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Código Florestal: Permanece a tendência de flexibilização; Governo e ruralistas isolam movimento ambientalista

 

“A diferença é parecida com a de escolher entre morrer pulando do 24º andar de um prédio ou do 45º”. Dessa forma, e com essa métáfora, o ativista da WWF Álvaro de Souza, definiu a aprovação do parecer do senador Jorge Viana (PT-AC) ao projeto do novo Código Florestal pela Comissão de Meio Ambiente nos últimos dias.

A aprovação do parecer do senador Jorge Viana (PT-AC) que tomou como base o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) foi considerado satisfatório pelo o governo e pelos ruralistas. Governo e ruralistas negociaram intensamente e isolaram o movimento ambientalista. A negociação final do projeto foi um acordo entre poucos: governo e ruralistas, mediados pelos senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Jorge Viana (PT-AC), Luiz Henrique (PMDB-SC), Kátia Abreu (PSD-TO) e pela ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira.

Agora o projeto retornará à Câmara, e a intenção do governo é aprovar a versão de Viana e Luiz Henrique – e não a do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ministro do Esporte, que foi relator do projeto na Câmara.

O novo texto, mesmo com as concessões, foi duramente criticado pela ex-ministra do meio ambiente Marina Silva. Segundo ela, “na quarta-feira, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, ocorreu uma das derrotas mais sofridas que a luta socioambiental em defesa do desenvolvimento sustentável poderia viver”. Para a ex-senadora, “a sessão, que deveria tratar com tempo e profundidade o mérito do projeto de lei que propõe criar um novo Código Florestal, transformou-se em um exemplo perfeito do que, sem medo de errar, pode ser chamada de velha política”.

Em sua opinião, “o indicador dessa senilidade política veio na forma de argumentos apelativos que tentavam convencer os ‘derrotados’ de que deveriam alargar o sorriso, disfarçar a indignação e posar para a foto com os ‘vencedores’, sem lhes estragar o realce da moldura”.

O senador Jorge Viana, também do Acre como Marina, acusou as duras críticas e respondeu na mesma moeda a sua ex-companheira de partido: “Muitos ocuparam cargos no governo e não trouxeram uma única árvore de volta”.

Independente do debate ideológico, com viés político eleitoral de fundo que tem como cenário as eleições de 2014, a aprovação satisfez muitos mais os ruralistas do que aqueles que se opunham ao projeto. Poucas concessões foram feitas. No plenário da Comissão do Meio Ambiente do Senado, manifestantes portavam cartazes emque afirmavam que Viana “trocou Chico Mendes por Kátia Abreu” e chamavam Luiz Henrique de “senador da motosserra”. De pouco adiantou abaixo-assinado, vigílias, a opinião do mundo acadêmico e científico e a mobilização de setores do movimento social. O que funciou mesmo foi o rolo compressor do governo.

Quem ganha e quem perde

Na opinião do pesquisador e professor José Eli da Veiga, os ganhadores principais do trâmite-relâmpago em quatro comissões do Senado do projeto foram os ruralistas e, entre eles, alguns setores. Segundo ele, “quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade”, destaca.

Ainda segundo José Eli da Veiga, “também serão muito beneficiados todos os que cometeram desmatamentos ilegais no intervalo de dez anos entre o início da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais e o odiado decreto do ex-presidente Lula, de 22 de julho de 2008, sobre infrações ambientais”.

O professor de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP destaca que “no geral, também sairão bem favorecidos os setores e ramos mais propensos à ‘absorção da proposta neocolonizadora da China’, como diz Carlos Lessa, ou que defendem o ‘Brasil da Fama’ (fazenda, mineração e maquiladoras), como diz Marcio Pochmann”, comenta.

Na opinião do agrônomo Gerd Sparovek, da USP de Piracicaba, o texto costurado pelos senadores Luiz Henrique (PMDB-SC) e Jorge Viana (PT-AC) poupa a presidente Dilma de desgaste ao excluir a anistia explícita a desmatadores embutida no projeto da Câmara dos Deputados. Se fosse mantida a versão antiga, Dilma teria de vetar a anistia, se indispondo com o Congresso, ou mantê-la, quebrando promessa eleitoral. Porém, segundo dados de uma pesquisa sua, a nova redação do texto deixa 60% das chamadas áreas de preservação permanente, ou APPs, sem recuperação.

O texto do Senado obriga os fazendeiros a recompor de 15 metros a 100 metros de mata ciliar, reduzindo o passivo para 34 milhões de hectares, segundo Sparovek. O projeto mantém 2008 como data-limite para a regularização, livrando de multa os proprietários que aderirem a planos de regularização a serem implantados em um ano.

O tema das anistias que na opinião do jornalista Claudio Angelo permite mais do que uma intepretação. Segundo ele, “quando o Código Florestal for à votação no plenário do Senado nesta semana, uma única pergunta deve dominar o debate: o texto do senador Jorge Viana (PT-AC) traz ou não anistia a desmatadores”? A sua resposta: “depende da sua definição de anistia”.

O pesquisador da USP Jean Paul Metzger, em entrevista ao IHU é da opinião de que as alterações no texto do novo Código Florestal “foram muito mais políticas do que pautadas na ciência”. Segundo ele, “a grande vantagem, em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado, é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um Código Florestal coerente”. Entretanto, continua ele, “muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados”.

Para Marcio Astrani, da equipe de coordenação da Campanha da Amazônia do Greenpeace, o projeto, apesar das promessas de modificações, continua com os mesmos problemas do aprovado pela Câmara. Segundo Astrani, boa parte dos artigos da reforma do código assenta-se sobre três eixos: anistia sem critérios ao desmatamento, incentivo ao desmatamento e desproteção florestal, com redução nos índices de proteção de áreas de preservação. “No curto prazo, as consequências são a perda do mérito das punições, como multas e ações de embargo de propriedades. No médio prazo, com a possibilidade de aumento de desmatamento, vai ficar difícil o governo cumprir as metas de redução de emissões de carbono.”

Mudanças podem redundar em violência e degradação ambiental

O texto do projeto de reforma do código florestal que isenta de multas e outras sanções para os proprietários rurais que desmataram áreas protegidas até 2008 é o que tem recebido as mais duras críticas. A justificativa dos congressistas é de fazer justiça aos que cometeram as infrações quando não havia legislação sobre o tema. Do ponto de vista de ambientalistas e pesquisadores, ela é vista como uma forma de incentivo ao desmatamento ilegal.

Na avaliação de Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a possibilidade de anistia do desmatamento abre um precedente ruim. “No caso da Amazônia, onde o desmatamento ocorre de forma especulativa, pode engendrar um novo ciclo dessa prática”.

Outra consequência da possível anistia ao desmatamento apontada pelo pesquisador é o recrudescimento da violência no campo. A Amazônia ainda tem cerca de 20% de florestas devolutas, que geram disputas de grileiros e madeireiros menores que passam a desmatar confiando no perdão sinalizado na proposta do novo código. “Nesse período de discussão do projeto, a violência aumentou. É como se voltássemos ao tempo em que ela era explosiva na Amazônia e o desmatamento tinha trajetória crescente e fora de controle”, lembra.

Para o pesquisador do Imazon, das medidas previstas no projeto de lei essa é a de principal risco para a região que apresenta a maior cobertura vegetal no país. Com cerca de 5 milhões de km2 – 61% do território nacional -, dos quais 63% cobertos por florestas e 22% por outras vegetações nativas, a Amazônia Legal é composta pelos Estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e parte do Maranhão. Suas riquezas naturais são de importância estratégica em termos de regulação do clima e diversidade biológica para o Brasil e para o mundo, além de valor crescente na economia do país.

“No momento em que a produção de soja, carne, madeira, commodities das mais importantes da Amazônia, estiverem associadas ao desmatamento, isso representa um impacto negativo no interesse do agronegócio brasileiro”, alerta Veríssimo.

Por outro lado, estudo do Ipea lançado em junho indica que, se o novo Código Florestal liberar as propriedades rurais da obrigação de reflorestar suas áreas de reserva legal, no melhor dos casos, 11,6 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (TCO2 eq) deixariam de ser absorvidos nos biomas do país.

Aprovação na contramão do debate mundial

A reforma flexibilizadora no Código Florestal atende ao lobby produtivista do agronegócio e encontrou no governo uma postura de envergonhado apoio. O apoio deve-se ao fato de que, por um lado, parte importante da base de apoio do governo no Congresso é ligada aos interesses do agronegócio, e, por outro lado, as commodities se tornaram central na agenda econômica do governo.

A postura leniente do governo não se deve, portanto, apenas ao fato de que o tema divide sua base de apoio política, deve-se sobretudo ao seu modelo desenvolvimentista, no qual a questão ambiental não é determinante. Apesar da intensa retórica, no modelo desenvolvimentista a temática ambiental está subordinada a agenda econômica.

O que mais preocupa o governo é a repercussão internacional. O ex-presidente do Ibama Bazileu Margarido associa essa preocupação com a decisão do governo em agilizar a aprovação. Segundo ele, ”a discussão é feita a partir de um cronograma político”.

Em entrevista concedida à IHU On-Line, de acordo com o ex-presidente do Ibama , quer se impedir que o projeto de reforma do Código vigente seja discutido na Rio+20: “Em vez de se fazer uma discussão para amadurecer o tema e aprovar uma lei com qualidade, a discussão é feita em cima de um cronograma político para evitar que essa polêmica chegue a um ambiente mais amplo, onde os temas são colocados à luz do dia e onde as brechas do novo texto possam ser olhadas de maneira mais ampla”.

A preocupação do governo tem fundamento. “Na Rio+20 vamos discutir uma nova economia, um novo modelo de desenvolvimento, mas com que base? É uma análise que tem que se fazer com seriedade. O Brasil precisa continuar tendo um papel de liderança do crescimento sustentável, de redução do desmatamento, de combate à pobreza. Mas para cumprir acordos internacionais, para que consiga manter compromissos, tem que ter posições firmes com relação a mudanças no Código Florestal e em relação a essas grandes obras impactantes”, disse Rubens Gomes, coordenador do Grupo de Trabalho Amazônico, que representa 602 organizações da região.

O fato é que a flexibilização do Código Florestal e a manutenção de investimentos em grandes projetos de infraestrutura na Amazônia podem colocar o governo brasileiro em uma “saia justa” durante a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. “A Rio+20 não será a revisão da Eco 92, mas não tem como apagar os compromissos firmados, a sociedade vai cobrar”, declarou Gomes, em referência a inciativas como a Agenda 21, um plano de ação criado na conferência de 1992 a fim de orientar os países para o desenvolvimento sustentável.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 29/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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One thought on “Código Florestal: Permanece a tendência de flexibilização; Governo e ruralistas isolam movimento ambientalista

  • Roberto Sena Dias

    O Senador Jorge Viana é engenheiro florestal, tem experiência administrativa (governador do Acre por dois mandatos), político atento ás necessidades do País. A sua contribuição na revisão do texto é marcada pela inteligência e sensatez. Não se poderia conseguir um texto que agradasse a todos. Muitos ambientalistas, com honrosas exceções, são angelicais e fora de seu tempo. A Carta de Pero Vaz de Caminha deveria ser seu Código e lembrança de que estamos em 2011 e não em 1.500. Somos 200 milhões de brasileiros e precisamos de um zoneamento agroecológico, com definições de áreas de proteção e de produção. Algo mais prático, mais sensato. Chega de negativismo, de previsões apocalíticas, de serem donos exclusivos da verdade.

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