Amianto: omissão perigosa, artigo de Eduardo Algranti
[O Globo] Estima-se que sete milhões de pessoas morram de câncer anualmente. Hábitos pessoais e condições de ambiente são responsáveis por 40% dos casos de câncer, o que significa que cerca de 3 milhões de óbitos anuais poderiam ser prevenidos. O ambiente de trabalho é responsável por 4% a 20% de todos os casos de câncer na população geral. Isoladamente, o amianto é responsável por um terço dos casos de câncer ocupacional e 50% dos casos de câncer de pulmão de causa ocupacional. O amianto é o agente causal de mais de 80% dos casos de mesotelioma pleural, um câncer raro da membrana que envolve os pulmões, de péssimo prognóstico.
Dados do sistema de informações de Mortalidade do Ministério da Saúde mostram uma curva francamente ascendente de mortes por mesotelioma em São Paulo. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto. Entre 2008 e 2010 a produção aumentou, assim como a importação e o consumo interno. Em 2010 o consumo estimado foi de 0,9Kg/brasileiro. Entre 1975 e 2005, o mercado brasileiro consumiu cinco milhões de toneladas de amianto traduzido em produção, transformação (produtos de cimento-amianto e outras centenas), instalação, remoção e descarte. Estes produtos estão espalhados pelo ambiente. Não é necessário esforço para entender que o problema extrapola o ambiente de trabalho.
A chance de um cidadão se expor ao amianto, assim como a outros cancerígenos reconhecidos, aumenta na proporção de seu uso. A produção e utilização do amianto tipo crisotila é permitida na maior parte dos estados brasileiros. A nocividade do crisotila é inconteste, ele é classificado dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela International Agency for Research of Cancer (IARC), organismo da OMS. Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno para humanos.
A OMS e a Organização Internacional do Trabalho entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização. Em adição aos cânceres do sistema respiratório baixo e mesoteliomas, o amianto é, também, causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário.
A “utilização segura” do amianto no seu ciclo é enganosa e inviável. Quem controla a sua “utilização segura” na construção civil? Quem controla a sua “utilização segura” em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que o contenham? Quem controla a sua “utilização segura” em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Qual é a necessidade de se manter a sua produção e uso? Há substitutos seguros para todas as utilizações conhecidas do amianto. Nenhuma fibra substituta faz parte da lista de cancerígenos do IARC. Em adição, há estudos que demonstram a viabilidade técnica e econômica de substituição do amianto.
Na última segunda-feira, em julgamento histórico na cidade de Turim, Itália, dois ex-proprietários de um poderoso grupo europeu de cimento-amianto foram condenados a 16 anos de prisão e a vultosas indenizações moentárias, por omissão de informações sobre os riscos associados à manipulação do amianto e por quase 3 mil mortes causadas por doenças associadas ao amianto em ex-trabalhadores e habitantes do entorno de uma da suas empresas, em Casale Monferrato. Boa parte do amianto usado pelo grupo era proveniente da mina de Balangero, Itália, do tipo crisotila.. Em São Paulo, já há algumas centenas de casos diagnosticados de doenças em ex-trabalhadores de indústrias de amianto.
O tempo corre e não faz concessões. O Estados brasileiro se esquiva, repetidamente, do problema, não respeitando o valor constitucional de proteger seus cidadãos. Nos últimos anos, perderam-se diversas oportunidades de proibir seu uso no território nacional. Perdeu-se também a oportunidade de evitar que o risco continue a se estender a populações de outros países importadores do amianto brasileiro.
Boa parte dos casos de câncer é evitável. Hábitos pessoais são voluntariamente adotados e administrados. Porém, o trabalhador não tem essa escolha. Nem pessoas submetidas a exposições inadvertidas.
*Eduardo Algranti é chefe do Serviço de Medicina da Fundacentro. Este artigo foi publicado no jornal O Globo no dia 16 de fevereiro de 2012.
** Artigo socializado pelo Blog do Trabalho, do MTE.
EcoDebate, 17/02/2012
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