-03-2012.
Eis a entrevista.
A acidificação parece ser a bola da vez na discussão sobre oceanos. Por quê?
A acidificação está ocorrendo em resposta ao aumento da pressão de gás carbônico na atmosfera. Ele acaba sendo incorporado aos oceanos e vai alterar o balanço dos carbonatos dentro do sistema aquático. Isso deixa o pH mais ácido e atua diretamente sobre os organismos que têm carbonato de cálcio em sua formação.
Temos estudos em série sobre isso? Temos ideia do tempo que esse fenômeno vai demorar para fazer efeito sobre estes organismos?
Existem estudos de laboratório mostrando o efeito da descalcificação nos organismos. Agora, projetar esses estudo para o ambiente é complicado, porque estudamos um organismo que já cresceu, que já viveu. Seria preciso acompanhar esse organismo no ciclo de vida dele. Isso significa observar uma ostra, por exemplo, por cinco, seis anos…. Então, fazer esse tipo de projeção é muito complicado. Temos de conhecer bem os limites de tolerância das espécies. Há algumas que toleram maior amplitude de variação de pH, enquanto outras são mais sensíveis e afetados por pequenas modificações. Outra coisa que não conhecemos bem é a taxa com que essa modificação está ocorrendo. Há uma série medida no Havaí, por dez anos, que uma ideia, mas não sabemos se isso acontece em todos os oceanos, ou se é relativo apenas àquele ecossistema. Por isso, na Rio+20, uma das coisas que está sendo articulada é um sistema global de observação dos oceanos.
Esse sistema teria de ser do mesmo naipe do monitoramento atmosférico?
Precisamos urgentemente observar vários parâmetros. Saber, por exemplo, como os nutrientes estão mudando ao longo dos oceanos. Existem maior produção e transporte de nitrogenados, de fosfatados nas zonas costeiras, que estão afetando as águas, criando mais zonas mortas; precisamos monitorar o oxigênio relacionado com essas zonas mortas e a transmissão da luz dentro da colônia trófica, pois a luz é fundamental para o desenvolvimento do fitoplâncton – a pastagem dos oceanos. São variáveis simples que precisam ser monitoradas a longo prazo para começarmos a dar algumas respostas para a sociedade.
O que são as zonas mortas? Elas vêm aumentando?
Quando se constrói uma cidade na beira da praia, onde não havia população, você começa a produzir dejetos, muitas vezes jogados diretamente nas águas, in natura, sem tratamento. Eles vão acabar consumindo o oxigênio que está na água para decomposição da matéria orgânica. Isso cria áreas com pouco oxigênio, que chamamos de zonas mortas. Um estudo publicado há cerca de dois anos mostra que elas vêm aumentando porque os oceanos, principalmente as regiões costeiras, estão cada vez mais sujeitas às ações do homem. Um outro aspecto é que há um aumento cada vez maior de áreas de agricultura que utilizam fertilizantes inorgânicos. Eles são levados para os rios quando chove, e daí para os oceanos, onde há plantinhas que, ao crescer, vão consumir oxigênio, e ao morrer vão acumular matéria orgânica no fundo do mar. Essa matéria orgânica também vai utilizar oxigênio para ser degradada. Vai haver um aumento dessas zonas mortas, de condições de baixo oxigênio.
Nos últimos anos, houve evolução no monitoramento de alguns dos parâmetros oceânicos citados por você?
Sim, em regiões oceânicas abertas que se pode cobrir com satélite. Hoje em dia, a gente consegue monitorar por satélite a temperatura, a cor dos oceanos, e com isso ter uma ideia da produção biológica primária de plantas. A gente consegue monitorar a altura, a elevação da água, e com isso estimar correntes. E, ano passado, foi lançado um satélite que consegue indicar a salinidade, outro aspecto importante do sistema. Isso foi possível com o advento do sensoriamento remoto. Mas medições no local, de regiões costeiras, não temos. Não temos também uma cobertura muito grande para validar alguns desses dados de satélite e poder utilizar melhor essa informação.
Os pontos de monitoramento existentes (aqui e no Japão, por exemplo) usam a mesma linguagem e metodologia?
A ideia por trás do Goos é justamente essa: que sejam medidas as mesmas variáveis, da mesma maneira, com a mesma técnica e a mesma precisão, para que se possa comparar.
Existe um mapeamento dos pontos de monitoramento ideais ao redor do mundo?
Isso vem sendo discutido. No Brasil, ano passado, o governo federal financiou Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia no mar. Foram formados quatro desses. Apesar de eles terem a proposição de fazer pesquisa científica, um dos grandes avanços que acho que vão trazer é essa preocupação de instalar sistemas de monitoramento. Estamos agora no momento de chegar a um acordo sobre os locais mais importantes para monitoramento a curto prazo, as regiões costeiras mais suscetíveis.
Quais são as variáveis levadas em conta para instalar um ponto de monitoramento?
Estive envolvido no documento final do GOOS. Temos a nítida preocupação com variáveis que causam impacto no ambiente e também em monitorar variáveis que tenham benefício final para a sociedade. Por exemplo: algas nocivas. Existe um grupo de algas que sob determinadas condições florescem rapidamente e liberam toxinas nas águas. Elas vão entrar no peixe que a gente consome, em áreas de maricultura.
(Ecodebate, 22/03/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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