Código Florestal: uma mensagem negativa. Entrevista com Jean Paul Metzger
As alterações no texto do novo Código Florestal, aprovado na Comissão de Meio Ambiente – CMA do Senado, “foram muito mais políticas do que pautadas na ciência”, pondera o pesquisador da USP, Jean Paul Metzger. “A grande vantagem, em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado, é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um Código Florestal coerente. Entretanto, muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados”, disse em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Ao comparar o texto proposto pelo deputado Aldo Rebelo e as modificações feitas por Jorge Viana, Metzger destaca pontos positivos como a criação do Cadastro Rural Ambiental – CRA. A partir desse cadastro, explica, será possível “saber se os proprietários de terra estão ou não agindo de acordo com a lei, se estão, de fato, executando um termo de ajuste de conduta”. Conforme propõe o texto votado na Comissão de Meio Ambiente do Senado, os produtores rurais somente terão acesso a crédito agrícola se estiverem de acordo com a legislação. “Isso é positivo porque consequentemente o produtor terá que restaurar as áreas degradas”, enfatiza. Para Metzger, as alterações feitas no texto do Código Florestal incentivam “à restauração e à manutenção das florestas e outras áreas naturais”.
Na quarta-feira, 23-11-2011, enquanto conversava com a equipe da IHU On-Line, Metzger vislumbrava um possível acordo em relação ao novo texto do Código Florestal, aprovado no dia seguinte. Os entraves e possíveis mudanças poderão acontecer mais tarde, ressalta, quando o texto retornar à Câmara dos Deputados. “O texto já está muito diferente daquele que os deputados aprovaram. Então, há um grande risco de muitos trechos serem alterados. (…) Muitas das propostas sugeridas por Jorge Viana irão desagradar os deputados. Por isso é provável que o texto não seja aprovado neste ano”.
Jean Paul Metzger é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ecologia e doutor em Ecologia de Paisagens pela Universidade Paul Sabatier de Toulouse, França. Atualmente é professor titular do Departamento de Ecologia da USP, membro do corpo editorial da Landscape Ecology e da Natureza e Conservação. É vice-presidente da International Association for Landscape Ecology – IALE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor elaborou uma pesquisa para saber qual é a base cientifica do Código Florestal vigente. Pode nos falar sobre esse estudo? Quais são, em sua avaliação, os avanços científicos dos últimos 45 anos que permitem alterar o novo Código Florestal?
Jean Paul Metzger – Um dos grandes argumentos para a mudança do Código Florestal é o fato de que muitos dos critérios definidos pelo Código, como a extensão da Reserva Legal ou a largura de áreas que têm de ser protegidas ao longo do rio, não teriam base científica.
Em minha pesquisa, tentei entender qual era a base científica da época e como ela permitiu a sustentação dos critérios (científicos) definidos no Código Florestal vigente. Também tentei observar como, a partir da evolução da ciência, de 1965 até hoje, alguns critérios deveriam ser revistos. Cheguei a várias conclusões, mas uma delas diz respeito à biodiversidade. Hoje existe o suporte científico que não existia naquela época. Portanto, é necessária a extensão das Áreas de Preservação Permanente – APPs e das áreas ripárias, para que elas sejam, de fato, efetivas para a manutenção da diversidade biológica. Ou seja, precisaríamos de APPs de pelo menos 100 ou 200 metros de largura. É fundamental expandir e não reduzir a contenção ao longo dos rios.
De acordo com a revisão que fiz em relação à Reserva Legal – RL, o Código vigente tem uma base científica interessante. No caso da Amazônia Legal, a Reserva Legal é de 80%. Portanto, se reduzirem esse percentual para 60%, ou abaixo de 60%, muitas espécies serão perdidas porque a continuidade da floresta será rompida, pois as espécies que não usam áreas externas não poderão circular livremente pela paisagem.
Também temos um bom suporte científico para afirmar que a junção de APPs com Reserva Legal é prejudicial porque irão juntar áreas que têm funções e composições muito distintas. Se isso for feito, haverá uma redução muito grande na cobertura total protegida.
IHU On-Line – Então é necessário separar RL de APPs?
Jean Paul Metzger – Há necessidade de separá-las porque as APPs se encontram ao longo do rio, em encostas muito íngremes, topo de morro. Ao longo dos rios têm cheias sazonais; nas encostas íngremes há um risco de erosão maior; no topo dos morros existem outros tipos de solo. Então, quando se compara essas áreas com as áreas interfluviais, onde estariam as Reservas Legais, percebe-se que as condições ambientais são muito distintas; logo, a composição de espécies também é distinta. As APPs e a Reserva Legal têm conjuntos de espécies distintos e complementares, e, portanto, funções complementares. As APPs servem para proteger áreas mais sensíveis e a Reserva Legal é uma reserva de floresta, e atualmente é entendida como uma reserva de espécies para a proteção da diversidade biológica dos ambientes florestais. Por isso precisamos manter as duas áreas para ter uma paisagem saudável.
Ao juntar a Reserva Legal e as APPs, haverá uma redução de 10 a 15% na Reserva Legal. Considerando, de acordo com o novo texto do Código Florestal, que os pequenos proprietários não precisam ter Reserva Legal, e adicionando a isso o fato de que a Reserva Legal pode ser recuperada com 50% de espécies exóticas, ou 50% da área com espécies exóticas, isso praticamente extingue as Reservas Legais do território brasileiro, reduz e fragmenta enormemente essas áreas. Esse novo Código Florestal praticamente extingue as Reservas Legais.
IHU On-Line – Como as APPs e as Reservas Legais devem ser distribuídas? Por propriedade, bioma?
Jean Paul Metzger – De acordo com a lei atual, há uma extensão de Reserva Legal distinta em função dos biomas. Na Amazônia, na área florestal, deve haver 80% de RL; na área do cerrado e de campos, 35%; e fora da Amazônia Legal, 20%.
O bioma Mata Atlântica precisa ter 20% de Reserva Legal. No Código vigente, além dos 20% de Reserva Legal no bioma, é preciso ter APPs. A proposta do novo texto é juntar essas duas áreas, ou seja, quando um bioma tiver 20% de APPs, não é necessário ter uma área de Reserva Legal.
No caso do bioma Mata Atlântica, que é muito extenso (vai do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte), quando o proprietário de uma terra não tem Reserva Legal na sua propriedade, ele tem três opções: induzir a regeneração, restaurar ou compensar em outro lugar. E aí ele, em vez de compensar na bacia hidrográfica conforme define a lei, poderá compensar em qualquer parte do bioma. Então, poderá compensar as perdas de uma área de campo do Rio Grande do Sul em uma área de floresta do Rio Grande do Norte, porque os dois territórios fazem parte do bioma Mata Atlântica. Essa possibilidade é um absurdo total, porque estão mudando por completo o tipo de ambiente que deveria ser protegido. Essa mudança na legislação cria um risco muito grande de as áreas muito produtivas não terem mais nenhuma Reserva Legal, porque as pessoas não vão querer tê-las em solos que potencialmente são produtivos e concentrarão todas as Reservas Legais em solos que são improdutivos. Isso faz com que, no total, as Reservas Legais mantenham apenas espécies de áreas improdutivas, de um único tipo de ambiente. Perderemos as espécies daquelas áreas em que os solos são mais ricos.
IHU On-Line – O novo texto do Código Florestal tem algum embasamento científico?
Jean Paul Metzger – As mudanças feitas no novo texto do Código Florestal foram muito mais políticas do que pautadas na ciência. A grande vantagem em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um Código Florestal coerente. Entretanto, muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados. A atualização do Código é uma decisão política porque eles têm que considerar as demandas da sociedade científica e de outros setores. O relatório de Jorge Viana é muito melhor do que o relatório de Aldo Rebelo, mas está longe daquilo que é ideal.
IHU On-Line – Quais são os aspectos positivos do relatório do senador Jorge Viana (PT-AC)?
Jean Paul Metzger – O primeiro aspecto positivo é o fato de estabelecer um Cadastro Rural Ambiental – CRA. Então, os agricultores, para obterem créditos agrícolas, terão de estar cadastrados nesse CRA. Isso permitirá a elaboração de um registro de propriedades do Brasil, o que nunca tivemos. Sem esse tipo de iniciativa não temos como saber se os proprietários estão ou não de acordo com a lei, se estão executando um termo de ajuste de conduta. Conseguiremos, através do cadastro, monitorar as atividades legais e ilegais.
O segundo ponto positivo é a inserção de um conjunto de incentivos à restauração e à manutenção das florestas e outras áreas naturais. Quer dizer, em vez de ter um Código Florestal baseado apenas em comando controle – impõe-se uma lei e, se ela não for cumprida, o proprietário da terra será multado –, passamos para uma filosofia de incentivo através de pagamentos de serviços ambientais, de facilitação de crédito. Outro ponto positivo é que, com esse novo Código, os produtores poderão ter acesso a créditos agrícolas somente se estiverem de acordo com a legislação ou estiverem se adequando a ela. Hoje em dia todo mundo obtém crédito agrícola, independente de estar ou não de acordo com o Código Florestal. Isso é positivo porque, consequentemente, o produtor terá que restaurar as áreas degradadas.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o relatório substitutivo do senador Jorge Viana (PT-AC) ao projeto do novo Código Florestal, que autoriza a Câmara de Comércio Exterior – Camex a adotar medidas de restrição à importação de produtos de origem agropecuária e florestal de países que não seguirem as normas de proteção ambiental compatíveis com as leis brasileiras? Essa medida tem relevância ambiental?
Jean Paul Metzger – Eu vi essa questão e a considero polêmica porque não podemos julgar outros países com base em nossa legislação. Como vamos dizer se um país é compreensível em relação às questões ambientais se as condições lá são totalmente diferentes?
Vejo essa questão como um aumento da segurança da balança comercial no sentido em que, com esse tipo de dispositivo, o Brasil terá uma liberdade maior de proteger a produção interna. Eu ouvi alguns comentários sobre essa medida, mas não sei se ela será aprovada. O relatório deverá ser aprovado na Comissão do Meio Ambiente, depois passará para o Plenário do Senado e depois voltará para os deputados. O texto já está muito diferente daquele que os deputados aprovaram. Então, há um grande risco de muitos trechos serem alterados. Sinceramente não entendi o porquê dessa restrição à importação dos produtos. Parece muito mais uma desculpa e uma questão comercial financeira de competição com alguns países que produzem produtos similares aos brasileiros. Não gostaria de comentar esse assunto porque não consegui entender o que está por trás dessa questão; não consegui acompanhar todo o processo e as razões da inclusão desse tipo de medida.
IHU On-Line – O senhor está acompanhando as discussões sobre o novo texto do Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA? Qual sua expectativa em relação à votação?
Jean Paul Metzger – Deve passar na Comissão do Meio Ambiente sem problema nenhum. Todos estão o elogiando bastante. O relatório de Jorge Viana foi feito, de certa forma, em conjunto com Luis Henrique (PMDB/SC), que é, digamos, o Aldo Rebelo do Senado. Então, houve, de fato, um nível de discussão e de negociação bastante intenso no Senado. Provavelmente esse texto será aprovado no Senado. Entretanto, pode haver um problema quando o texto voltar para a Câmara dos Deputados, porque muitas das propostas sugeridas por Jorge Viana irão desagradar os deputados. Por isso é provável que o texto não seja aprovado neste ano.
IHU On-Line – Caso o novo Código Florestal não seja aprovado neste ano, pode-se esperar alguma alteração, considerando a Rio+20 em 2012?
Jean Paul Metzger – A Rio+20 é uma pressão internacional sobre o Brasil. Temos uma série de compromissos ambientais em relação à emissão de gases de efeito estufa, por exemplo. Boa parte da emissão de CO2 é dada pelo desmatamento e corte de vegetação na região do Cerrado. Portanto, é preciso ter um Código Florestal respectivo, para que o desmatamento não aumente.
O Código Florestal tal qual está sendo proposto neste momento não incentiva novos desmatamentos. Por outro lado, ele é bastante flexível na forma de restaurar os passivos ambientais. Traz principalmente uma mensagem muito negativa, na medida em que ele anistia quem desmatou de forma ilegal durante esses últimos 40 e poucos anos.
(Por Patricia Fachin e Stéfanie Telles)
(Ecodebate, 28/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Não acho difícil, como alegado pelo entrevistado, entender a restrição de importação de países que não repeitem o meio ambiente. Ora, durante a discussão do novo código, vi inúmeras manifestações de pessoas dizendo que se o Brasil não tiver uma legislação ambiental avançada, sofreremos restrições de exportação de nossos produtos. E o correto da diplomacia não é a reciprocidade? Qual a dúvida, então?