Nanotecnologia: OMS traça diretizes sobre potenciais riscos aos trabalhadores
O crescimento e o investimento nos estudos e na manipulação dos nanomateriais, além da abrangência do seu uso (que pode estar associado a diversas áreas, como a saúde, a eletrônica, as ciências da computação, a física, a química, a biologia, a engenharia), tornam cada vez mais necessário o desenvolvimento de pesquisas que analisem os impactos que essas substâncias podem causar. Preocupada com esses fatores e, principalmente, com os potenciais riscos a que os trabalhadores que lidam diretamente com as estruturas em escala nanométrica podem estar submetidos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) compôs um grupo para desenvolver diretrizes para proteger os trabalhadores contra potenciais riscos dos nanomateriais manufaturados.
Estas orientações visam facilitar melhorias na saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores potencialmente expostos a nanomateriais em uma ampla gama de ambientes de produção social. As diretrizes irão incorporar elementos de gestão e de avaliação de riscos e questões contextuais, buscando fornecer recomendações para melhorar a segurança e proteger a saúde dos trabalhadores que utilizam nanomateriais em todos os países e, especialmente, em países de baixa e média renda.
O pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Cesteh/Ensp/Fiocruz) Willian Waissmann foi um dos designados pela OMS para compor esse grupo. No Brasil, Willian tem a companhia da codiretora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Arline Sydneia Abel Arcuri, no desenvolvimento do trabalho. Em entrevista ao Informe Ensp, ele fala sobre o desenvolvimento e o investimento da nanotecnologia no País, os objetivos do grupo composto pela OMS, além da necessidade de a população ter acesso às discussões sobre o tema. Confira.
O senhor é um dos representantes do Brasil no Grupo de Desenvolvimento e Orientações para a Composição de Diretrizes sobre como Proteger os Trabalhadores contra Potenciais Riscos dos Nanomateriais Manufaturados. O país está preparado para integrar essa composição?
Willian Waissmann: Em termos gerais, tanto no Brasil quanto na maioria dos países, há um diferencial muito grande entre o investimento e o desenvolvimento de materiais para a nanotecnologia, em relação ao fomento para estudos sobre potenciais consequências não desejáveis desses materiais. Digo ‘potenciais consequências não desejáveis’ porque várias das consequências possíveis são desejáveis. Mesmo assim, não podemos deixar de pensar nos potenciais riscos desses materiais à população em geral, ao ambiente, ou até mesmo aos trabalhadores que lidam diretamente com as substâncias.
Na realidade, sempre houve a presença de partículas naturais ultrafinas nessa escala. Mas o que temos na atualidade vem da década de 1990, que é o desenvolvimento formal de materiais que adquirem ou podem ter propriedades especiais justamente por estarem na escala nano. A partir disso, há o desenvolvimento de objetos e produtos com uma utilização importante e tentar entender suas consequências e formas de difusão não é um processo fácil, tendo em vista o aporte financeiro e as questões técnicas necessárias.
Qual a intenção da OMS em organizar um grupo para avaliar os potenciais riscos dos nanomateriais?
Willian Waissmann: A OMS busca lidar com os potenciais riscos ocupacionais dos nanomateriais para os trabalhadores e, com isso, quer, efetivamente, conformar uma diretriz mais pontual, mas não como uma recomendação formal, e sim traçar linhas gerais de proteção voltadas para os aspectos mais importantes e menos importantes da utilização, além de buscar responder as perguntas em relação às pesquisas, aos trabalhos com esse tipo de produto e à produção desse material. As diretrizes irão incorporar elementos de gestão de risco, avaliação de riscos e questões contextuais, buscando fornecer recomendações para melhorar a segurança e proteger a saúde dos trabalhadores que utilizam nanomateriais em todos os países e, especialmente, em países de baixa e média renda.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) também possui essa preocupação e temos, do ponto de vista da nanotoxicologia, uma série de laboratórios e escolas no mundo inteiro voltadas para o campo. Inclusive, já faz parte de pequenos trechos de normas internacionais, seja em normas da Organização Mundial do Comércio, ou em trechos de normas europeias, ou em normas de recomendação norte-americanas. Com isso, podemos observar que já temos movimentos sobre o que vem sendo desenvolvido pelos nanomateriais – que são substâncias que agem de forma diferenciada.
Quais seriam os diferenciais e as formas de aplicação?
Willian Waissmann: Falamos que os nanomateriais são diferenciados porque não se relacionam com uma só área. Na realidade, quando falamos em nanotecnologia, nos referimos a algo que se diferencia em função da sua escala. Mas não falamos em nenhum ramo específico da produção, porque falamos de quase todos, ou seja, os materiais podem ser utilizados em todos os ramos. E aí já temos um grande diferencial.
Vejamos a aplicação da nanotecnologia no campo da saúde, por exemplo. Se fosse pensar no Brasil, sua regulação deveria ser feita pela Anvisa. Mas o material também poderia ser utilizado em aviões, e aí teria que passar pela vistoria da Anac ou da ANP. Por outro lado, também pode ter impacto no ambiente, e aí você acaba envolvendo o Ministério do Meio Ambiente. Logo, a partir disso, a gente entende o porquê de ações como nos EUA, onde há uma Iniciativa Nacional da Nonotecnologia, que busca compreender a realidade e traçar políticas de governança para o futuro. A nanotecnologia é um caminho sem volta, está instituída, e o governo está traçando estratégias para conformar políticas voltadas para o campo.
Como tem sido o investimento do governo na nanotecnologia?
Willian Waissmann: É verdade que o governo tem fomentado pesquisas no campo da nanotecnologia, mas comparando com o fomento e desenvolvimento de materiais, os valores são menores, o que não é diferente do restante do mundo desenvolvido. O Brasil, entretanto, possui um diferencial importante, e trata-se de um aspecto onde o governo quer realizar mudanças, não só na nanotecnologia, mas na indústria em geral, e que está relacionado com o seguinte quadro: o país fica em torno do 11° lugar no mundo na produção acadêmica na área nanotecnológica; mas, entre a produção de patentes e a produção em escala de produtos nanotecnológicos, a diferença é muito grande.
Ou seja, apesar de o País estar numa posição de vanguarda na produção de conhecimento, não está numa posição de vanguarda na produção em escala dos produtos por questões de dificuldade nesse meio termo. Diria que essas dificuldades não são porque temos um grande rigor no campo do risco, ou porque colocamos vários empecilhos, não é isso. Na realidade, temos pouco conhecimento embutido em nossos espaços de regulação sobre qualquer potencialidade de risco desses produtos.
Por outro lado, isso está sendo discutido agora. Ano passado tivemos um seminário na Anvisa e as agências reguladoras estão começando a se preocupar com o tema. Mas o que devemos reforçar sempre – e este é um aspecto importante nesse grupo formado pela OMS – é que apesar de termos forte presença na União Europeia e nos EUA, há necessidade que a própria Organização tome para si esse tipo de preocupação e trace recomendações, como em vários outros temas.
Como será o trabalho desse Grupo?
Willian Waissmann: Como passo inicial para o desenvolvimento das diretrizes, a OMS preparou um documento propondo o conteúdo e foco das Diretrizes. Esse documento será utilizado pelo Grupo de Desenvolvimento de Orientação para identificar questões-chave a serem abordadas pelas Diretrizes. A forma pela qual a OMS está compondo o grupo é interessante, pois está inserida num departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente, entendendo que os produtos existem, e com o objetivo de operar com foco na saúde e no trabalho, não só lidando com a toxicologia, mas com a governança no campo, sugerindo recomendações e traçando as perguntas que devem ser respondidas. Ao se estabelecerem as principais perguntas, você dá rumo para que uma grande gama de pesquisadores e a própria população comecem a se posicionar.
Outro aspecto muito importante e que faz parte do que estamos analisando é sobre como atender a opinião de atores-chave, além de entender como se sentem, como ocorre o debate na sociedade brasileira sobre a questão nanotecnológica, sobre a questão dos riscos. Sabe-se que esse tipo de discussão tem sido muito frágil, mas quando digo isso é porque na maioria das vezes não há debate social efetivo dentro de um espaço. Sabemos que esse processo está começando, mas é interessante que a gente possa desde já traçar as respostas para todas essas questões.
Informe Ensp/ Agência Fiocruz de Notícias, publicado pelo EcoDebate, 02/03/2012
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