Veracel destrói praias
Atividade de terminal em Belmonte causou interrupção de correntes e aterramento
Empresa com certificado internacional de controle ambiental, a Veracel também deixa rastros de destruição na implantação das suas plantações de eucaliptos e no transporte da celulose. Um auto de infração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em dezembro de 2005, contém uma descrição objetiva: “Impedir a regeneração natural de vegetação de Mata Atlântica, com implantação de projetos para plantio de eucalipto numa área total de 1.203 hectares, em desacordo com a licença e autorizações recebidas”. O impacto da implantação do terminal de barcaças de Belmonte (BA), para o transporte da celulose, pode ser registrado nas praias do município. Por Lúcio Vaz, do Correio Braziliense, 27/08/2008.
O diretor-presidente da empresa, Antonio Sergio Alipio, afirma que o auto de infração resultou de uma denúncia que partiu da própria Veracel. Ele relata que a empresa fez um levantamento das áreas remanescentes de Mata Atlântica, para não plantar eucaliptos naquelas desmatadas. Essas terras são utilizadas para recomposição da vegetação nativa.
Por uma falha operacional, a empresa teria plantado eucaliptos em 1.203 hectares de área desmatada, em 200 pontos diferentes. “Fizemos uma autodenúncia ao CRA (Centro de Recursos Ambientais) e estabelecemos um termo de compromisso de averbação de 1.203 hectares, com uma recuperação adicional de 600 hectares. Recebemos multa do Ibama por termos desmatado 1.200 hectares de Mata Atlântica. Recorremos da decisão. Temos uma ação em curso”, conta Alipio.
Em depoimento prestado ao promotor de Justiça Dinalmari Messias, o gerente do Ibama em Eunápolis, José Augusto Tosato, afirma que não foi enviada cópia da autodenúncia ao Ibama, embora essa informação conste no documento apresentado pela Veracel ao CRA. Tosato afirmou que o Ibama recebeu essa denúncia por intermédio de terceiros. Dinalmari abriu inquérito civil para apurar por que o CRA exigiu que a empresa revegetasse apenas 602 hectares, “metade da área suprimida”.
Barcaça
O objetivo do terminal era retirar de circulação 175 caminhões a cada dois dias. Isso preservaria a BR-101 e evitaria a emissão anual de 24 mil toneladas de dióxido de carbono (CO²). Mas o projeto foi mal planejado. Os molhes que permitem o atracamento das barcaças provocou o aterramento da praia, pela interrupção das correntes marinhas. Formou-se um aterro que avançou mais de 100m sobre o mar. Num primeiro momento, a empresa fez uma dragagem, que resultou numa montanha de areia. A solução foi comprar sítios à beira da praia numa extensão de 1,6km, para jogar a areia.
Paralelamente, percebeu-se o desmoronamento de coqueiros nas laterais do aterro, provocado também pelas correntes marinhas. Pescadores começaram a denunciar o sumiço de peixes. Desde 1999, o coordenador do Projeto Amiga Tartaruga (PAT), Paolo Botticelli, avisava que o terminal traria impacto. Ele monitorava a desova de tartarugas naquela praia. Com a inauguração do terminal, em 2005, a Veracel firmou uma parceria com o PAT, que ampliou o monitoramento na área. Em palestra feita para o Correio na fábrica, dia 14, Botticelli afirmou que o número de desovas vem aumentando ano a ano desde 2005. Mas não apresentou dados anteriores.
A Veracel tinha uma licença temporária do Ibama para operar o terminal. Mas a montanha de areia não parava de crescer. A empresa encontrou outra solução. Quando a maré é sul, eles dragam a areia nesse lado do terminal e a jogam para o outro lado, por uma tubulação subterrânea. A tubulação joga um lodo de cor preta a uma distância de 800 metros do terminal, no lado norte. A areia se mistura com a água e não forma mais banco de areia, pelo menos por enquanto.
Em visita ao local, dia 12, o Correio entrevistou o pescador Valdir Jesus Santos, 40 anos, morador da localidade de Rio Preto que tentava pegar algum peixe com rede de arrasto. “Acabou o peixe daqui. Antes tinha robalo, pescadinha, badejo, perlo. Hoje em dia, o peixe que a gente pega é esse que vocês estão vendo (muito pequenos). E acabou beira da praia, destruiu tudo. Essa firma só fez destruir a região da gente”, afirmou o pescador. Diretor da Veracel, Tarciso Andrade Matos também visitava o local. Ele afirmou que o monitoramento feito pela empresa atesta que não há comprometimento da pesca na região. Teria até aumentado.
Relatório previu impacto ambiental
A Veracel divulga com orgulho a conquista do selo Forest Stewardship Council (FSC) no início deste ano. Teria alcançado os padrões internacionais de controle ambiental. Uma das estratégias adotadas pela empresa é a implantação de plantações de eucaliptos entremeadas por vegetação nativa, para preservar os corredores ecológicos e as nascentes. Mas o impacto é inevitável, como reconhece o próprio Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da empresa.
O documento especifica os resíduos sólidos gerados. São 37 mil toneladas por ano. “A maior parte do lixo vem da estação de tratamento de esgotos. Serão retiradas 120 toneladas de lodo e 82 toneladas de areia por dia da estação de tratamento. O lodo é usado como adubo nas plantações de eucalipto. A areia será colocada no aterro industrial. Os demais tipos de lixo são as 36 toneladas por dia de cinzas das caldeiras e as seis toneladas de lixo doméstico. Esses resíduos são colocados em aterros com barro compactado, de modo que não ocorra infiltração da água subterrânea”, diz.
O consumo da água é assim descrito: “A fábrica vai usar 94 mil m³ de água por dia, retirada do Rio Jequetinhonha. Após o processo industrial, serão gerados 80 mil m³ de esgoto por dia, que, após tratados, seguem para o rio. Para ter uma idéia desses números, a cidade de Eunápolis consome 6 mil m³ de água por dia e gera 4,8 mil m³ de esgoto, que são lançados nos rios sem qualquer tratamento”.
Sem animais
O Rima avisa do possível mau cheiro: “Os gases malcheirosos produzidos em várias partes da fábrica são parecidos com cheiro de ovo podre. Eles são coletados e encaminhados para tratamento. Com seu mau cheiro diminuído, são jogados no ar por chaminés de 120 metros de altura. O vento mistura os gases com o ar e reduz o seu efeito quando eles tocam o chão”. A empresa formou uma rede de “cheiradores”, que registram quando ocorre o tal mau cheiro. Foram 11 registos no ano passado. No dia da visita do Correio à fábrica, o cheiro era mínimo, mesmo próximo ao ponto mais alto da chaminé.
O relatório de impacto também reconhece que nenhum animal pode viver numa plantação de eucalipto. “Em uma plantação de eucalipto, só existe esta planta, que não produz frutos. Além disso, após o terceiro ano, as árvores começam a fazer sombra no terreno que fica embaixo delas, dificultando o crescimento de outras plantas. Nessas condições é realmente difícil a existência de animais e outras plantas nas plantações de eucalipto.”
Em outro ponto, o Rima esclarece a importância dos remanescentes de Mata Atlântica para a implantação de eucalipto: “Qualquer cultivo de uma só planta é mais fácil de ser atacado por pragas. Isso ocorre porque, nas florestas nativas, vivem vários animais e plantas em equilíbrio. A plantação de eucalipto é um ambiente desequilibrado. Os cientistas perceberam esse problema. Para diminuí-lo, passaram a imitar o que acontece na natureza, plantando eucalipto próximo de florestas nativas. Com isso, os inimigos naturais das pragas do eucalipto saem da mata e vão se alimentar delas nas plantações. Dessa forma se reduz o desequilíbrio ecológico”.
[EcoDebate, 28/08/2008]